Convidados importantes
Na véspera o marido havia pedido a ela que preparasse "o melhor prato do mundo", pois ele traria alguns convidados importantes para jantar, seus chefes e suas esposas.
A mulher pensou, pensou e resolveu fazer língua, com a receita de um livro. Pensou melhor e tratou de acrescentar outras receitas, a da amiga, a da prima, a da cunhada. Não contente, lembrou-se de uma antiga receita da avó e preparou também.
Arrumou a mesa da sala de jantar com a toalha bordada na Ilha da Madeira, os talheres de prata, os cristais e a porcelana inglesa. Flores e candelabros com velas completaram a beleza da mesa e ela, afastando-se um pouco, virava a cabeça para um lado e para o outro, consertava uma rugazinha invisível, endireitava um garfo desalinhado, lustrava um copo que parecia que tinha uma mancha. Finalmente ficou satisfeita. Estava tudo perfeito!
O marido chegou, aprovou a arrumação, deu-lhe um beijo distraído e foi tomar seu banho para esperar os convidados. Mal teve tempo para isso e eles chegaram.
Apresentações foram feitas, o marido abriu os vinhos, conversas foram entabuladas.
Chegou a hora de servir o jantar. Todos sentados, as travessas fumegantes foram abertas e todos pasmaram. Tinha língua assada, língua frita, ensopada, bolinhos de língua, salada com língua em cubinhos, língua com molho de tomate, grelhada, enfim, de todo tipo.
O marido sorriu amarelo, os convidados ficaram um pouco constrangidos, mas conseguiram elogiar e comeram assim mesmo. As esposas dos convidados se entreolhavam a cada modalidade de língua que se apresentava. A unica coisa que não tinha língua era a sobremesa, um delicioso pudim de que todos gostaram e comeram muito.
Não se demoraram, cada casal procurando um pretexto para se retirar. Despediram-se dela como se ela fosse um tantinho fora do normal...
O marido ficou bastante tempo calado, as sobrancelhas juntas, pensando o que poderia fazer para tirar dos chefes a má impressão que a comida de sua mulher causara. Não sabia como abordar o assunto com ela, sem magoá-la. Então foi perguntar muito delicadamente a ela porque fizera aquilo: tudo língua, língua, língua, até parecia que ela não sabia cozinhar outra coisa.
Ela respondeu que fizera o máximo para agradar a tão ilustres convidados e que pensara no que o marido dissera: "o melhor prato do mundo"! Que outra coisa poderia ser? A língua é a melhor coisa do mundo! É com ela que as pessoas entoam melodias que encantam os ouvidos, é com ela que os professores ensinam coisas maravilhosas a seus alunos, é com ela que oramos a Deus, é com ela que as mães cantam para embalar seus filhinhos, é com ela que contam as mais lindas histórias a eles. Todos conhecem o valor de uma palavra de ajuda, enfim, a língua é a melhor coisa do mundo.
O marido ouviu atentamente e até concordou com ela, mas disse que os chefes e suas esposas não deviam ter compreendido. E participou que iria convidá-los novamente, para que ela mostrasse seus dotes culinários, fazendo outra coisa. Por exemplo "o pior prato do mundo".
A mulher concordou e o marido convidou todos novamente, explicando que ela queria surpreendê-los com outros pratos.
Alguns dias depois, ela arrumou tudo perfeitamente como da outra vez e serviu língua novamente, com receitas diferentes, mas língua de todo jeito.
Depois que todos se foram, o marido quis saber qual era a explicação desta vez.
Ela respondeu que língua era também "o pior prato do mundo", pois leva a calúnia e a desgraça, as brigas e as desavenças, as blasfêmias e os palavrões; e que uma língua afiada pode ferir mais do que um punhal e que pode queimar mais do que um ferro em brasa. Como vê, disse ela, fiz apenas o que você pediu.
Não me perguntem se o marido teve a coragem de convidar novamente seus chefes ou seus amigos, por que eu não sei... Mas se eu fosse ele, daí em diante, levaria os convidados para um bom restaurante...
8 Comments:
Moral desta história : o casal deve se comunicar de forma clara e inequívoca sobre o cardápio .... e outras coisas tambem!!
Bom tê-la de volta. Gostei de seu pequeno conto!
Não é meu conto! É uma história conhecida sobre o bem e o mal que a língua pode causar e que a gente conta às crianças para que aprendam melhor. Você não conhecia?
Eu tbm não conhecia esta...parábola.
Achei "bene trovata" e muito bem relatada pela dona do blog. Tbm faz muito sentido o fato dos convidados sairem desenxabidos, pois a lingua é um prato, ou muito querido, ou muito detestado. Eu gosto muito. E aí me lembro de uma cena de restaurante: chegam dois amigos, sentam-se, chamam o garçon e um deles pede:
- Quero lingua ensopada.
- Credo, exclama o outro, comer uma coisa que saiu da boca da vaca! Garçon, eu quero um ovo.
Ótima, Timtim! Ri muito...
Despois há alguns que julgam o mariticídio crime...
Das narrações do Talmude
- "Traga-me o melhor pedaço que encontrares no açougue - dizia um Senhor a seu escravo. Este lhe trouxe uma língua.
- Traga-me - disse-lhe outra vez - o pior pedaço que encontrares no açougue. O servo lhe trouxe de novo uma língua.
- Que queres dizer com isto? - perguntou o Senhor estupefato.
Respondeu o sábio escravo:
- A língua é o que há de melhor e pior no mundo. Se é boa, nada há de melhor; se é maldizente, nada há de pior".
Gostei mais desta, Primacaçula. Diz tudo em poucas palavras. Preciso aprender isso, como ser mais concisa.
Eu gostei mais da sua história por ser rica em detalhes; veja como os gostos diferem. Acho esta muito concisa demais, sem atrativos.
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