sexta-feira, janeiro 30, 2009

Tolstoi escreveu

Uma das coisas que mais amo em minha vida é esta história e quero dividi-la com vocês.

DE QUANTA TERRA UM HOMEM PRECISA?
Capítulo I

Certa vez a mulher de um comerciante foi à aldeia visitar a irmã mais nova, que era casada com um camponês. Durante o chá, a mulher do comerciante elogiava a vida na cidade, onde vivia com o marido e os filhos. Morava numa casa espaçosa, tinha fartura de doces e bebidas finas, ia a teatros e passeios.
A irmã mais nova, despeitada, começou a depreciar a vida dos comerciantes, enaltecendo a dos camponeses.
— Pois eu não trocaria a minha vida pela sua. Não temos tantas distrações, mas também não temos insegurança. Vocês vivem melhor mas, ou vendem muito ou ficam à beira da ruína. “Dia de muito, véspera de nada”, diz o ditado! Às vezes uma pessoa é rica hoje e amanhã está na miséria. A vida no campo é mais segura. Nunca seremos ricos, mas não há de faltar o que comer!
— Mas como? Com os porcos e as vacas? Vivem sem conforto algum e, por mais que seu marido trabalhe, vão morrer no meio do esterco. E seus filhos não terão outra vida.
— Que mais podemos fazer? É a nossa vida. Em compensação, não precisamos nos curvar para ninguém e nada nos ameaça. Na cidade há todo tipo de tentações. Hoje está tudo muito bem, mas amanha o diabo pode vir tentar seu marido com a bebida, o jogo, ou coisa pior. E então, o que será de vocês?
Sentado junto ao fogão, Pakome, marido da irmã mais nova, ouvia a conversa das duas.
— É verdade — ele disse. — A gente se acostuma desde cedo a trabalhar na mãe terra, não corre perigo de ter essas loucuras. O único problema é a terra. Se a gente tem toda a terra que deseja, não tem medo nem do diabo!
Depois da refeição as mulheres lavaram a louça, conversaram sobre vestidos e foram se deitar.
O diabo estava atrás do fogão e tinha escutado a conversa toda. Estava contente porque a mulher levara o marido a se gabar de não temer nem ao diabo, se tivesse muitas terras. “É assim?” pensou o diabo. “Pois vou lhe dar muitas terras e ele será meu.”

CAPÍTULO II

Perto da aldeia vivia uma mulher, proprietária de uns trezentos acres, que tratava bem os camponeses e nunca os havia prejudicado. Um dia, porém, contratou um soldado reformado para administrar suas terras e as coisas mudaram para os camponeses. O novo administrador cobrava multas por qualquer invasão e, fosse por um cavalo no campo de aveia, uma vaca no pomar, um bezerro no pasto da vizinha, volta e meia Pakome era multado.
Pakome pagava mas ficava muito irritado, brigava por qualquer pretexto e batia na família. Durante todo o verão sofreu com isso. Quando chegou a época de recolher o gado ao curral ficou aliviado, apesar de ele mesmo ter que levar as rações. No inverno correu a notícia de que a vizinha ia vender suas terras para o estalajadeiro da estrada real. Os camponeses ficaram desanimados. “Ele vai acabar conosco”, diziam eles. “Será pior que agora, vai nos arruinar. Não podemos impedir os animais de pastar naquelas terras.”
Foram então pedir à proprietária que lhes vendesse a terra, propondo pagar mais que o estalajadeiro. Ela concordou. Reuniram-se em conselho para comprar a terra em nome de todos, mas não conseguiam resolver a questão. Parecia que o diabo intervinha, não havia meio de chegarem a um acordo. Assim, decidiram que cada um compraria uma parte, conforme pudesse. A proprietária tornou a concordar. Pakome soube que um vizinho comprara cinquenta acres e que ela aceitara receber a metade agora e a outra metade no prazo de um ano. “Vão comprar a terra toda e eu ficarei sem nada”, pensou com inveja, e disse à mulher:
— Todos estão comprando, precisamos comprar também. Não é mais possível viver sem terras.
Pensaram juntos na maneira de conseguir o dinheiro. Tinham cem rublos de economias. Venderam um potro, metade das colméias, puseram o filho para trabalhar como empregado e pegaram o pagamento adiantado. Pediram emprestado a um cunhado o suficiente para completar a metade do dinheiro.
Pakome escolheu uma área de quarenta acres, com uma parte de floresta, e foi falar com a proprietária. Discutiram o preço, Pakome pagou um sinal e foram à cidade passar a escritura. Pakome pagou a metade e se comprometeu a dar a outra metade ao fim de dois anos.
Agora que tinha alguma terra, comprou sementes e plantou. A colheita foi tão boa que em um ano quitou o terreno e a dívida com o cunhado. Tornou-se proprietário. Arava, semeava, fazia seu próprio trigo, cortava as árvores da sua própria floresta, levava o gado a pastar no seu próprio terreno. Quando saía para arar o campo, ver a plantação, andar pelos prados, seu coração se enchia de alegria. A relva, as flores, tudo lhe parecia diferente dos outros lugares. Antes não via diferença entre aquela terra e qualquer outra, mas agora tudo era especial.

CAPÍTULO III
Pakome estava feliz. Tudo caminhava em perfeita ordem até...

9 Comments:

At 30/1/09 4:33 PM, Blogger marianicebarth said...

Vocês já sabem que gosto de contar uma história e interrompê-la no momento crítico para que vocês fiquem curiosos. Infelizmente, tive que escrever dois capítulos inteiros para que isso acontecesse...
Será que alguém já conhece? O diabo como personagem é bem interessante!

 
At 30/1/09 10:10 PM, Anonymous Anônimo said...

Não conhecia não, mas estou bem interessado no final. Essa vida de lavradores sempre me fascina. Até mesmo essas intrigas de terra. Toda a família de minha mãe é de ruralistase eu estou cansado de ver histórias incríveis pela disputa de terra. Escreva também sobre a temporada da "família real" em terras brasileiras, se é que você me entende: quero descrições dos passeios que fizeram (vc+Dr.Nelson+ filhas e a princesinha australiana). Timtim

 
At 1/2/09 6:38 PM, Blogger Polemikos said...

Nice, você escreve divinamente ... e tem fôlego!!!

 
At 1/2/09 11:18 PM, Blogger marianicebarth said...

Mas, Turini, não fui eu que escrevi, foi o Tolstoi... Eu só transcrevi.

 
At 2/2/09 10:14 AM, Blogger Polemikos said...

Ah! O homem escreve muito bem e você transcreve melhor ainda ...{risos}.

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Levanta a velha questão : a arte está nas coisas-em-si ou nos olhos de quem vê? Vide as obras de Krajcberg! Saber discernir e ver a beleza onde ela se encontra -- tambem faz parte da arte.

Há tambem quem diga que o artista não cria como tal : é igual a uma parteira que auxília a trazer a Beleza/Arte (que já está pronta no Mundo Espiritual) para este mundo.

 
At 2/2/09 11:01 AM, Anonymous Anônimo said...

Fico contente de encontrar mais um admirador do Kracberg (ou eu não entendi bem?). Adniro muito as obras e a personalidade. Que bom que o Turini está de volta, pois o nosso seleto grupo se reduziu muito. Timtim

 
At 2/2/09 5:45 PM, Anonymous Anônimo said...

Não querendo desprestigiar o artista (se não possuísse o dom não poderia ser o intermediário) fico com essa hipótese de que ele serve de instrumento auxiliando a trazer a Beleza/ Arte do mundo espiritual.

Para quem não sabe, Tolstoi Espírito, possui muitos livroa psicografados na literatura espírita.

 
At 2/2/09 7:45 PM, Blogger Polemikos said...

TimTim : admiro e muito o Krajcberg. Ele consegue com alguns velhos troncos mortos, desenhar formas abstratas que de uma maneira toda especial, falam com a gente, sobre as estruturas primordiais, assim como de nossa ligação com as coisas da Natureza. É só se abrir ...

 
At 3/2/09 2:37 PM, Blogger marianicebarth said...

Também admiro muito o escultor e suas obras, sua casa na árvore, sua luta pela natureza e sua forte personalidade. Dele ninguém pode dizer que é um "velhinho"!

 

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