Leite de Cabra
Bitinha
— Essa menina é muito magrinha, não é, Dona Juventina? — diziam todos que visitavam nossa casa. E se não comentavam, mamãe perguntava:
— Ela está muito magrinha, não acha? Não sei mais o que fazer!
Eu não me importava ainda com isso, mas mamãe sim e muito. Fazia de tudo para me engordar, sem resultado. Eu já estava com quatro anos e era bem mirradinha, meu estômago era “de passarinho”, segundo papai.
Até que um dia alguém sugeriu que ela me desse leite de cabra, “que também é bom para os pulmões”... Como naqueles tempos a tuberculose era comum e já tinha feito vítimas na cidade, esse argumento “levantou uma lebre” e assustou mamãe e ouvi claramente quando ela afirmou que ia tratar disso imediatamente.
No domingo seguinte fui com alguém à feira e vi lá uma cabra cinzenta com um lindo cabritinho branco e pequenino ainda sem chifres e de olhos doces. Enquanto a pessoa que estava comigo fazia suas compras, pedi para ficar ali com o animalzinho. E quando o carreguei e senti seu corpinho quente e macio, resolvi levá-lo para casa, pensando que a mãe-cabra dele poderia me fornecer o leite que me engordaria e que protegeria meus tais de pulmões, fosse isso o que fosse.
Disse ao dono dos animais que minha mãe queria comprar uma cabra e lá fomos nós para casa, o bichinho indócil no meu colo. Pelo caminho fui contando ao homem que todo mundo andava dizendo à minha mãe que eu era muito magrinha e que os pulmões... etc. etc...
Mas ao chegarmos, tive uma surpresa.
Não era bem isso que mamãe pretendia, comprar uma cabra. Fiquei sabendo então que ela iria comprar apenas o leite da cabra da Dona Chiquinha, da quitanda dos pinhões, mas o argumento daquela visita de que meus pulmões estaria imunes para sempre à perigosa doença, foi decisivo.
Depois de longa conversação pelo preço pedido:
— Está muito caro...
— Não é caro, é barato, pois a cabritinha é fêmea e a senhora poderá ter leite de cabra por muitos anos, está levando dois por um...
— Mas eu não contava com essa despesa agora...
— A senhora não precisa pagar agora. Posso vir buscar o dinheiro na semana que vem, está bem assim?
— Semana que vem? — mamãe fazia contas, sobrancelhas franzidas, os dedos para cima e para baixo na testa, os olhos passeando da esquerda para a direita. Estava caro... e o dinheirinho tão curto...
Sentada no chão eu olhava expectante de um para o outro, agarrada à cabritinha em meu colo, de que não largara nem por um minuto.
— Essa menina está bem magrinha, dona! É perigoso ela pegar uma tuberculose...
Mamãe arregalou os olhos. Olhou para mim, depois para o dono da cabra, baixou as mãos e decidiu:
— Está bem! Fico com elas! E o dinheiro, na semana que vem. Vou dar um jeito. Pode ser no próximo domingo?
— Pode sim, dona! A senhora fez um bom negócio!
— E o senhor também — pensou mamãe.
Bita e Bitinha foram os nomes óbvios dado à mãe e à filha.
Foi assim que passei a tomar o leite quentinho e espumante de nossa própria cabra todas as manhãs... A cabra-mãe morreu alguns anos depois não sei de quê, mas a Bitinha cresceu, casou-se com o bode da Dona Chiquinha, teve uma filha que se casou a seu tempo com outro bode. E meu café da manhã continuou rico em leite de cabra durante muito tempo.
Eu adorava.
Mas se engordei?... Nem um grama...
5 Comments:
Este texto mostra a vida do interior caipiratiningano nos anos 40.
Timtim, ainda que mal pergunte, porque você está ausente há tanto tempo do blog do Turini?
Está tudo explicado. Quem toma leite de cabra, na infância, tem vida longa e adora uma estrada. Parece-me que é o seu caso, não Dona Nice. O texto mostra, desenha, colore o interior dos anos 40. Gostei de tudo, mas destaco:"...um cabritinho branco e pequenino...e de olhos doces". São assim mesmo os cabritinhos, ainda mais as CABRITINHAS". Timtim
Sempre o Timtim a ter uma palavra doce ao sexo feminino, aqui no caso a cabritinha. Acho que é verdade o que a sua cunhada Zélia falou de você: que é um homem maravilhoso como marido, pai, irmão e cunhado!
Adorei as cabritas e também a preocupação da vovó com você. "Contando o dinheiro"!!!
Bom, como aqui nao tem queijo de minas, a gente come um chevre muito parecidinho no café da manha ...
as falhas de acentuaçao sao por conta do teclado francês ...
polemikos
Alias, se dei a impressao errada, fica assentado que prefiro muito mais nosso minas do que os chevres moles e sem sal daqui!!!!
polemikos
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