domingo, fevereiro 01, 2009

De Quanta Terra Um Homem Precisa?

KUMIS
CAPÍTULO IV

Ao chegar, inscreveu-se numa grande aldeia, ofereceu uma bebida aos funcionários e arrumou a concessão. Para as cinco pessoas de sua família deram cento e cinquenta acres em campos diferentes, sem contar as pastagens. Pakome construiu uma casa e comprou animais. Só de concessão, possuía agora três vezes mais terras do que antes e muito mais férteis. Sua vida estava dez vezes melhor. Podia ter tanto gado quanto quisesse.
A princípio, enquanto se ocupava na construção da casa e das instalações, Pakome estava feliz, mas logo que se acostumou à nova vida voltou a insatisfação.
No primeiro ano, semeou trigo nas terras da concessão e teve boa colheita. Mas queria semear mais e nem todos os campos serviam para o trigo. Naquela região plantava-se o trigo apenas em alguns campos que são cultivados por um ou dois anos, e então era preciso deixar o solo se recuperar. Muitos aldeões queriam ter esses campos, mas não havia bastante para todos e as disputas eram comuns. Os mais ricos os cultivavam e os mais pobres os arrendavam aos comerciantes para cobrir os impostos. Pakome arrendou-os por um ano e a colheita foi boa. O campo ficava uns quinze quilômetros distante da aldeia e Pakome notou que os camponeses dali viviam em granjas e enriqueciam. “Se eu tivesse terras aqui poderia ter uma casa de campo”, pensou. Daí por diante, só pensava em comprar terras naquele lugar.
Viveu assim por três anos. Teve excelentes colheitas e ganhou muito dinheiro. Mas estava cansado de arrendar terras, pois os camponeses disputavam os melhores campos e ele precisava estar sempre atento para não perder as oportunidades. Arrendou um campo em sociedade com um comerciante mas, depois de arado, perdeu-o numa demanda. “Se a terra fosse minha, não perderia meu trabalho nem me rebaixaria diante de ninguém”, pensou Pakome.
Andando à procura de terras para comprar, Pakome encontrou um mujique arruinado disposto a vender mil e trezentos acres a preço muito baixo. Depois de muita negociação concordou em pagar mil e quinhentos rublos, metade à vista e metade a prazo.
Um dia um comerciante parou na casa de Pakome para dar ração aos cavalos. Pakome ofereceu-lhe chá e o comerciante contou que vinha do território bashkir, onde havia comprado treze mil acres por mil rublos. Pakome ficou interessado.
— Basta fazer amizade com os velhos. Gastei uns cem rublos em presentes, roupas, tapetes, chá e aos que bebiam dei bons vinhos. Comprei as terras por sete copeques o acre — disse o comerciante mostrando o contrato de venda.
— A terra fica ao longo de um riacho, é especial para o trigo. Leva-se mais de um ano para percorrer todo o território dos bashkirs. É um povo ingênuo, vendem as terras quase de graça.
“Por que gastar mil e quinhentos rublos em mil e trezentos acres e contrair uma dívida se lá, pelo mesmo dinheiro, posso comprar sabe Deus quantas terras?”, disse Pakome a si mesmo.

CAPÍTULO V

Pakome informou-se sobre o caminho, disposto a conhecer aquelas terras. Deixou a casa aos cuidados da família e partiu acompanhado de um criado. Ao passar pela cidade comprou chá, vinho e outros presentes, como o comerciante aconselhara. Percorreram mais de trezentos quilômetros e no sétimo dia chegaram ao acampamento dos bashkirs.
O lugar era realmente como o comerciante dissera. O povo vivia em tendas na estepe, ao longo de um riacho. Não cultivavam a terra nem comiam pão. O gado pastava na estepe e os potros ficavam reunidos junto às tendas. Duas vezes por dia traziam as éguas para a ordenha e com seu leite preparavam o kumis. As mulheres faziam queijo e os homens passavam o tempo tomando chá e kumis, comendo carneiro e tocando flauta. Eram alegres e saudáveis; passavam todo o verão em festa. Eram muito ignorantes e nem sabiam falar russo, mas acolhiam com prazer os viajantes.
Ao ver Pakome vieram recebê-lo, trazendo um intérprete. Pakome disse que vinha comprar terras e eles ficaram muito contentes. Levaram-no a uma tenda grande, onde o convidaram a se sentar em tapetes e coxins de plumas e trouxeram chá, kumis e carneiro. Pakome tirou da charrete os presentes e os ofereceu a todos. Conversaram alegremente entre si e disseram ao intérprete para traduzir.
— Mandam dizer que apreciam muito os presentes e querem saber como podem retribuir. Temos o costume de dar ao hóspede o que ele pedir. Diga-nos o que deseja e teremos prazer em atender seu pedido.
— No lugar onde vivo não há muitos campos férteis, as terras estão esgotadas, disse Pakome. Aqui, vejo campos bons para o cultivo. Gostaria de comprar terras.
O intérprete traduziu as palavras de Pakome e os homens discutiram animadamente. Pakome não entendia o que diziam, mas via que estavam satisfeitos, gritavam e riam. Por fim, o intérprete disse:
— Mandam comunicar que, em troca dos presentes, darão com prazer toda a terra que desejar.
Os homens voltaram a conversar entre si e Pakome perguntou o que falavam.
— Uns dizem que é preciso consultar o chefe; acham que não podem decidir sem o consentimento dele — disse o intérprete. — Outros pensam que não é preciso, já que seguimos os costumes.

CAPÍTULO VI

Estavam em plena discussão quando surgiu um homem com um gorro de pele de raposa. Todos ficaram de pé, em silêncio.
— É o chefe — disse o intérprete.

7 Comments:

At 2/2/09 1:10 AM, Blogger marianicebarth said...

Antecipando as perguntas do Timtim, fui até a Santa Wikipédia buscar informações sobre as palavras desconhecidas:

Mujique era a denominação dada ao camponês russo, normalmente antes do país adotar o regime socialista (1917). Ela indica um certo grau de pobreza, uma vez que a maioria do mujiques eram servos antes das reformas agrícolas de 1861. Depois desse ano, os servos receberam determinadas áreas para trabalhar a terra e se tornaram camponeses livres. Esses camponeses livres foram então conhecidos (até 1917) como mujiques.

Bashkires - povo turcomano que habita algumas regiões da Rússia

O kumis é um leite de égua acidificado e fermentado. É uma bebida refrescante, pouco alcoólica (1-2,5%), muito apreciada na Ásia Central (zona turco-russa). Sua alcoolização é devida ao alto teor de açúcar no leita equino. É servida fria ou gelada. E até arranjei uma foto dessa bebida.

 
At 2/2/09 10:19 AM, Blogger Polemikos said...

De quanto dinheiro um Homem precisa?

De quanta fama ou poder um Homem preciso?

E a pergunta mais difícil : de quanto amor um Homem precisa receber?

P.S. Dizem alguns que o homem inteligente é aquele que sabe fazer perguntas. Como não tenho as respostas, dentro do paradigma, devo ser um homem inteligente {risos} e ... gozador, ainda por cima!!!

 
At 2/2/09 11:19 AM, Anonymous Anônimo said...

Obrigado, minha amiga, além de nos brindar com uma transcrição tão atraente (e trabalhosa também), ainda se preocupa em esclarecer termos novos. Vaidosamente devo dizer que MUJIQUE eu conhecia. (No seminário, nos longos horários de estudo obrigatório, eu ficava lendo dicionário). KUMI, eu presumi que seria queijo de leite de égua, mas, enquanto estava lendo me prometi recorrer ao Google. Não foi preciso, a amiga já pesquisou pra gente. É de uma amiga assim que eu precisava. Timtim

 
At 2/2/09 5:59 PM, Anonymous Anônimo said...

Que interessante! A prima além realmente de nos passar esta história de Tolstoi ainda se preocupa em encontrar os termos!

Turini, essas perguntas que colocou o que na verdade significam, em meio a esta história? Creio poder tentar respondê-las sem nem mesmo precisar consultar a minha alma!

 
At 2/2/09 7:38 PM, Blogger Polemikos said...

Prima_Caçula : é por causa do título. E porque, da forma como o enredo está evoluindo, já dá para antever (defeito de jogador de xadrez!!) alguns eventuais ou possíveis desenlaces ...
------------------------
Não é possível responder estas perguntas sem que a sua alma, mesmo inconscientemente, participe!!

 
At 3/2/09 11:31 AM, Blogger marianicebarth said...

Turini, que você é inteligente, ninguém discute. Que é gozador... nem sempre. Acho que n maioria das vezes você é muito sério.
De quanto amor um homem precisa receber?
De todo o amor que couber em seu coração. O tamanho da carência, da necessidade.
Minha pergunta:
De quanto amor o homem é capaz de DAR?
Acho que o problema está exatamente aqui: só pode receber amor quem não se preocupa com isso, mas ama cada pessoa a cada momento, tentando ajudá-las quando sente que precisam, nem que seja apenas com uma palavra amiga.
São Francisco dizia que é dando que se recebe...

De quanto dinheiro um homem precisa?
Do suficiente, do necessário para comer, vestir, ter seu lazer, pagar suas contas e um pouquinho mais para dormir sossegado em segurança, para poder dispor de algum para ajudar alguém...

De quanta fama e poder o homem precisa?
De nenhum dos dois se puder impedir e fugir desses dois corruptores.

 
At 4/2/09 2:08 PM, Anonymous Anônimo said...

Gente! Onde vcs foram parar? Quanta filosofia, quanta espiritualidade, quanta retórica! Ainda bem que não é "vã filosofia", a espiritualidade é própria das grandes almas e a retórica é necessária para alimentar laços de relacionamento. Viva a Nice, que consegue nos congregar com sua transcrição e com suas provocações (no bom sentido). Timtim

 

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