terça-feira, fevereiro 03, 2009

De Quanta Terra Um Homem Precisa? - Final

Léon Tolstói
CAPÍTULO VIII

Alguns a cavalo, outros em charrete, partiram. Pakome e seu criado seguiram na charrete, levando a enxada. Chegaram à estepe quando a aurora avermelhava o céu. Subiram uma colina, apearam dos cavalos e das charretes e se reuniram no alto.
O chefe aproximou-se de Pakome e mostrou o campo, dizendo:
— Até onde a vista alcança, a terra é nossa. Escolha a parte que quiser.
Os olhos de Pakome brilharam. O solo virgem era perfeito para o cultivo do trigo, a terra era preta e toda plana, coberta de vários tipos de capim alto.
O chefe tirou o gorro e colocou no chão, dizendo:
— Aqui é o ponto de partida. Quando voltar aqui, toda a terra que tiver percorrido será sua.
Pakome pôs o dinheiro sobre o gorro do chefe e tirou o casaco, ficando só com a camisa e a túnica. Ajustou o cinto, pendurou nele uma bolsa com pão e água, ajeitou as botas e pegou a enxada, pronto para começar a caminhada. Por um momento ficou pensando na direção a tomar, mas como toda a terra era boa, decidiu ir para o nascente. Voltando o rosto para o oriente, esperou o sol despontar. “Não devo perder um minuto e, além disso, é mais fácil caminhar enquanto está mais fresco”, pensou. Mal surgiram os primeiros raios de sol Pakome iniciou a jornada, levando a enxada ao ombro.
Começou a andar em passo constante, nem lento nem rápido. Percorrido um quilômetro, parou, cavou um buraco e pôs um monte de capim bem visível ao lado e continuou a andar. Animado, apressou o passo e, percorrido um bom trecho, cavou outro buraco. Virou-se e viu a colina bem delineada à luz do sol, as pessoas no topo e o brilho das rodas das charretes. Calculou ter andado já uns cinco quilômetros. Sentiu calor. Tirou a túnica, atirou-a sobre o ombro e prosseguiu. Andou outros cinco quilômetros. O calor aumentava. Pakome olhou o sol e viu que era hora do almoço.
“Já fiz um quarto da jornada, mas ainda é cedo para começar a voltar. Vou tirar as botas”, pensou.
Sentou-se para tirar as botas, pendurou-as na cintura e continuou a andar. Era mais fácil andar descalço. “Andou outros cinco quilômetros e virou para a esquerda. Esse lugar é excelente, seria pena perdê-lo. Quanto mais ando, melhor é a terra.” Continuou a andar em linha reta e, ao olhar para trás, mal dava para ver a colina. Os homens pareciam formigas e o brilho das rodas sumia na distância.
“Ah, já andei muito nessa direção, é hora de voltar. Além disso, estou suado e tenho sede.” Parou, cavou um buraco maior e pôs o monte de capim. Desatou a garrafa, bebeu um gole de água e virou para a esquerda. Continuou a andar; o capim era muito alto e fazia mais calor.
Pakome começou a sentir cansaço. Olhou o sol e viu que era meio-dia. “Preciso descansar”, pensou. Sentou-se, comeu um pedaço do pão e bebeu água, mas não se atreveu a recostar, com medo de adormecer. Recomeçou a caminhada. A comida havia refeito suas forças, mas o calor aumentava cada vez mais. Apesar de sentir cansaço e sono, continuou andando, dizendo a si mesmo que eram poucas horas de sofrimento em troca de muitos anos de boa vida.
Andou muito tempo naquela direção e já ia virar novamente para a esquerda quando avistou um vale. “Aqui o linho deve crescer bem; seria pena perdê-lo”, pensou. Rodeou o vale, cavou um buraco para marcar do outro lado e só então mudou de direção. Olhou para a colina. O calor tornava o ar trêmulo e mal podia distinguir os homens no topo.
“Ah, marquei dois lados muito compridos; preciso fazer o terceiro mais curto”, pensou, acelerando o passo. O sol estava a meio caminho do horizonte e ele só havia percorrido dois quilômetros. Faltavam dez para chegar ao lugar de onde saíra. “Meu terreno vai ficar irregular, mas agora preciso seguir em linha reta. Mesmo assim, já tenho bastante terras,” Apressou-se a cavar um buraco e seguiu em direção à colina.

CAPÍTULO IX
Estava exausto. Andava com dificuldade, os pés descalços doíam e as pernas fraquejavam. Precisava descansar mas, se parasse, não chegaria à colina antes do pôr-do-sol. O sol não esperava. Descia pouco a pouco, a caminho do horizonte. “Meu Deus, será que fui longe demais? E se eu não chegar a tempo?” Olhou para a colina e para o sol. Ainda tinha muito que andar e o sol já estava baixo.
Pakome continuou a andar. Apesar da exaustão, caminhava cada vez mais rápido. Ao ver que ainda estava muito longe, começou a correr. Jogou fora a túnica, as botas, a garrafa de água e o gorro. Levava apenas a enxada, que usava como cajado. “Que farei? Fui ambicioso demais! Não chegarei a tempo e vou perder tudo!” O medo lhe tirava o fôlego. Pakome continuou a correr. As roupas suadas grudavam na pele, a boca estava seca. Arquejava como um fole, o coração martelava, já não sentia as pernas. Teve medo de morrer de cansaço. Apesar do medo de cair morto, não conseguia parar de correr. “Se paro agora, depois de tudo que andei, vão me chamar de idiota”, pensava. Continuou a correr e, quanto mais perto chegava, mais alto ouvia os gritos e assovios dos homens na colina. Estimulado pelos gritos, reuniu as últimas forças e continuou.
O sol se tornara grande, vermelho, e já alcançava o horizonte. Pakome estava bem perto agora. Via os homens acenando, animando-o a chegar. Já via o gorro de pele de raposa no chão, o dinheiro e o chefe, sentado ao lado, segurando a barriga com as duas mãos. Nesse momento lembrou-se do sonho e pensou: “Tenho muitas terras, mas será que Deus vai me permitir viver nelas? Acho que tudo está perdido, não vou conseguir chegar!”
Pakome viu o sol, na linha do horizonte, começando a desaparecer. Juntando todas as forças que restavam, correu tão depressa que o corpo se curvava para a frente e as pernas mal conseguiam acompanhar. Estava a ponto de cair. Quando alcançou o pé da colina, o sol sumiu e Pakome pensou, aterrorizado: “Tudo o que fiz foi em vão!” Ia parar de correr mas viu que os homens ainda acenavam, animando-o com assovios e gritos. Então compreendeu que, embora estivesse escuro aqui em baixo, em cima da colina ainda se via o sol. Redobrou o esforço e subiu. A primeira coisa que viu foi o gorro com o dinheiro. Ainda era dia lá no alto e ao lado do gorro estava o chefe sentado, segurando a barriga com as duas mãos, dobrando-se de rir. Lembrando-se do sonho, Pakome sentiu tamanho horror que as pernas fraquejaram e ele caiu de bruços, alcançando o gorro com os braços estendidos.
— Que homem competente! — disse o chefe. — Quantas terras conseguiu!


O criado veio ajudá-lo a se levantar e viu o sangue escorrendo-lhe da boca. Pakome estava morto.
Os homens mostravam pesar pela morte de Pakome. O criado pegou a enxada, cavou um buraco e enterrou o patrão. Dois metros, da cabeça aos pés, era a terra de que Pakome precisava.

12 Comments:

At 4/2/09 10:49 PM, Anonymous Anônimo said...

Será mesmo que o Turini previa este final?! Fantástico! Quanta verdade!
Todos nós somos Pakomes. Ou não? Agora estou curioso para ler os comentários de meus colegas comentaristas. Timtim

 
At 5/2/09 1:30 PM, Blogger Polemikos said...

TimTim. Realmente inesperado ... esperava alguma intervenção direta do demo, tão a gosto dos contistas do oriente europeu, vide p.ex. Isaac Singer.

Mas pensando bem, nem dos dois metros de terra precisamos ... nossos corpos vão desaparecer, com ou sem terra!!

 
At 5/2/09 8:37 PM, Anonymous Anônimo said...

Quando vc, Turini, disse que nem de 2 mts precisamos, pensei que ia enveredar para a cremação. Acho que temos que evoluir para este método prático. Aproveito para avisar que o Zeca está com novo blog: www.proseandocomdeus.blogspot.com.

 
At 6/2/09 4:38 PM, Blogger marianicebarth said...

Timtim e Turini, a cremação pode ser uma grande solução, inclusive por economia de espaço. Nem de 2 metros precisa um homem, mas apenas de um palmo para enterrar a urna.
Outra coisa: já fui até o blog do Zeca, mas caía num tal de blogger, status, sei lá.
Então tive a ideia (sem acento) de excluir o www, deixando apenas o http://proseandocomdeus.blogspot.com/ e aí deu certo.

 
At 6/2/09 5:45 PM, Blogger Polemikos said...

Fui visitar. Já li este livro. Achei muito interessante. Muita coisa me pareceu "alegórica", não propriamente literal .... mas muito interssante assim mesmo.

Uma coisa me esclareceu : as coisas "divinas" não podem ser julgadas pelos padrões ou paradigmas humanos. Por exemplo, quando alguem do Amor de Deus, pode ser que Deus não tenha este tipo de Amor que nós pensamos.

Por favor, não pensem que estou afirmando que Deus não tenha Amor, apenas que é provavel que não seja igual ao nosso.
.

 
At 6/2/09 5:47 PM, Blogger Polemikos said...

Nice, entrou algo no seu comentário que o meu Norton diz que não é "seguro".

Prefiro não clicar em cima.

 
At 6/2/09 10:54 PM, Anonymous Anônimo said...

O próprio personagem da história declarou sua ambição desmedida, mais ou menos como aquele homem do Evangelho que resolveu aumentar seus celeiros para guardar tudo o que possuía, dizendo à sua alma:" Tu tens muitos bens em depósito para largos anos; descansa, come, bebe, regala-te". Mas Deus disse a ele:" Néscio, esta noite te virão demandar a tua alma, e as coisas que tu ajuntaste, para quem serão"?

Quando entrou a parte do sonho imaginei que não seria por um acaso, acreditando fosse ele uma premonição, algo bastante comum de acontecer com qualquer pessoa.
Dessa forma, o final não me surpreendeu.

 
At 8/2/09 2:06 AM, Blogger marianicebarth said...

Turini, o que entrou junto com meu comentário será que não foi essa foto que resolvi colocar nem me lembro como?

Priminha, o sonho foi como um aviso premonitório, que ele acabou ignorando e deu no que deu.

 
At 8/2/09 1:13 PM, Blogger marianicebarth said...

Turini, para seu confôrto (tem acento ou não?) tenho agora DOIS antivirus, o Norton e o Spyware Doctor que, aliás estou achando bem melhor do que o Norton, pois detecta e bloqueia infecções imediatamente, tocando um aviso em alto e bom som. Você acha que há algum problema, mesmo assim?

 
At 8/2/09 1:18 PM, Blogger marianicebarth said...

Ainda o perigo: cada vez que abro meu computador, ponho os antivirus para examinar e cada vez que vou desligar, também.
Tenho muito cuidado, desde a última vez que meu computador foi alvo.

 
At 8/2/09 10:17 PM, Anonymous Anônimo said...

Adorei a foto. Concordo com a prudência do Turini, quanto aos virus. Preciso aprender a me valer dos antivirus. Sei que tenho tbm o Norton, mas não sei desta história de aplicá-lo quando abre e quando fecha. Aceito orientação.

 
At 9/2/09 2:50 AM, Blogger marianicebarth said...

Timtim, eu comprei o Norton naquela ocasião e logo em seguida comprei também o Spyware Doctor, que é muito mais barato e que (eu acho) que "guarda" melhor, porque quando você abre o computador, ele imediatamente ativa o Intelli-Guard e vai varrendo o computador inteiro à procura de virus e é ele que dá o sinal, uma espécie de buzina. E durante o tempo em que estou abrindo os e-mails, ele ativa o Intelli-Scan e dá sinal se houver virus. Às vezes, o Norton continua dormindo...

 

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