De Quanta Terra Um Homem Precisa?
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CAPÍTULO VI
Estavam em plena discussão quando surgiu um homem com um gorro de pele de raposa. Todos ficaram de pé, em silêncio.
— É o chefe — disse o intérprete.
Pakome mandou buscar o melhor traje e uma caixa de chá na charrete para oferecer ao chefe. O homem aceitou os presentes e os colocou a seu lado. Os bashkirs conversaram com ele longo tempo. Depois de ouvi-los, o chefe fez um gesto para que se calassem e dirigiu-se a Pakome em russo:
— Pode escolher a terra que mais lhe agrade; temos muita.
“Como fazer?”, pensou Pakome. “Se não fizermos um contrato, poderão dizer depois que a terra não é minha e tomá-la de volta.”
— Agradeço suas palavras, mas as terras são muito extensas e só preciso de uma parte. Vejo que seu povo é bom e me concede essas terras, mas nossas vidas não dependem de nós, dependem de Deus e talvez um dia seus filhos as peçam de volta. Assim, talvez seja melhor fazer um contrato definindo qual é a minha parte.
— Tem razão — disse o chefe.
— Ouvi dizer que um comerciante comprou terras de seu povo e recebeu um escritura. Gostaria de fazer a mesma coisa — disse Pakome.
O chefe compreendeu o que ele desejava.
— Podemos fazer isso. Temos um escrevente na cidade que prepara a escritura e põe os selos necessários.
— Qual é o preço? — perguntou Pakome.
— Nosso preço é um só: mil rublos por dia.
Pakome não entendeu.
— Que medida é essa? Quantos acres tem um dia?
— Não sabemos calcular — disse o chefe. — Vendemos a terra por dia. Toda a terra que puder percorrer a pé em um dia será sua pelo preço de mil rublos.
— Pode-se percorrer muita terra em um dia — disse Pakome, surpreso.
— Pois será toda sua — o chefe respondeu rindo. — Mas há uma condição: se não voltar no mesmo dia ao ponto de partida, perderá o dinheiro.
— Como vou marcar o lugar?
— Ficaremos no ponto de partida até você voltar. Pode levar uma enxada e cavar buracos pelo caminho, colocando um monte de capim ao lado de cada buraco. Depois faremos um sulco com o arado, ligando os montes de capim. Toda a extensão marcada será sua, desde que retorne ao lugar de onde saiu antes que o sol se ponha.
Pakome estava encantado. Resolveram marcar a terra no dia seguinte. Conversaram mais um pouco, bebendo kumis, comendo carneiro e tomando chá até o anoitecer. Acomodaram Pakome em coxins de plumas e se dispersaram, combinando se reunir de madrugada, para chegar ao lugar antes do nascer do sol.
CAPÍTULO VII
Pakome deitou-se, mas não conseguiu dormir, pensando nas terras. “Vou percorrer uns cinquenta quilômetros, pois nessa estação o dia é tão longo quanto a noite. É muita terra! Posso arrendar a pior parte aos camponeses e cultivar os melhores campos. Compro duas juntas de bois e contrato dois empregados. Semeio uns duzentos e cinquenta acres e deixo o resto para pasto.”
Passou a noite em claro mas, pouco antes da madrugada, adormeceu e teve um sonho. Sonhou que estava deitado na tenda dos bashkirs e ouvia alguém rir do lado de fora. Foi ver quem era e encontrou o chefe segurando a barriga com as duas mãos, dobrando-se de rir. Pakome aproximou-se e perguntou:
— De que está rindo tanto?
Viu então que o chefe era o negociante que tinha ido à sua casa contar sobre as terras. Mas quando lhe perguntou: “Chegou aqui há muito tempo?” viu que não era aquele, mas o primeiro viajante que viera além do Volga, e logo também já não era o viajante, mas o próprio diabo, com chifres e patas de bode. Estava parado, às gargalhadas, ao lado de um homem morto que vestia apenas uma camisa e não tinha sapatos. Olhou para o morto e viu que era ele mesmo. Despertou horrorizado. “A gente sonha cada coisa!”, disse consigo. Viu pela porta aberta que começava a clarear. “Preciso acordar os outros, pois já é hora de partir”, pensou. Levantou-se, chamou o criado que dormia na charrete, mandou que atrelasse os animais e foi acordar os bashkirs.
— É hora de ir à estepe marcar as terras — disse a eles.
Os homens se reuniram para esperar o chefe. Beberam kumis e ofereceram chá, mas Pakome mal podia esperar.
— Se temos que ir, vamos logo, pois já é dia — disse ele.
6 Comments:
Como adoro sonhos e gosto de levar alguns a sério, fiquei bastante curiosa com este sétimo capítulo.
NÃO PODE MAIS RECLAMAR DE MIM, PRIMINHA! ESTOU EM DIA!!!
Oba! Que bom! Estamos ficando quase completos! Esperando pelos comentários do Timtim e do Turini para colocar o final.
Pois eu estou aguardando ...
Também estou a postos. Pode continuar porque parece até que me sinto reunido com a querida amiga Cecília e com o incógnito Turini, sentados bem quietinhos, aguardando a contadora de história continuar. Pena que o nosso grupinho é tão reduzido, mas é por isto mesmo que se chama SELETO GRUPO. Timtim
O sonho descrito por Tolstoi é uma preciosidade! Meus sonhos são bem assim: personagens que vão se transformando. O que será isso, prima caçula? Timtim
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