segunda-feira, fevereiro 02, 2009

De Quanta Terra Um Homem Precisa?

Quadro de Klodt, Mikhail Konstantinovich

CAPÍTULO VI

Estavam em plena discussão quando surgiu um homem com um gorro de pele de raposa. Todos ficaram de pé, em silêncio.
— É o chefe — disse o intérprete.
Pakome mandou buscar o melhor traje e uma caixa de chá na charrete para oferecer ao chefe. O homem aceitou os presentes e os colocou a seu lado. Os bashkirs conversaram com ele longo tempo. Depois de ouvi-los, o chefe fez um gesto para que se calassem e dirigiu-se a Pakome em russo:
— Pode escolher a terra que mais lhe agrade; temos muita.
“Como fazer?”, pensou Pakome. “Se não fizermos um contrato, poderão dizer depois que a terra não é minha e tomá-la de volta.”

— Agradeço suas palavras, mas as terras são muito extensas e só preciso de uma parte. Vejo que seu povo é bom e me concede essas terras, mas nossas vidas não dependem de nós, dependem de Deus e talvez um dia seus filhos as peçam de volta. Assim, talvez seja melhor fazer um contrato definindo qual é a minha parte.
— Tem razão — disse o chefe.
— Ouvi dizer que um comerciante comprou terras de seu povo e recebeu um escritura. Gostaria de fazer a mesma coisa — disse Pakome.
O chefe compreendeu o que ele desejava.
— Podemos fazer isso. Temos um escrevente na cidade que prepara a escritura e põe os selos necessários.
— Qual é o preço? — perguntou Pakome.
— Nosso preço é um só: mil rublos por dia.
Pakome não entendeu.
— Que medida é essa? Quantos acres tem um dia?
— Não sabemos calcular — disse o chefe. — Vendemos a terra por dia. Toda a terra que puder percorrer a pé em um dia será sua pelo preço de mil rublos.
— Pode-se percorrer muita terra em um dia — disse Pakome, surpreso.
— Pois será toda sua — o chefe respondeu rindo. — Mas há uma condição: se não voltar no mesmo dia ao ponto de partida, perderá o dinheiro.
— Como vou marcar o lugar?
— Ficaremos no ponto de partida até você voltar. Pode levar uma enxada e cavar buracos pelo caminho, colocando um monte de capim ao lado de cada buraco. Depois faremos um sulco com o arado, ligando os montes de capim. Toda a extensão marcada será sua, desde que retorne ao lugar de onde saiu antes que o sol se ponha.
Pakome estava encantado. Resolveram marcar a terra no dia seguinte. Conversaram mais um pouco, bebendo kumis, comendo carneiro e tomando chá até o anoitecer. Acomodaram Pakome em coxins de plumas e se dispersaram, combinando se reunir de madrugada, para chegar ao lugar antes do nascer do sol.

CAPÍTULO VII

Pakome deitou-se, mas não conseguiu dormir, pensando nas terras. “Vou percorrer uns cinquenta quilômetros, pois nessa estação o dia é tão longo quanto a noite. É muita terra! Posso arrendar a pior parte aos camponeses e cultivar os melhores campos. Compro duas juntas de bois e contrato dois empregados. Semeio uns duzentos e cinquenta acres e deixo o resto para pasto.”
Passou a noite em claro mas, pouco antes da madrugada, adormeceu e teve um sonho. Sonhou que estava deitado na tenda dos bashkirs e ouvia alguém rir do lado de fora. Foi ver quem era e encontrou o chefe segurando a barriga com as duas mãos, dobrando-se de rir. Pakome aproximou-se e perguntou:
— De que está rindo tanto?
Viu então que o chefe era o negociante que tinha ido à sua casa contar sobre as terras. Mas quando lhe perguntou: “Chegou aqui há muito tempo?” viu que não era aquele, mas o primeiro viajante que viera além do Volga, e logo também já não era o viajante, mas o próprio diabo, com chifres e patas de bode. Estava parado, às gargalhadas, ao lado de um homem morto que vestia apenas uma camisa e não tinha sapatos. Olhou para o morto e viu que era ele mesmo. Despertou horrorizado. “A gente sonha cada coisa!”, disse consigo. Viu pela porta aberta que começava a clarear. “Preciso acordar os outros, pois já é hora de partir”, pensou. Levantou-se, chamou o criado que dormia na charrete, mandou que atrelasse os animais e foi acordar os bashkirs.

— É hora de ir à estepe marcar as terras — disse a eles.
Os homens se reuniram para esperar o chefe. Beberam kumis e ofereceram chá, mas Pakome mal podia esperar.
— Se temos que ir, vamos logo, pois já é dia — disse ele.


6 Comments:

At 2/2/09 6:04 PM, Anonymous Anônimo said...

Como adoro sonhos e gosto de levar alguns a sério, fiquei bastante curiosa com este sétimo capítulo.

 
At 2/2/09 6:05 PM, Anonymous Anônimo said...

NÃO PODE MAIS RECLAMAR DE MIM, PRIMINHA! ESTOU EM DIA!!!

 
At 3/2/09 11:13 AM, Blogger marianicebarth said...

Oba! Que bom! Estamos ficando quase completos! Esperando pelos comentários do Timtim e do Turini para colocar o final.

 
At 4/2/09 10:59 AM, Blogger Polemikos said...

Pois eu estou aguardando ...

 
At 4/2/09 2:17 PM, Anonymous Anônimo said...

Também estou a postos. Pode continuar porque parece até que me sinto reunido com a querida amiga Cecília e com o incógnito Turini, sentados bem quietinhos, aguardando a contadora de história continuar. Pena que o nosso grupinho é tão reduzido, mas é por isto mesmo que se chama SELETO GRUPO. Timtim

 
At 4/2/09 2:23 PM, Anonymous Anônimo said...

O sonho descrito por Tolstoi é uma preciosidade! Meus sonhos são bem assim: personagens que vão se transformando. O que será isso, prima caçula? Timtim

 

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