sábado, outubro 01, 2011

A Vida de uma viúva

EQUILÍBRIO – Folha de SP de 20/09/2011

(transcrevendo na letra e na vírgula)

de Michael Kepp (mkepp@terra.com.br)

 A Vida de uma viúva

No desespero, fazemos suposições sobre o empobrecimento da nossa vida sem o nosso parceiro

COMO MINHA mulher e eu já passamos dos 60, tenho pensado que eu preferiria morrer antes dela, para evitar a dor de perdê-la.
Mas, quanto mais analiso esse pensamento mórbido, mais egocêntrico ele parece.

Afinal, minha preocupação é com poupar a mim mesmo da dor. Fosse eu menos egocêntrico ou mais masoquista, preferiria que minha mulher morresse antes.

Assim eu sofreria com a perda dela, poupando-a da dor de me perder.

Mas nenhuma das hipóteses me consola.

Como nos prepararmos para uma perda incalculável? Como saber o tamanho do vazio que ficará em nós ou em nossos amados?

Como medir a tristeza?

Nos casais idosos, a morte de um deles pode esvaziar o mundo do outro de tal maneira que o outro morre pouco depois.

A passagem do tempo pode, porém, nos presentear com pessoas ou projetos que preencham esse vazio.

Mas, no desespero, fazemos suposições sobre o empobrecimento da nossa vida sem o(a) nosso(a) parceiro(a).

Veja o caso da escritora Joyce Carol Oates. Num ensaio de 2010, ela descreveu uma acidente de carro em 2008 do qual ela e seu marido, Ray, casados havia 45 anos, saíram levemente machucados, mas que poderia ter sido fatal.

“Me dei conta de que se Ray tivesse morrido eu teria ficado totalmente só — que seria muito melhor para mim morrer com ele que sobreviver sozinha”, ela escreveu.

          Um ano depois, Ray contraiu pneumonia e morreu de uma infecção secundária.

          Em sua autobiografia, “A Widow’s Story, lançada neste anos, Oates escreveu: “Ray foi o primeiro homem em minha vida, o último homem, o único homem”  e contemplou o suicídio. Porém, 13 meses depois da morte de Ray, ela, então com 70 anos, se apaixonou e se casou de novo.

           Talvez essa escritora menos que honesta tenha omitido em seu livro esse detalhe crucial porque seu segundo e romântico casamento desmentiu todas as suposições que fizera de sua vida depois de Ray.
           
           Oates fez essas suposições porque a vida de um(a) viúvo(a) recente é indefinida, uma incógnita sem regras sobre como continuar. Assim, ela fez da morte de seu marido “o” momento definidor de sua vida, em vez de “um”.

            O que mais nos define não são as nossas perdas, mas como reagimos a elas, como transformamos finais em começos. A vida é uma caixa de Pandora, mas é também uma dádiva.


MICHAEL KEPP, jornalista americano radicado há 28 anos no Brasil, é autor do livro “Tropeços nos Trópicos – crônicas de um gringo brasileiro (Record).

5 Comments:

At 1/10/11 1:26 PM, Blogger marianicebarth said...

Gostei, achei o artigo um tanto surpreendente.
E vocês, meus amigos queridos, que acham?
Já que estamos todos já a caminho da mesma trilha que desemboca no Rio Aqueronte, onde o barqueiro Caronte nos transportará ao Hades...

 
At 7/10/11 3:51 PM, Anonymous primacaçula said...

NÃO SABIA QUE TINHA MATÉRIA NOVA!!!

DEIXA LER!!!

 
At 7/10/11 3:57 PM, Anonymous primacaçula said...

Gostei do artigo.
Não sei se concordaria com ela, pois nunca realmente saberemos qual será a nossa reação. A única coisa que sei é que não podemos viver a vida como se o outro fosse nós mesmos... apego que nos leva a toda sorte de depressões e desquilíbrios, quando uma separação assim se dá.

 
At 8/10/11 3:02 AM, Blogger marianicebarth said...

Oi, prima! Gostei porque acontece mesmo com todos, esse tipo de receio. Minhas amigas e eu temos conversado sobre isso, nós que estamos no mesmo "barco etário"...
Uma de minhas melhores amigas perdeu o marido no ano passado e ficou tão deprimida que praticamente "murchou". Felizmente está se recuperando lentamente. Mas não parece mais a mesma!

 
At 15/12/11 8:12 PM, Anonymous timtim said...

Minha viuvez tem alguma coisaa ver com a publicação desta página? Com certeza é um assunto que me diz respeito, mas com allguns pormenores:
eu sempre avisei a Antonina que eu não ficaria viuvo por muito tempo, mas não pensava que encontraria meu "novo amor" tão depressa. Depois que comecei a anunciar meu namoro, ouvi várias pessoas afirmando que é assim mesmo: os homens não ficam sós... "não se pode deixar esfriar a cama";
"viuvo(a) é quem morre"...

 

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