A Vida de uma viúva
EQUILÍBRIO – Folha de SP de 20/09/2011
(transcrevendo na
letra e na vírgula)
No desespero, fazemos suposições
sobre o empobrecimento da nossa vida sem o nosso parceiro
COMO MINHA mulher e eu já passamos dos 60, tenho pensado que eu preferiria morrer antes dela, para evitar a dor de perdê-la.
Mas, quanto mais analiso esse pensamento mórbido, mais egocêntrico ele parece.
Afinal,
minha preocupação é com poupar a mim mesmo da dor. Fosse eu menos egocêntrico
ou mais masoquista, preferiria que minha mulher morresse antes.
Assim
eu sofreria com a perda dela, poupando-a da dor de me perder.
Mas
nenhuma das hipóteses me consola.
Como
nos prepararmos para uma perda incalculável? Como saber o tamanho do vazio que
ficará em nós ou em nossos amados?
Como
medir a tristeza?
Nos
casais idosos, a morte de um deles pode esvaziar o mundo do outro de tal
maneira que o outro morre pouco depois.
A
passagem do tempo pode, porém, nos presentear com pessoas ou projetos que
preencham esse vazio.
Mas,
no desespero, fazemos suposições sobre o empobrecimento da nossa vida sem o(a)
nosso(a) parceiro(a).
Veja
o caso da escritora Joyce Carol Oates. Num ensaio de 2010, ela descreveu uma
acidente de carro em 2008 do qual ela e seu marido, Ray, casados havia 45 anos,
saíram levemente machucados, mas que poderia ter sido fatal.
“Me dei conta de
que se Ray tivesse morrido eu teria ficado totalmente só — que seria muito
melhor para mim morrer com ele que sobreviver sozinha”, ela escreveu.
Um
ano depois, Ray contraiu pneumonia e morreu de uma infecção secundária.
Em sua autobiografia, “A Widow’s
Story, lançada neste anos, Oates escreveu: “Ray
foi o primeiro homem em minha vida, o último homem, o único homem” e contemplou o suicídio. Porém, 13 meses depois da morte de
Ray, ela, então com 70 anos, se apaixonou e se casou de novo.
Talvez essa escritora menos que
honesta tenha omitido em seu livro esse detalhe crucial porque seu segundo e
romântico casamento desmentiu todas as suposições que fizera de sua vida depois de Ray.
Oates fez essas suposições porque a vida de um(a)
viúvo(a) recente é indefinida, uma incógnita sem regras sobre como continuar.
Assim, ela fez da morte de seu marido “o” momento definidor de sua vida, em vez
de “um”.
O que mais nos define não são as
nossas perdas, mas como reagimos a elas, como transformamos finais em começos.
A vida é uma caixa de Pandora, mas é também uma dádiva.
MICHAEL KEPP, jornalista
americano radicado há 28 anos no Brasil, é autor do livro “Tropeços nos
Trópicos – crônicas de um gringo brasileiro (Record).
5 Comments:
Gostei, achei o artigo um tanto surpreendente.
E vocês, meus amigos queridos, que acham?
Já que estamos todos já a caminho da mesma trilha que desemboca no Rio Aqueronte, onde o barqueiro Caronte nos transportará ao Hades...
NÃO SABIA QUE TINHA MATÉRIA NOVA!!!
DEIXA LER!!!
Gostei do artigo.
Não sei se concordaria com ela, pois nunca realmente saberemos qual será a nossa reação. A única coisa que sei é que não podemos viver a vida como se o outro fosse nós mesmos... apego que nos leva a toda sorte de depressões e desquilíbrios, quando uma separação assim se dá.
Oi, prima! Gostei porque acontece mesmo com todos, esse tipo de receio. Minhas amigas e eu temos conversado sobre isso, nós que estamos no mesmo "barco etário"...
Uma de minhas melhores amigas perdeu o marido no ano passado e ficou tão deprimida que praticamente "murchou". Felizmente está se recuperando lentamente. Mas não parece mais a mesma!
Minha viuvez tem alguma coisaa ver com a publicação desta página? Com certeza é um assunto que me diz respeito, mas com allguns pormenores:
eu sempre avisei a Antonina que eu não ficaria viuvo por muito tempo, mas não pensava que encontraria meu "novo amor" tão depressa. Depois que comecei a anunciar meu namoro, ouvi várias pessoas afirmando que é assim mesmo: os homens não ficam sós... "não se pode deixar esfriar a cama";
"viuvo(a) é quem morre"...
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