domingo, maio 20, 2007

Capítulo 3 - A Revanche




Ano após ano tive a sorte de não jogar contra ela, mas em 1990 eu já tinha algum conhecimento e a 51 feminina de xadrez havia se tornado uma das melhores, tendo recebido as medalhas de Bronze e de Prata. Estávamos bem no ranking e faltava o jogo final.

E aqui entra o Zeca com a lei da Atração: sonhei uma semana antes que tinha sido sorteada para jogar contra Elisa, eu de pretas! Fiquei num nervoso só!
Havia gravado em minha mente todo aquele terror do início, toda a vergonha, toda a inevitabilidade da derrota, um enorme tambor ecoava em meus ouvidos e aquilo tudo crescia como nuvem negra sobre minha cabeça. Consultei uns amigos que jogavam conosco na sala de xadrez e pedi a eles que jogassem comigo, por favor! O fim de semana foi curto para tanto estudo que eu precisava, até que chegou a Grande Quinta-feira do jogo final.
Eu ainda não conhecia O Segredo, viu, Zecão? e sofri como uma condenada até o sorteio. É claro que não deu outra: - Elisa de brancas contra Nice! gritou o coordenador lá da frente.
De repente eu estava tomada de uma fúria de Rambo. Mas aparentemente fria e calma. Havia uma sensação de perigo, de jaula aberta... Quem era o leão? Ela ou eu? Coração batendo em antecipação, escolhi uma mesa em que as peças eram mais bonitas. Esperei por ela, pensando que desta vez, era eu que tomava a iniciativa.
─ Oi, Elisa ─ cumprimentei enquanto ela se sentava.
─ Ah, como detesto jogar xadrez!
Não acreditando no que ouvia, perguntei, um pouco irônica:
─ E por que?
Divertida, adorei ouví-la dizer:
─ Porque trabalho com a cabeça.
─ Eu não acredito! ─ pensei ─ ela não se lembra ?!?
Esperou um longo momento e quando a pergunta seguinte não veio, continuou, muito séria:
─ Sou física nuclear.
─ Incrível!... ─ disse eu.
─ Faço parte do Departamento de Física Nuclear da USP .
─ ...
Não consegui dizer nada. Eu estava pasma. Mais tarde não pude deixar de pensar que essa introdução era para intimidar a adversária. Depois fiquei sabendo que ela dizia isso para as outras....
O jogo começou. Relógios matraqueando, quebrando o silêncio. Eu sorria, pois o jogo dela estava parado no tempo. E o meu desabrochara. Ela percebeu claramente e começou a ficar meio nervosa. Num certo lance calculou mal e segurou o Bispo, levantando-o num gesto rápido. Recolocou-o mais rapidamente ainda quando viu que se o tirasse dali, perderia sua Dama. E pegou outra peça, pensando por certo que eu não teria percebido. Mas eu não era mais aquela iniciantezinha de antigamente.
─ Não, Elisa. Sinto muito, mas você conhece as regras. "Peça tocada, peça jogada".
─ Mas se eu tirar o Bispo, perco a Dama. E não posso fazer isso.
─ Eu sei. Sinto muito.
Um dos amigos que jogaram comigo no fim de semana estava olhando a cena. Aproximou-se e disse baixinho:
─ É verdade. Você pegou o Bispo.
─ Mas vou perder o jogo!
Ele deu de ombros:
─ É um campeonato!
Tomei a Dama e venci o jogo. Festa na 51!

5 Comments:

At 20/5/07 8:14 PM, Anonymous Anônimo said...

Estou com o Shiost! É muito melhor jogar por brincadeira, pois do outro jeito a gente só pode contrair problemas de saúde como hipertensão e gastrites! Fora, se não me engano, o sentimento não muito afetuoso que acabamos por sentir pelo adversário.
O meu marido leu um pouco o livro "O Segredo" e pelo jeito concorda com o Shiost: é PNL?

 
At 21/5/07 12:37 AM, Blogger marianicebarth said...

É claro que é melhor jogar por brincadeira. Mas para valer também é bom. Faz parte da vida e na vida nem tudo são rosas. Se a gente está lá fora, não tem como ser anjo. Só mesmo uma certa priminhacaçula que eu tenho é que consegue. Por falar em anjo, você já foi conhecer a Luísa? Estou esperando a Maria Christina chegar e aproveito para ver as duas.
Quanto ao Segredo, o Gil tem razão.

 
At 21/5/07 9:35 AM, Anonymous Anônimo said...

Adorei seu relato e a forma como v. conduz a narrativa! V. é uma grande escritora ...

Escrevi um texto para mostrar o meu "relacionamento" com o xadrez que é um pouco diferente de seu mas que ficou tão extenso, que acabei postando no meu blog. Me viste. Queria sua opinião.

Turini

 
At 22/5/07 9:43 PM, Anonymous Anônimo said...

Acho mais fácil ser anjo lá fora do que em certos momentos cá dentro! Em casa com os nomes de pais, filhos, esposos .... estão os nossos maiores desafios e os grandes aprendizados!
Respondi sobre a Luísa no seu e-mail!

 
At 23/5/07 8:20 PM, Blogger marianicebarth said...

É a pura verdade, priminha! Você, como sempre, tem razão. Nada como ter uma primacaçula sábia!

 

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