O Filho do Padeiro
Paulinho era muito novo para ser obediente, ainda muito bebê para ser disciplinado. A mãe sempre lhe dava um pelote de massa de pão para brincar. Ele tinha dois anos, era magrinho e agitado e seus olhos grandes, cercados de olheiras escuras que envelheciam a carinha comprida, costumavam seguir os movimentos dos pais de um lado para o outro.
D. Laura ajudava o marido a fazer os pães e antes das 4h da madrugada a massa já estava nos tachos. Ultimamente o sono do menino estava leve e acordava ao menor ruído. Descia do berço sozinho e punha-se a seguir a mãe. D. Laura já aceitava o jeito do filhinho, pois não havia o que fizesse o menino voltar para a cama. Se a mãe insistisse ele aprontava o maior berreiro, de acordar a vizinhança.
— “Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação”, deixa ele sossegado — vociferava o pai, atordoado. Nem o pão cresce direito com essa zoeira toda!” O padeiro então pegava um pedacinho da massa:
— Olhe aqui, moleque, pode brincar com isto. Mas fique quieto! E o berreiro acabava num instante.
Então seguia-se a azáfama normal numa padaria conceituada, o aquecimento do forno, a mãe fazendo uma coisa, o pai fazendo outra.
Logo os pais já estavam habituados com o minúsculo Paulinho por ali, sentado numa cadeira por trás do balcão, concentrado em amassar sua bolinha de massa.
Mas nessa madrugada a mãe não estava dando muita atenção para o menino. Pediu que ele esperasse um pouco, que a massa ainda estava sendo preparada para ir para os tachos. O olhar atento e desperto do menino indicava uma paciência curta. Ele estava com aquela carinha de quem já ia começar a gritaria. Mas D. Laura estourava de dor de cabeça, tinha tremores de frio. — Devo estar com febre, pensava ela, louca para voltar para a cama quentinha. Fazia um tempo frio e úmido e ela espirrava de vez em quando, sentindo pontadas por dentro do nariz. Acho que vou lá dentro pegar uma aspirina...
Paulinho estranhou. Ninguém dava atenção a ele. Viu quando o pai derramou a enorme quantidade de massa no primeiro tacho, olhou e sacudiu a cabeça, franzindo as grossas sobrancelhas, depois cobriu com um pano branquinho.
Paulinho foi até ele pensando em pedir: — Qué massinha. Mas o pai já tinha se virado. Paulinho parou junto ao tacho quase da sua altura e olhou por cima do ombro. O pai já estava lá na frente limpando os cestos, preparando tudo para que as freguesas não tivessem o que reclamar.
No chão, o grande tacho de madeira coberto pelo pano com o seu objeto de desejo. Levantou uma pontinha do pano e seu narizinho sentiu o aroma da massa crua. Paulinho ficou olhando, fascinado.
O pai continuava arrumando as coisas. A mãe ainda não voltara. Ninguém percebeu quando ele se içou ficando de barriga sobre o tacho. Ninguém viu quando ele estendeu as mãozinhas e ninguém estava por perto quando ele mergulhou de cabeça, as perninhas para cima debatendo-se até pararem.
12 Comments:
Infelizmente essa história é verdadeira. Quem me contou foi o irmão mais velho do garotinho.
Nossa Nice... que tristeza. Criança é sem noção, não se pode bobear.
Pobre dos pais, acredito que vão se culpar pelo resto de suas vidas.
O pior de tudo é que os pais não tiveram culpa, ou será que tiveram ?
Foi uma fatalidade, ou não ? Chegou a hora do menino ?
Não há resposta, só dor.
Nossa gente! A escritora ainda não deu o final. Ou será que deu:"até as perninhas pararem". Vai ter continuação? O padeiro faliu? O pessoal dos "Direitos Humanos" processou os pais? A mãe nunca mais comeu pão?
O final está aí. O menininho morreu sufocado pela massa.
E o pior de tudo é que os pais ficaram meio loucos e a mãe acabou matando o pai. Veja qua há tragédias acontecendo por aí e que a nossa vida é calma... Graças a Deus.
Historinha cruel. Me dá arrepios, enqunto pai e avó, pensar em caso assim. Nem se trata de culpa. Se trata de destino.
Porque uma criança de dois aninhos pode encerrar sua jornada tão rapido assim? O que fez, o que vivenciou, o que "pagou"?
Me lembra um poema de Sólon Borges dos Reis (em uma pequena re-leitura que me permiti fazer)
"(tudo o que ele) não foi
(tudo o que ele) não disse
(tudo o que ele) não quis
...
se perdeu
sem dia, sem vez
...
diluído na icógnita
do que poderia ter sido"
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O final de seu conto é muito brusco, muito brutal, muito "realista"
Deixe apenas sugerido...
Depois de ler (ainda estou no início da segunda metade) O Ensaio Sobre a Cegueira, acho que fiquei um tanto brutalizada.
A todos as perguntas do Polemikos acredito que tenho uma resposta através do caminho que procuro seguir. "Bem aventurados os que choram porque serão consolados"(Mt, V:5)
São em horas como esta que a religião ou diria melhor uma fé potente e forte, trazem à pessoa a aceitação e a compreensão dos porquês!
Não concordam, Caos, Timtim e Lucy???
Pelamor de Deus prima, volta a escrever sua saga, que é tão boa e interessante.
Que é verdadeira acredito mas vai ser trágica assim lá adiante
Caos, você que leu O Ensaio Sobre a Cegueira vem me dizer que a minha historinha (embora verdadeira) é que é trágica?
Nice
Tétrica, mas BOA!!!
Este último comentário é do Nelson, que sem querer, usou o meu nome do blog... Pode?
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