domingo, dezembro 23, 2007

O Atelier - 2º. Capítulo

Dois dias depois lá estava eu novamente no apartamento-atelier do Helenos. Ele tinha (tem ainda) várias coleções de livros de Arte. A aula começou com uma introdução à Arte Moderna, com a explicação de um verdadeiro mestre. Mostrou-me vários quadros de artistas modernos, entre eles Miró, Kandinsky, Picasso, Braque e dezenas de outros. Citou o ensaio "Do Espiritual na Arte", de 1911, em que o abstracionista Kandinsky tratou a manifestação artística como expressão de uma necessidade interior.
(É isso, pensei comigo, na mosca! É exatamente isso que sinto)!
Mostrou também um quadro todo em azul médio com um único ponto preto. Eu não gostava nem entendia nadinha de Arte Moderna e também não entendi esse. Não compreendia como isso poderia ser arte. Ele me explicou que os artistas modernos procuram passar uma mensagem sintetizando o número de elementos num quadro e que esse artista, colocando um ponto preto num fundo azul, tinha conseguido como ninguém essa sintetização.
— Simplificar. É o que você precisa, é essa palavra que você tem que absorver e trabalhar. Simplificar. Diminuir os elementos.
Eu me rebelava interiormente, como uma criança que não está entendendo um problema mais complexo de matemática. Não estava aceitando, porque não estava compreendendo. Era como ensinar Física Quântica para uma criança de quatro anos. Mas entendi perfeitamente o que Kandinsky pensava. Iria me lembrar! Sentia que estava ficando para trás. Fixada em meus próprios pensamentos e o Helenos já lá na frente.
Muitos anos mais tarde foi que comecei a vislumbrar um nível de compreensão mais maduro e a gostar de muitos artistas Pós-Impressionistas, Modernos e Pós-Modernos, mas o embrião desse entendimento começou ali, com Helenos.
Depois de me "ensinar a ver várias obras", Helenos sugeriu que eu criasse algo. Não tive coragem de confessar a ele que nem sabia por onde começar. Foi o caos. Lápis na mão, fiquei olhando minuto após minuto para a folha em branco, agoniada. Tentava me lembrar das pinturas que acabara de ver, mas elas se misturavam e se afastavam de minha mente em parafuso. O tempo ia passando, inexorável e o papel continuava vazio, o lápis esperando entre meus dedos frouxos, inúteis e inaptos... Nada!... Não “saía” nada! Sentia-me a última das criaturas. Suspirava, sofria e sofria. Helenos só olhava, de vez em quando. Mais uns quinze minutos e ele veio:
— Não está saindo nada? Como você está se sentindo agora?
— Muito mal, como se estivesse encerrada num quarto imenso, de paredes negras muito altas, tudo muito escuro e com uma janelinha minúscula lá em cima, inacessível... Olho para cima, quero subir, mas um peso me prende ao chão...
Ele ouviu atentamente e ordenou:
— Desenhe isso.
Peguei o lápis e fiz o desenho de um quarto escuro, de pé direito altíssimo, paredes se fechando em cima, claustrofóbicas e, junto ao teto negro, uma janelinha, por onde descia um tênue raio de luz. Helenos olhou demoradamente e disse:
— Agora desenhe VOCÊ aí dentro.
Então desenhei um ovo grande, branco, acima do chão, flutuando no ar, tentando subir em direção à luz na janela, trincando-se horizontalmente pelo meio, como um cinto. Algo desconhecido dentro do ovo estava para nascer. E, pousada no piso, caída inerte abaixo do ovo, uma aliança de ouro brilhando.
Helenos ficou olhando algum tempo, sacudiu a cabeça para baixo e para cima, assentindo e vaticinou:
— Mulher parideira... O casamento segura...
Vi imediatamente que ele tinha razão.
— É óbvio que o casamento e os filhos me seguram, puxam-me para baixo! Mas... e daí? Eu QUERO, PRECISO que você me ajude!
— Daí... você vai acabar de criar seus filhos e depois volta...
— Não, Helenos! Eu quero me soltar na arte, agora, mas também não posso nem quero deixar de me dedicar aos filhos. São pequenos...
— Não estou dizendo? Arte e filhos são incompatíveis. Para ser uma artista, você tem de ser egoísta, a arte é escravizadora e não admite dividir com ninguém!
— Mas eu quero tentar!
— Tentar? Vá procurar outro professor que se contente com sua "tentativa", comigo é tudo ou nada!
— Está bem, vou fazer tudo, todo o possível! — prometi inconseqüentemente.
Helenos não respondeu. Não falei mais nada.
A empreitada ia ser mais difícil do que eu imaginava. Mas eu daria um jeito...

4 Comments:

At 23/12/07 9:50 PM, Blogger marianicebarth said...

Deixem que me explique: nunca, mas nunca mesmo senti meus filhos um peso. Mas aquilo que vinha lá de dentro gritava para sair! Por isso é que as mulheres não conseguem soltar a Águia dentro delas, pois os filhos vêm em primeiro lugar. Fazendo as contas, eu sentia o Grito e começava a pintar... e tinha de parar... Então só pintava de dez em dez anos...

 
At 25/12/07 9:16 PM, Anonymous Anônimo said...

Esse Helenos é mesmo um excêntrico durão. Estou curioso para ver o desenrolar dos capítulos. Seu estilo, Nice, é cativante.

 
At 11/1/08 10:28 AM, Blogger Polemikos said...

A Arte é egoista? A Paixão é egoista!!
Mas sem Paixão, a Vida não aquece, o Coração não derrete e não verte para fora.

 
At 6/12/08 3:54 PM, Anonymous Anônimo said...

LI SEU COMENTÁRIO A RESPEITO DO HELENOS E GOSTARIA, SE VOCÊ PUDER, ME ENVIAR ALGUM CONTATO COM ELE.
CONHECI O HELENOS HÁ MUITOS ANOS ATRÁS E PERDI O CONTATO COM ELE.
MEU NOME É MIRIAM E MEU EMAIL: mirmacul@gmail.com
AGUARDO ALGUMA RESPOSTA E OBRIGADA,
MIRIAM

 

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