O Cavalo
Ano passado, em Setembro.
Passava das 19 horas quando saí do Supermercado. Hora do rush
Coloquei as compras no carro e desci a longa rampa do Shopping Butantã em direção à Avenida Jorge João Saad, esperei um tempo, o semáforo abriu e fiz a curva à esquerda para a outra pista da avenida. Estava quase completando a curva quando vi uma anca eqüina, bem à minha frente. — Não acredito! — pensei, horrorizada. Mal tive tempo de frear bruscamente, mão na buzina. Ele se assustou e encaminhou-se para a pista da direita, continuando em linha reta, junto à guia, no mesmo trote regular. Ia na mesma direção que eu e seus grandes olhos giraram quando meu carro passou por ele.
Um pouco recuperada do susto, mas muito preocupada com o cavalo e com um possível acidente, fui até o fim da avenida de olho no retrovisor. Mas ele vinha atrás de mim como se estivesse seguro.
Virei à direita na outra grande avenida, esta bem mais perigosa para ele, pois é a entrada da cidade para ônibus e caminhões que vêm de Curitiba. Meu coração estava aos pulos, imaginando o coitado atravessando bem na frente de um caminhão. Oh, meu Deus! — pensava eu — cuide dele... Não deixe que o coitadinho morra, ou mate alguém!
Sempre olhando pelo retrovisor, vi quando ele entrou atrás de mim bem juntinho à guia, sem se assustar com a enormidade dos caminhões velozes e barulhentos.
Entrei na próxima rua à direita e fui para casa. Descarreguei as compras e já ia fechar o carro quando ouvi nitidamente o vagaroso po – co - tó – po – co - tó – po – co - tó, passando bem em frente à minha casa. Parei tudo para ouvir e cheguei à conclusão de que só podia ser ele! Não há cavalos no meu bairro! Abri o portão e corri para fora. Lá estava ele, descendo minha rua. Era o próprio.
Corri atrás dele, que se assustou e começou a sacudir a cabeça para cima e para baixo. Um senhor ia passando e perguntei se ele sabia de quem era aquele cavalo e ele disse que não. Nesse momento o animal voltou sobre si mesmo e veio para cima de mim. Não parei para esperar, afinal, não sou muito conhecedora de cavalos... Escondi-me atrás do poste e ele passou por mim, apenas girando os olhos, seguindo novamente para a Av. Eliseu de Almeida, a perigosa. Pude então vê-lo bem de perto (perto demais para meu gosto...) e pude julgar sua beleza e raça. Era muito alto, de um tom marrom-dourado e seu pêlo aveludado brilhava à luz do poste. Era esbelto, parecendo jovem. A cabeça bem feita e orgulhosa era mantida bem ereta e só seus olhos se moviam um pouco inquietos. Os músculos fortes das pernas moviam-se graciosamente. Era um lindo espécime! Não era um pangaré e devia valer uma fortunazinha...
Eu não poderia seguí-lo a pé por São Paulo, então voltei para casa e procurei uma corda que, na pressa não encontrei. Entrei no carro e fui procurá-lo. Depois de alguns ziguezagues pelo bairro, parei perto do carro da Segurança e perguntei se o rapaz vira o cavalo e ele disse que também estava atrás dele, que tinha passado por ali e subira a outra rua.
— Você conhece o dono? — Ele disse que não.
— Ele deve estar perdido. Você arrumaria uma corda para me ajudar a pegá-lo? Ele disse que ia procurar e foi embora. (Estou esperando até hoje...)
Segui a direção que o segurança indicou e encontrei algumas pessoas reunidas e apontando algo. Parei e perguntei do cavalo. Disseram que ele tinha passado por ali e estava atravessando a outra avenida, a Francisco Morato.
Agora sim ele está encrencado mesmo — pensei — e fui atrás.
Tive de dar uma volta para pegar o semáforo e atravessar também. Nessa altura o trânsito já estava mais livre, mas em compensação, os carros corriam mais. Corri também. Essa avenida tem umas subidas e descidas e eu não conseguia encontrar o cavalo. Parei num posto de gasolina e perguntei. Os frentistas estavam comentando sobre ele.
— Vai indo lá pra Marginal Pinheiros — disseram.
E eu atrás. No topo da última subida pude vê-lo, lá longe, sempre junto à guia e sempre no mesmo passo vagaroso.
Se a Av. Francisco Morato não tivesse tantos faróis e se todos não estivessem conspirando para fechar quando eu chegava, eu o teria alcançado.
Mas ele, depois de ter se perdido um pouco pelo meu bairro, encontrou seu caminho e virou à direita lá em baixo, na Av. Lineu de Paula Machado e, quando o alcancei finalmente, ele estava parado bem na frente dos portões do Jóquei Clube...
Encontrara sozinho sua casa.
8 Comments:
Nessa crônica você se superou. Além de fazer o leitor seguir com a respiração presa, nos revelou bem a mulher decidida que é. Revelou tbm sua sensibilidade, ao rezar pelo cavalo. Imagina! Após as 21 horas, sair ziguezagueando pelas ruas de S.Paulo, preocupada com um cavalo. O final foi digno de aplausos. Timtim
Querida Nice,
Este seu relato me emocionou. Você com sua preocupação, de alguma forma transmitiu alguma mensagem ao bonitão e ele a captou. Tanto que chegou são e salvo ao seu destino.
O melhor de tudo foi você tê-lo seguido, senão todos ficaríamos meio frustados, sem saber o final deste acontecimento. You are so beautiful !!! Lucy
Que bom que vocês gostaram!
Acho que já sei o que mais gosto de escrever: crônicas. Coisas curtas... (Socorro, já vejo o Caos protestando que meus escritos são compridos demais para o gosto dele...)
Adorei ... coleta suas crônicas e publique! Elas merecem!!
Estou chegando no fim e só posso ser repetitivo. Muito bom mesmo, narrou muito bem e não tinha jeito de ser mais curto. Parabéns.
Logo eu volto, agora com fotos.
Oi amiga querida d+++!
Tudo bem por aí? E o cavalo, está bem mesmo? Era mesmo do jóquei? Que coisa mais linda a história e a maneira de você escrevê-la. Adoro ler seus textos, eles deslizam suavemente pelo papel.
A poesia é linda, uma fábula lindamente mostrada em forma de versos.Doce como deve ser. Você é ótima! Vou colocar nos 2 Sorocultinhos tá? Assim, você fica em mais dois espaços no site.
A Mariana Domitila não deve ter visto hoje porque estava fazendo outras coisas. Creio que amanhã ela verá...mas então...eu já vi e já vou pôr no site...rsss
Bjão imenso mesmo.
Neusa (www.sorocult.com/)
Neusa.
Só o que sei é que ele estava na porta do Jóquei. Fui para casa, acreditando que ele também chegara à casa dele.
A poesia a que a Neusa se refere é "O Vestido da Princesa, que escrevi especialmente para o sorocultinho (a).
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