terça-feira, fevereiro 26, 2008

A História de Rodrigo

─ Talvez a morte de meu sogro, em Julho de 1973, tenha me abalado, ou talvez eu estivesse trabalhando muito, não sei. Além de dar minhas 34 aulas semanais de Educação Artística num Colégio Estadual do Sumaré, nos períodos da tarde e da noite, ainda pegara uns desenhos em bico-de-pena para fazer em casa depois da aula e acabava desenhando madrugada a dentro.
Em outubro desse mesmo ano, meu bebê Rodrigo estava numa barriga de 5 meses e já louco para nascer...
No meio da noite, levei o maior susto ao sentir algo errado. Tivemos de acordar a médica às 3 da madrugada. Ela veio prontamente. Mas seu diagnóstico foi o pior:
─ Ah... minha filha, este bebê você já perdeu...
─ Não quero! por favor, faça alguma coisa! Por favor, por favor! Eu chorava, em desespêro.
─ Acho que não vai dar, você está com uma hemorragia forte e dois dedos de dilatação. Um feto de 5 meses passa facilmente por aí... Não chore, você pode ter outro...
Mas eu não queria saber. Chorando muito, segurei a mão da doutora, implorando:
─ Não quero outro, quero este! Por favor, FAÇA ALGUMA COISA!
Vendo que não me convencia, a boa doutora Adelaide resolveu contemporizar:
─ Está bem, vamos ver... vamos ver... Se você ainda não o perdeu, vamos ver se consegue segurar... Mas não posso garantir nada, está entendendo? Vou aplicar hormônios e você terá de ficar na cama até o final, acha que consegue?
─ Faço qualquer coisa, qualquer coisa! Mas me ajude, me ajude!
A doutora aplicou as injeções, recomendou listas de cuidados, receitou alguns remédios e foi para casa, deixando-nos com muita vontade de ajudar o Rodriguinho a ficar mais calmo. Ficamos acordados até amanhecer, Nelson e eu, com nossas mãos em minha barriga, falando para o filhinho o quanto o amávamos, e que era para o queridinho ter paciência, muita paciência, e ficar ali dentro mais um pouquinho de tempo, só mais um pouquinho, bem calminho... "Papai quer você, meu filhinho, mamãe quer você, fique aí bem quietinho, fique... Nós estamos aqui com você, filhinho, queridinho"... O Nelson nessas horas de crise tem um jeito incrível.
O bebê já tinha esse nome, Rodrigo, desde os dois meses de gravidez, por causa do tio-avô de oitenta e poucos anos, por quem eu me tomara de amores.

Conheci o Tio Rodrigo Terra no velório de meu sogro. Minha sogra me pediu para ir avisá-lo e se ele quisesse, para trazê-lo em meu carro. Ele morava num bairro meio afastado, numa casa muito simples. Atendeu uma moça negra, muito bonita. Tio Rodrigo ainda nem sabia que "seu" Jair havia morrido e que estava sendo velado na Igreja do Rosário.
Mas em segundos estava pronto. Ao entrar no carro, deixou escapar um "Ai!".
─ Que foi, tio?
─ Ah, não é nada, é só a minha faca que me picou, essa danada... E tirou da cintura uma enorme faca de uns trinta centímetros...
─ Tio Rodrigo... O senhor não vai deixar a faca na sua casa?
─ Mas de jeito nenhum, menina! Onde já se viu um tropeiro desarmado? E ria gostosamente do meu susto.
Ajeitou a faca e já foi contando sua vida de tropeiro de burros. Que levava os burros do Mato Grosso até o Rio Grande de Sul e vice-versa, que essas viagens duravam muitos meses e que tinha as paradas certas nas fazendas para descanso dele e dos animais. Chegando à Igreja, "animou" o velório à antiga, contando piadas e "causos" que aconteceram a ele durante sua vida aventurosa. Não dava para a gente ficar chocada com a animação dele em pleno evento tão triste.
Fiquei fascinada por ele. Não desgrudei os olhos dele nem por um minuto. No dia seguinte, depois do enterro, que foi muito emocionante, por ver o quanto a cidade toda gostava de seu Jair, eu disse ao Nelson:
─ Se o bebê for menino, será Rodrigo, como seu tio avô.
D. Zélia não gostou muito:
─ Você tem coragem, Nice? O tio Rodrigo foi um homem muito fora de série, foi terrível! Era valentão, ninguém tinha coragem de enfrentá-lo, teve não sei quantas mulheres, e agora mesmo, você viu a mulher que mora com ele? Uma moça de trinta anos e... negra!
─ Pois eu gosto dele mais ainda, acho isso tudo o máximo, ele é o próprio bandeirante, e meu filho vai levar o nome dele.
Rodrigo ficou na barriga até o final da gravidez, que foi bem difícil. E quando nasceu, no dia 25 de Fevereiro de 1974, loirinho e lindo, com 3.820g, encontrou do lado de cá uma mãe corujíssima.
Ontem ele fez trinta e quatro anos.

Parabéns, meu querido! Amo você de todo o meu coração.

3 Comments:

At 26/2/08 9:44 PM, Anonymous Anônimo said...

Parabéns ao Rodrigo e parabéns à mamãe, aliás corujíssima até agora.
Ele é onze meses mais velho que o Daniel e oito que o Flavinho do Deto. Pensei que era mais velho!

 
At 27/2/08 6:33 AM, Blogger caos e ordem said...

Hoje levantei um pouco mais cedo e tinha que fazer alguma cera antes de ir jogar tênis às 7 da matina.
Entrei aqui e encontro essa maravilha da história do Rodrigo e de carona ainda a história do velho tio cheio de mulheres e casado com uma neguinha (ou negona?).
Li também o causo da perambulação pelos médicos, remédios, perda de cabelos e quejandos.
Como diz o Timtim, TATU DO MUITO BOM.

 
At 27/2/08 10:11 AM, Blogger timtimdez said...

Só podia se chamar RODRIGO! Será destemido e vitorioso como o tio avô.
Que histórias lindas! Que emoção, imaginar o jovem casalzinho conversando com o nascituro! Aumentou minha admiração pelo Dr. Nelson.
Que figura esse tio Rodrigo!

 

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