segunda-feira, julho 07, 2008

Memórias da Adolescência


O mais alto na foto é o Maurício. Estava fazendo o Tiro de Guerra e o cabelo estava cortado à escovinha (?). Mesmo assim, era bem bonitão.
Nos dois anos em que fomos colegas de classe (na sétima e oitava séries) e ele se sentava na carteira de trás, ficamos muito amigos. Quando ele dizia que gostava de mim, mas que eu lhe era proibida, até o provocava um pouco, dizendo:
— Como assim? Por quê?
E ele respondia entre suspiros:
— Porque você é ainda uma criança e eu já sou um adulto, dezenove anos... Mas quando você fizer quinze anos, vou voltar e pedir aos seus pais para te namorar.
E eu provocava de volta: — Daqui a tanto tempo? Poderá ser tarde demais...
— Vou ter de correr o risco... Mas agora é muito cedo...
E eu estava certa. Quando ele voltou, dois anos depois, o João já havia aparecido na minha vida...

História do João.
Num fim de tarde de sol glorioso de verão, já em férias, fui de bicicleta à casa da amiguinha Daysinha, numa rua com uma ligeira rampa, o que me obrigava a pedalar com força. O sol se pondo dourava a rua toda, de leste a oeste. Ao sair, ela me acompanhou até a porta, mas quando me despedi, ela já não olhava para mim, mas para alguém que descia a rua. Já pedalando em pé para forçar a subida, segui curiosa a direção dos olhos dela e então o vi: o mocinho mais lindo que já pisara na cidade. Diferente em tudo do alto e espadaúdo Maurício.
Era moreno claro, de cabelos negros e encaracolados e tinha os olhos de um verde-esmeralda-molhado e brilhante, de longos e curvos cílios negros, semi-fechados pelo sol que lhe batia de frente. Teria uns dezesseis anos e não era alto, mas não precisava, era perfeito! Seus lábios se abriam num sorriso sedutor, que eu sabia que era dirigido à Daysinha.
Senti como que um baque e o coração falhou várias batidas. Experimentei pela primeira vez uma emoção nova, a ferroada do ciúme. Eu é que gostaria de ser a destinatária daquele olhar intenso e daquele sorriso...
Minhas pernas pareciam geléia e quase caí da bicicleta. E ele nem me viu. Só existia a Daysinha para ele. Parei a bicicleta e olhei para trás. Minha amiga lhe devolvia o olhar e o sorriso. Senti-me completamente excluída. Um suspiro profundo me arrancou de lá. Não havia ali nada para mim. Fui para casa, levando em um compartimento ainda desconhecido do meu coração, a imagem dele iluminada pelo sol, os olhos de esmeralda-orvalhada e os dentes muito brancos no sorriso mais devastador que eu jamais vira ou notara em ninguém. E a dor primeira... Até hoje essa imagem é nítida e colorida, inclusive o sentimento dolorido.
Nos dias seguintes, tentei esquecê-lo, em vão. Perguntei disfarçadamente às colegas, Conhecem aquele rapaz? É ele que a Daysinha está namorando? E elas me confirmaram o namoro deles.
A Daysinha era uma garota baixinha e bem recheada de curvas, segura de si e muito requisitada pelos meninos. Eu, uma vara-pau magrela sem curva alguma. Não havia chance. Depois fiquei sabendo que o tal João já namorara muitas, até uma garota de dezesseis! (aquela namoradeira que toda cidadezinha tem...) e que o rapaz era irresistível, um verdadeiro Don Juan...
Foi aí que desisti de pensar nele. Doeu um bocado, mas afastei da cabeça aquela "imagem de Eros dourado ao sol", enterrei e coloquei uma grande pedra em cima. E depois, "namorado de amiga minha para mim, não existe"... Aquelas coisas.
E eu tinha mais em que pensar. Estava começando a aprender a dançar para o Grande Baile de Formatura da oitava série, tinha a escolha do modelo do vestido quase até os pés, os sapatos, a costureira... Mas era só. No dia do baile, fui pela primeira vez a uma manicure, mas nada de penteado, não seria adequado. Eu era muito novinha para isso. Nem maquilagem de espécie alguma, nem sequer um batonzinho, nada, mamãe não deixava e eu nem pensava. Lavei os cabelos eu mesma e deixei-os soltos naturalmente. O vestido foi caprichado, branco, em renda francesa e tule bordado, no comprimento ballet, até os tornozelos, que a Edna mandou fazer em São Paulo.
Meu par na Valsa foi o irmão de outra amiga. Mal me lembro desse baile. Só me lembro de ter dançado bastante. Nem Daysinha, nem João foram, pois estavam ambos na sétima série, os dois atrasados nos estudos...
O Baile passou, as férias também passaram e fiz o vestibulinho para entrar na Escola Normal, no Instituto de Educação. Na verdade, eu queria mesmo fazer o Curso Clássico, pois tinha muita facilidade em inglês e desejava poder escolher Anglo-germânicas. Mas durante as férias não encontrei mais de nove alunas que quisessem cursar o Clássico. Não houve número e tive de desistir. Então a segunda opção seria Ciências, para seguir Biologia ou Medicina, mas eu tinha dificuldades em matemática. Então me desaconselharam o Científico. Burrice, eu teria conseguido, mas a família toda era de professores, diretores e inspetores escolares e me influenciaram a fazer Magistério. No dia do vestibulinho conheci as meninas que seriam dali em diante as minhas amigas
Então, em 1957, Maria Lúcia, Lydia e eu estávamos no primeiro dia de aulas do Curso da Escola Normal. E foi nesse dia que vi novamente o João. Sem Daysinha. Sem nenhuma. Mais lindo do que nunca. Livre e desimpedido, olhando para nós. Fingi que não o vi, que não sabia quem era, que não existia. Mas o coraçãozinho indiscreto dançava aquela "rumba" louca.
Durante toda a semana foi assim. Ele olhando, nós três ignorando... e meu coração dançando, à minha revelia...
Até que um dia, numa manhã fresquinha, no intervalo entre as aulas, ele veio vindo... veio vindo... e parou em nossa frente. Minhas faces pegavam fogo e meu coração já estava endemoninhado, acima de qualquer controle... Lydia e Maria Lúcia foram as primeiras a falar com ele, quando se apresentou. Eu... incapaz de pronunciar uma única palavra. Mesmo quando ele segurou minha mão, dizendo "Imenso prazer, meu nome é João", (como se eu não soubesse!...) não pude responder, nem encarar aquelas semicerradas esmeraldas molhadas,  mas me senti de repente como uma fonte luminosa... e o céu se abriu...

9 Comments:

At 7/7/08 9:41 PM, Anonymous Anônimo said...

VIVA A INTERNET! Continuo admirando este maravilhoso canal de comunicação. Admiro e agradeço sua espontaneidade, seu doar-se nestas revelações tão cândidas. Não nos conhecemos pessoalmente e somos tão íntimos. A cada dia que passa fico torcendo mais para que aconteça nosso encontro. Agora já sei que o Maurício dançou... se esvaiu em fumaça. Aguardo o desenrolar do "affaire" com o João. Timtim

 
At 7/7/08 9:47 PM, Anonymous Anônimo said...

CORRIGINDO: Claro que o Maurício não se esvaiu. Tantos anos passados e as lembranças estão bem vivas. Acho isto próprio de quem VIVE a VIDA plenamente. Não é necessário sepultar lembranças passadas para viver o presente, ou melhor, para dar continuidade à VIDA. Chamo a isto de VIVER CONSCIENTE, próprio dos seres iluminados. LOUVADO SEJA DEUS! Timtim

 
At 8/7/08 9:56 PM, Anonymous Anônimo said...

Este texto faz parte do seu livro que tanto ansiamos???

Lembranças boas, não é Timtim, que devem ser conservadas! Creio que tendemos também a guardar as outras, infelizmente!

Parabéns, Nice, pela sua memória! Mesmo as coisas que me emocionaram e marcaram a minha mocidade não consigo relembrar dessa forma! São alguma apenas que guardo com tanta vivacidade. Pelo jeito, esse João a marcou para sempre.
CUIDADO COM O PRIMO NÉLSON, HEIM???

 
At 8/7/08 9:57 PM, Anonymous Anônimo said...

Aproveitando este blog, tudo bem com você? Sarou da gripe?

 
At 9/7/08 12:24 AM, Blogger marianicebarth said...

Não, marcar para sempre não foi o caso. Apenas foi o primeiro namoradimho. Mas ele sabia lidar com as meninas, principalmente porque já namorara até a filha do prefeito e outras mais velhas do que ele. Era um terrível Don Juan Júnior... Super romântico, sedutor... mas eu tinha apenas catorze anos, era filha da D. Juventina, um verdadeiro dragão! E ele... não era São Jorge...

 
At 9/7/08 12:25 AM, Blogger marianicebarth said...

Se o livro vai ser de memórias, este texto estará dentro.

 
At 9/7/08 2:48 PM, Blogger marianicebarth said...

Ah, esqueci: estou quase boa da gripe, mas ainda tossindo e expectorando... Iáák, como diz a Rebecca... (Tradução: éca!...)

 
At 11/7/08 9:06 PM, Anonymous Anônimo said...

Então vc. namorou esse João ou apenas flertou com ele?
Com o Maurício vc. jogava algumas indiretas que se a sua mãe soubesse, soltaria fogo para todos os lados.
Um dia destes, o outro DR. do Caminheiros (Jacob) falava sobre a falta de transparência e sinceridade que existia em tempos mais antigos e devo concordar que não fomos tão santinhas assim! Até disse isso a ele!
oarcm

 
At 14/7/08 7:19 PM, Blogger marianicebarth said...

O João foi meu primeiro "namoradinho", se é que se pode dar esse nome para relacionamento tão inocentes como eram naquele tempo, no interiorzão de São Paulo.

 

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