terça-feira, maio 19, 2009

O Moço da Locadora

— Reconhecimento de um ser humano sensível —

Há uma locadora muito boa perto de minha casa, onde trabalha um jovem chamado Danilo. Ele está lá para ajudar os clientes a encontrar os filmes que desejam. Muitas vezes os clientes sabem o tipo de filme que desejam ver, mas não se lembram do nome ou já viram muitos filmes e estão indecisos. Eu sou uma dessas pessoas.
Danilo sempre vem em meu socorro, amável e solícito. Parece que já assistiu a quase todos os filmes da locadora e sabe sempre indicar um dos bons. Está sempre de bom humor e de boa vontade. Perde comigo seguramente mais de meia hora de cada vez, pois engrenamos num papo sobre este ou aquele filme, falando do livro em que se baseou e por aí além.
Tenho notado cada vez mais, que a sensibilidade desse rapaz é de uma frequência tão alta quanto pode ser a de um ser humano.
Suponho que ele tenha conhecimento disso, mas expressada por outra pessoa, uma avaliação destas cresce na mesma medida em que é feita.
Suponho também que essa sensibilidade pode ter-lhe causado transtornos e até ocasional sofrimento. Mas isso apenas o engrandece e acrescenta capítulos importantes à sua própria história de vida. Não sei se ele sabe disto.
Pude perceber que ele observa e avalia cada pessoa, indicando a cada uma o filme adequado para o gosto dela. Fiquei ontem na fila esperando pela sua orientação e constatei isso facilmente. E mais, vi que ele consegue ler o coração dos clientes da locadora, com uma capacidade psicológica de que Jung ou Freud teriam inveja.
O filme que ele me indicou no sábado passado, como sendo um dos que mais apreciou e que o marcaram, é um dos filmes mais belos e fascinantes que assisti até hoje.
Mas, nesse mesmo dia, pela primeira vez, vi no Danilo uma aura de melancolia. Pude sentir a tristeza que lhe pesava no olhar e que o envolvia como uma neblina, num raio de dois metros. Atendia às solicitações de seus clientes com a mesma cálida atenção, mas um nadinha ausente.
Alguma pedra machucou-o em seu caminho, alguma frustração ou rejeição, ou talvez alguma palavra de grosseria. Alguma coisa que o fez sentir-se cansado de tudo, que amargou seu dia e lhe tirou momentaneamente a paz.
Senti que ele desejava estar longe dali, sozinho, num lugar tão zen quanto o pequeno monastério flutuante no meio do lago, do filme que me indicou, quando me disse algo mais ou menos assim: “Este filme é muito bom. É a história de um velho monge que, ao ver seu pequeno discípulo maltratando animaizinhos, corrige o menino sem violência, nem aspereza, e a forma que ele usa para ensinar ao menino é a coisa mais linda e interessante que eu já vi.” Seus olhos brilharam e criaram vida ao dizer isso, quase com o entusiasmo de sempre.
Imediatamente incluí esse filme entre os outros e, mais uma vez, ele provou sua competência. Vi o filme à noite e fiquei maravilhada. Cada cena é delicadamente conduzida numa direção perfeita, cada gesto, cada elemento é colocado de maneira a fazer pensar.
Ao acordar no domingo, as mensagens sutis e enigmáticas dessa obra de arte já estavam impressas indelevelmente em minha memória, iluminando cada minuto do meu dia, enquanto tentava durante várias horas decifrar os significados.
Isso, em minha opinião, é que se pede de um filme, ou de um livro — a lembrança que perdura e que impregna a alma.
Mas o rapaz, Danilo, estava triste e magoado.
E isso também não saiu de minha mente.

14 Comments:

At 20/5/09 9:45 AM, Anonymous timtim said...

Isto é que é SENSIBILIDADE. De uma maneira clássica eu diria:"Similia similibus curantur". e de uma maneira bem vulgar: "Um burro coça outro", ou:"Um gambá cheira outro".
Seu texto é maravilhoso e revela toda sensibilidade de sua alma.
Você vai procurar saber o que aconteceu com o Danilo? Vai ver se ele já superou?
Quero explicação de duas coisas:
Explica só para mim, em email, o que quis dizer com"suponho que essa sensibilidade pode ter-lhe causado transtornos e até ocasional sofrimento".
Segunda explicação: Afinal, qual é o nome do filme?

 
At 20/5/09 6:54 PM, Blogger marianicebarth said...

"suponho que essa sensibilidade pode ter-lhe causado transtornos e até ocasional sofrimento" - porque ele estava triste.

O nome do filme é "Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera."
E é um filme coreano e realmente maravilhoso. Se algum de vocês alugar, gostaria que depois comentasse aqui alguns significados.

Mas... Timtim!!!... UM BURRO COÇA OUTRO?!?! UM GAMBÁ CHEIRA OUTRO????!!!!
Deus do céu! Obrigada pelaas comparações...

 
At 20/5/09 10:42 PM, Anonymous timtim said...

Ah! Nice, vc entendeu, não é? Vocês são dois super sensíveis. Eu avisei, que ia usar expressões vulgares. Vc nunca viu esta cena, de dois burros, ou dois cavalos se coçando, mutuamente? Minha intenção era elogiar o texto e a sua sensibilidade, comparando-a à sensibilidade do Danilo. Façamos as pazes.

 
At 21/5/09 11:05 AM, Blogger marianicebarth said...

Eu sei, Timtim, também brinquei com você... Lógico que entendi! Só achei ... muito engraçada a sua comparação... BURROS tudo bem, mas... GAMBÁS?!?...
Como você diria: "Tô fora!"... (risos)
Mas voltando ao assunto, essa sensibilidade de enxergar a alma das pessoas, sempre tive. Não adianta aa pessoas dizerem que não têm nada ou que estão bem, porque são transparentes para mim... Talvez eu devesse ter feito Psicologia ao invés de Belas Artes.

 
At 21/5/09 11:24 PM, Anonymous timtim said...

Onde será que estão os membros do nosso clube, isto é, do nosso blog?
Gostei desta sua confissão sobre o dom de enxergar a alma das pessoas.
Acredito sim, que seria uma excelente psicóloga, tal qual é...é..
Como se chama quem fez Belas Artes?
Ou o título vem pelas especialidades:
pintora, escultora, desenhista,...
escritora, boa como vc é, tem a ver com Belas Artes.
Poxa, agora estou sentindo o fora que eu dei, falando de gambá, diante de uma fina dama, formada em Belas Artes!

 
At 22/5/09 3:53 PM, Anonymous primacaçula said...

Os membros estavam ocupados, resfriados ou coisa parecida.

Essa capacidade de ler a "alma" das pessoas também a possuo e a utilizo inclusive no meu trabalho espiritual.
Conforme o tempo se passa ela aumenta.
Interessante!

DEVE SER LINDO "DOIS BURROS SE COÇANDO"! PODEMOS CHAMAR DE AUXÍLIO MÚTUO, ALGO RARO NOS SERES HUMANOS!
"TADINHOS" DOS GAMBÁS!

VOU ALUGAR ESSE FILME, POIS JÁ ME ENCANTEI COM ELE E COM QUEM O INDICOU.

 
At 22/5/09 6:24 PM, Anonymous Anônimo said...

Um texto muito colorido e cheio de vida .... será que o nosso amigo (viu? já ficou nosso amigo!) da locadora enxerga as auras das pessoas?

Turini

 
At 22/5/09 8:12 PM, Blogger marianicebarth said...

Na próxima vez vou perguntar a ele.

 
At 23/5/09 10:23 AM, Anonymous timtim said...

Que ótimo, Turini, fazer o Danilo se tornar "nosso amigo"! Eu acredito que ele tbm lê as "auras", mas eu prefiro a expressão da Nice e da Cecília: "ler as almas". Quero a resposta do Danilo.

 
At 23/5/09 12:31 PM, Anonymous primacaçula said...

Não há necessidade de ler as auras para se ler a alma.
Sou um "tiquinho" entendida dessas coisas... não apenas na teoria, mas na prática.

ACHO QUE O MAL DESSA PERCEPÇÃO (chamem como quiserem: sexto sentido, paranormalidade, mediunidade...) É DE FAMÍLIA, EMBORA NÃO EXISTA HERANÇA GENÉTICA PARA ISSO.

 
At 26/5/09 5:56 PM, Blogger caos e ordem said...

Pouco a pouco vão aparecendo os sumidos e os resfriados.
Bem disse o padre TIMTIM: ASINUS ASINUM FRICAT.
Vi êsse filme uns dois anos atrás e também amei, acho que não vou me lembrar de detalhes para trocar idéias como deseja a prima.
Permito-me dar palpite sobre o atendente da locadora. Simplesmente é o cara certo no lugar certo, nasceu pra isso, gosta do que faz, faz com prazer e perfeição. O mais é tudo uma viajação geral, não lê nem vê aura, não sabe nada disso. Mostrou-se abatido por ser humano sujeito a uma infinidade de influências como todos nós somos e também nos abatemos.
tenho dito, prazerosamente.

 
At 27/5/09 10:02 PM, Anonymous primacaçula said...

Embora abatidos por sermos humanos isto não exclue a possibilidade de "lermos almas". Discordo: acho o Danilo bastante sensível, muito além dos atendentes de locadoras.

 
At 30/5/09 6:07 PM, Anonymous timtim said...

Quequiéisso, sr. caótico! Você não lê almas, não?!
Pobre do homem que não faz isto! Principalmente se vive entre as grandes leitoras, que são as mulheres.
Gostei demais de vc ter citado o ditado em latim: "Asinus, asinum fricat". Vamos rever, ou ver o filme indicado pela Nice e vamos enriquecer nossos comentários.

 
At 3/7/09 10:02 AM, Blogger Antônio said...

Há muitos anos estava eu numa locadora procurando alguma obra prima para assistir quando a Danila chegou para mim, com 3 fitas, dizendo: Estes filmes são muito bons, todo mundo está levando. Pelas fotos pude ver que eram filmes do tipo aventura, daqueles com Bruce Willys, Charles Bronson e equivalentes. Com toda a minha educação perguntei a ela se gostava de jiló. Ela não entendeu nada, então eu disse: "Eu não gosto". Ela entendeu menos ainda.
Moral da história: "CADA LOCADORA TEM O DANILO QUE MERECE."

 

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