segunda-feira, abril 02, 2012

A Palavra

A Palavra

"Sim senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam... Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as... Amo tanto as palavras... As inesperadas... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem... Vocábulos amados... Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho... Persigo algumas palavras... São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema... Agarro-as no voo quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as; preparando-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas... E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as... Deixo-as como estalactites em meu poema, como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes na onda... 
Tudo está na palavra... Uma ideia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que a obedeceu... Tem sombra, transparência, peso, plumas, pelos, têm tudo o que se lhes foi agregado de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes... São antiquíssimas e recentíssimas... Vivem no féretro escondido e na flor apenas desabrochada... 
Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos conquistadores torvos... Estes andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras, pelas Américas encrespadas, buscando batatas, botifarras, feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca mais se viu pelo mundo... Tragavam tudo: religiões, tribos, idolatrias iguais as que eles traziam em suas bolsas... Por onde passavam a terra ficava arrasada... 

Mas caíam das botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras, como pedrinhas, as palavras, as palavras luminosas que permanecem aqui resplandecentes... o idioma. 

Saímos perdendo... saímos ganhando... Levaram o ouro e nos deixaram o ouro... Levaram tudo e nos deixaram tudo... 
Deixaram-nos as palavras... "

Pablo Neruda
(tradução Olga Savary)


15 Comments:

At 2/4/12 2:58 PM, Blogger marianicebarth said...

Gosto do Neruda! Ainda mais por ele amar tanto as palavras, como eu...

 
At 4/4/12 7:55 AM, Blogger Polemikos said...

Eu entendo e aceito o que Pablo Neruda diz. Afinal, a palavra era o modo de vida dele, não somente de sua carreira profissional mas em quanto artista, sua forma de arte.

Contudo, a palavra não foi gerada/criada pela Natureza. Foi criada, sim, pelo homem. Neste sentido, é algo "artificial". Embora, haja quem diga que foi inspirada aos homens pelos deuses. Não nego que possa ter sido.

Os psicólogos hoje admitem que a palavra tenha algo do Verbo. A geração do pensamento estaria altamente dependente do conhecimento de palavras. Sem um maior conhecimento de vernáculo, sem um vocabulário suficiente, o pensamento estaria restrito a formas mais primitivas.

 
At 4/4/12 11:47 AM, Blogger Polemikos said...

Pablo Neruda. Nome real : Neftalí Basoalto. Morreu em 1973, há portanto quase 40 anos!!!

 
At 5/4/12 1:54 PM, Anonymous marianicebarth said...

Sim, o som é da natureza. Todos os animais produzem sons audíveis. Já estão estudando a possibilidade de que eles tenham uma linguagem próprias de cada espécie. Nós apenas não os compreendemos. Ainda.
O Homem desenvolveu seus sons através da palavra primeiro falada, depois escrita.
A necessidade de exprimir emoções/sentimentos sempre foi no ser humano maior do que ele mesmo.
Já a capacidade de elaborar pensamentos é mais recente alguns milhões de anos, assim como a escrita.

 
At 7/4/12 7:29 AM, Blogger Polemikos said...

Os sons a rigor não existem como tais. Só existem se existirem ouvidos para ouví-los.

Uma pedra cai e se não tiver um ouvido de algum ser vivo por perto, ela não fez barulho nenhum. A Natureza não ouve.

O deserto não "ouvia" a sinfonia no meio do deserto, final de um filme de Herzog.

 
At 11/4/12 4:49 PM, Anonymous primacaçula said...

OS OUVIDOS "ESPIRITUAIS" TAMBÉM ENTRAM NESSA!?
Dizem que a música das outras dimensões é incomparável com qualquer coisa que conhecemos por aqui.

 
At 12/4/12 11:03 AM, Blogger caos e ordem said...

Demorou tanto que eu também sumi. Mas cá tou.
Neruda é Neruda e acabou mas eu quero mesmo AS SUAS PALAVRAS, as suas narrações, suas memórias.
Para mim estar vivo é blogar, seja com comentários ou como autor.
abração a todos

 
At 15/4/12 1:49 AM, Blogger marianicebarth said...

O Polemikos tem de honrar o nome...

 
At 15/4/12 1:52 AM, Blogger marianicebarth said...

E a primacaçula leva tudo mais Além...
Que bom que voltaram, quase todos. Faltou "Aquele Que Nunca Faltava", o querido Timtim...

 
At 17/4/12 2:47 AM, Blogger caos e ordem said...

O que nunca faltava está presente lá em Barbacena e São João Del Rey. A Paixão de Cristo terminou há mais de 1 semana mas a do Tintim parece que é infindável. Nem sei se dou uma cutucada nele para comparecer aqui ou o deixamos em suas nuvens paradisíacas.

 
At 17/4/12 3:39 PM, Anonymous primacaçula said...

Puxa! Bem que dizem que o amor nos prende ao ser amado!






Será que em meio a essa paixão não sobra um tempinho para nós? rrsss...

É, Nice! Estou com saudade das suas histórias.... com "H".

E você, Polemikos, quando vai escrever novamente?

Bjo a todos! Como o renascimento é bom!

 
At 17/4/12 3:41 PM, Anonymous primacaçula said...

Nossa... a linha de cima não era para sair...

 
At 20/4/12 6:18 PM, Anonymous Anônimo said...

SABIAM QUE O TURINI ESTÁ POSTANDO EM SEU BLOG???

E NÃO HAVIA NENHUM COMENTÁRIO?

DESCULPEM...Não estou cobrando nada!
rrrsss. Mas ele ficará feliz, não acham?

 
At 20/4/12 6:47 PM, Blogger marianicebarth said...

Qual a linha que não era para sair, priminhacaçula?...

 
At 23/4/12 4:37 PM, Anonymous primacaçula said...

Bem.... "bem dizem que o amor nos prende o ser amado"!

 

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