sexta-feira, junho 15, 2007

Ainda o DICCIONÁRIO



















Veja a "ortographia" antiga. Isso me remonta à infância, quando mamãe me castigava por qualquer coisa errada que eu fazia. Ela possuía um livro do tempo deste dicionário, chamado "Compêndio de Civilidade", todo nessa "ortographia" antiga e procurava nele uma lição o mais possível parecida com a falta que eu acabara de cometer.
Então me fazia sentar à mesa de jantar, bem de frente para a janela de onde eu podia ver e ouvir as crianças (os Aguiar e os outros primos, Marcos e Mabel) correndo e brincando felizes, sem mim; e nessa mesa ela colocava o tinteiro com a caneta de pena daquelas antigas (quem se lembra?) e me fazia copiar a lição do Compêndio para que eu aprendesse a me comportar... E exigia que a letra fosse linda e sem NENHUM borrão. Dizia:
– Se cair algum borrão, mesmo pequeno, você vai escrever tudo de novo!
E lá ficava eu, copiando com um olho e olhando a correria lá fora com o outro e suspirando de cortar o coração de uma pedra... Conseguia chegar ao fim do enorme (na minha cabeça) texto e já antecipando a reentrada na brincadeira, molhava a caneta no tinteiro e... ponto final no trabalho, com alegria! Com tanta alegria que esquecia de ter aquele máximo cuidado... e... adivinhe, caía um pingo medonho, que eu não queria acreditar. A mão ia à boca, tentando abafar o susto. Mamãe vinha verificar, via o borrão, arrancava a página, amassava e simplesmente dizia:
– Pode começar de novo!
Desta vez eu iria ter mais cuidado. Não adiantava nem pensar em reclamar ou ... o quê?! me rebelar?!!! Eu nem conhecia a existência dessa palavra. Mas conhecia muito bem o significado de obedecer... Pois mamãe era a melhor das mães, mas ela pensava que eu seria a melhor das filhas se tivesse disciplina e obediência... E tudo aquilo era para meu bem!
Copiava tudo e, quando terminava já era quase noite e as crianças já teriam tomado seu banho e as brincadeiras ficariam para o dia seguinte. Era assim e estava acabado.
Nunca tive o menor problema a esse respeito. Nunca amei a ninguém como à mamãezinha, era uma verdadeira adoração; e sabia que ela me amava como a ninguém.
Estava tudo certo e, aquela falta cometida, aquela que me privara da brincadeira, nunca mais o seria, pois o terrível compêndio estava ali para me conter.
E também tenho a certeza e a consciência limpinha de ter sido uma boa filha, de nunca ter dado trabalho, nem na infância, nem na adolescência, muito menos na vida adulta.

7 Comments:

At 15/6/07 5:09 PM, Blogger Polemikos said...

Sem nenhum borrão ...

Isto me lembro de um pequeno fato de minha juventude, onde as coisas não vinham de graça e sapato tinha que ser consertado, quando ia ficando velho ... Levei em um sapateiro vizinho, senhor já bem grisalho e até um tanto curvado ... e quando fui buscar fiquei maravilhado com o sapato "novo" que ele me devolveu. Paguei mas não pude deixar de fazer lhe o elogio. Ao que ele me respondeu :

"Moço, serviço que eu faço, ninguém bota defeito".

Este senhor me ensinou, com sua simplicidade, uma lição que ficou sempre comigo : o orgulho da excelência, de não importa o que estejamos fazendo, coisas grandes ou pequenas, o valor de fazer bem feito e com capricho.

Talvez uma época com menos tecnologia, mas certamente com muita consciência e responsabilidade.

Pudera alguns políticos e dirigentes se espelharem em alguém como o nosso sapateiro. Ou a sua mãe. Teríamos hoje um País melhor.

 
At 15/6/07 9:00 PM, Anonymous Anônimo said...

Fico impressionada como tem lembranças da sua infância que marcaram o seu coração. Sabe que lembro pouca coisa dessa época?
Deve ter ficado tudo lá no meu "porão da minha individualidade"!
O que me lembro é que por ser a menor não fazia as coisas que os maiores faziam e me contentava em ficar perto da mamãe! Ela foi uma presença muito forte na minha vida!
Embora severa e rigorosa, talvez até mais que o "Vital", sempre nos amamos muito!Agradeço ao "céu" pelos pais que tive e que me ensinaram a ser o que sou! Talvez hoje falte um pouco dessa severidade de antigamente.

 
At 15/6/07 9:05 PM, Blogger Antônio said...

Não sabia que a vovó Juventina era tão brava. A única coisa que me lembro bem dela é que nunca a vi sentada, a menos, é lógico, à máquina de costura, fazendo roupas novas para a Nice e remendando as suas. E sempre foi uma velhinha magra, muito magra e sempre em pé. Nunca almoçou sentada com a gente. Almoçava na cozinha com o que sobrava de nossa comida. Não os restos nossos, mas o que sobrava nas panelas. É verdade, minha avó sempre foi uma velhinha sem fome e bem magrinha...
E o fogão era à lenha. Era um fogão à lenha. O Tio Edgar...

 
At 15/6/07 9:24 PM, Anonymous Anônimo said...

Se vovó era brava ñ sei; como disse, lembro pouco de Itapê quando pequena. Estas coisas que o Deto relata recordo bem. O que sei é que hoje ela "vela" por todos nós!
Um beijão, querida vovózinha, que me chamava de "italianinha" por eu ser a única que comia de tudo a partir de certa idade!!!

 
At 16/6/07 2:01 AM, Blogger marianicebarth said...

A vovó não era "brava", era outra coisa: ela simplesmente não ficava brava comigo porque eu não deixava que a coisa chegasse a esse ponto. Eu não podia nem pensar nessa hipótese. Quando eu via aquele triângulo entre as sobrancelhas dela, eu tremia nas bases. Morria de medo de que ela ficasse apenas "descontente" comigo. Na verdade, ela exercia sobre mim um poder tremendo: o poder do amor e da confiança que ela sentia por mim. E assim ela me educou bem e facilmente. Era severa e não admitia a menor mentira ou coisa errada. Vou contar sobre isso.

 
At 16/6/07 7:50 PM, Anonymous Anônimo said...

Comovente, emocionante esse "texto-reminiscência". Que maravilha de educadora! Que doçura de filha!
Quanta psicologia aplicada!
Felizes de nós que podemos rememorar
tão "santas" educadoras. Santas, sim, com os seus defeitos, mas com muito amor materno que as redime de qualquer falha humana. Enquanto eu era professor de Psicologia da Educação, dedicava quase uma aula inteira para falar deste assunto. Erros de educação, quando com verdadeiro amor, qualquer filho sabe perdoar.

 
At 19/6/07 10:27 AM, Blogger marianicebarth said...

Timtim, primeiro, não penso que foram erros de educação. Acho que as crianças precisam de alguma disciplina, muito respeito e até alguma deferência para com os pais. Nunca pensei em reclamar disso que contei aqui com orgulho por ela. Ela me deu o melhor de si, o que resultou conseguir puxar o melhor de mim. (É claro que às vezes eu não entendia na época...). Mas confiava que ela estava certa. Confiava nela, por que sabia que me amava muito.
E, primacaçula, já percebi que a maioria das pessoas não se lembra da infância, principalmente da fase anterior aos 8 ou 10 anos. Suponho que por ter sido, essa infância, muito normal, nos moldes convencionais.
Por favor, que NINGUÉM pense que alguma vez reclamei de alguma coisa em relação à mamãezinha, porque não seria verdade. É óbvio que ela não teria sido perfeita. Mas para mim, era.

 

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