quarta-feira, julho 09, 2008

Don Juan

— Meu nome é João. (ai meu Deus!... como se eu não soubesse...)
E o céu se abriu num mundo de luzes e cores, um mundo novo e estranhamente mágico, onde só existiam duas pessoas: ele e eu... dentro daquele compartimento recém-descoberto e muito secreto do meu coração, pois "não ficava bem" naquela época uma menina de família demonstrar esse tipo de sentimento, ainda mais quando era unilateral.
Visto de perto ele não era tão bonito, mas eu o percebia ainda mais atraente, os olhos mais verdes, esmeraldas brilhantes, molhadas, cofres de mistério, sempre semi-cerrados por cílios curvos e pretíssimos e sobrancelhas másculas, grossas.
Os olhos do João eram seu ponto forte, pois dardejavam a gente de uma forma única, surpreendente e intensa como um sorvedouro. Faziam-me lembrar Capitu e seus olhos de ressaca. Eram realmente irresistíveis.
Começou então uma paquerinha disfarçada, ingênua, feita só de conversinhas nos intervalos entre as aulas, troca de idéias, olhares meigos, essas coisinhas que faziam a delícia da vida de uma adolescente do meu tempo.
Naquela altura o João ainda não se resolvera entre as inúmeras candidatas, mais ou menos atiradas que lhe choviam em cima, de todas as idades. O João era todo feito de mel, nascido para conquistar, agradar e deslumbrar... Acho que nós três éramos uma novidade para ele, pois não nos atirávamos... e ele não se sentia provocado, nem desafiado. A não ser pelos meus rubores, indisfarçáveis, ele jamais soube o que se passava em meu coração. Gostava de dizer que eu era "tímida e meiga". Hoje olho para trás e penso que ele estava certo. Era tudo muito novo para mim, nos meus recentes catorze anos.
Se bem me lembro ele ainda estava namorando a filha do prefeito. Daysinha já ficara para trás. Nenhuma durava, um verdadeiro Don Juan...
“Aqueles Olhos Verdes" tornou-se a minha música predileta naqueles dias. Alguém se lembra?
“Aqueles olhos verdes, translúcidos, serenos,
Parecem dois amenos pedaços de luar...
Mas têm a miragem profunda do oceano
E trazem todo o engano das procelas do mar”...
A Lydia namorava o Chiquinho e a Maria Lúcia estava apaixonada pelo José Carlos. Por isso estavam mais ou menos imunes ao encanto do João. Mas eu... não...
Para encurtar a história, essa “paquerinha” que começara em abril durou até agosto de 1957 e o namorinho só começou em setembro e durou apenas um mês e meio, mas foram os quarenta e cinco dias mais maravilhosos que eu vivera até então. Aos sábados e domingos ele podia passear comigo em frente à minha casa, mamãe-dragão na janela, vigiando; e suas ordens eram rígidas: “Vocês vão andando até a esquina e voltam, depois até a outra esquina e voltam. Não parem!” E nós cumpríamos direitinho. Nada de pegar na mão, nem sombra de beijinhos, nada disso. Mas era adorável ouvir as frases românticas, os elogios, sentir-me derreter sob os olhares de admiração e ser hipnotizada pelo encanto e magia em que o João era mestre.
Todas as manhãs ele chegava mais cedo à Escola, todas as vezes me trazendo alguma coisa: uma rosinha-chorão, uma margarida, ou mesmo uma folha de árvore com nossos nomes escritos. Uma vez me deu de presente um álbum de figurinhas que “completara para mim”, com dedicatórias de amor que me faziam quase levitar... Tudo era cuidadosamente guardado numa caixa e olhado todas as noites antes de dormir. Eram os meus tesouros.
Um mês e meio...

8 Comments:

At 19/7/08 1:53 AM, Blogger marianicebarth said...

Só uma adolescente romântica e absolutamente ignorante sobre o amor pode sentir tudo isso que senti naquele tempo... e não vou cansar a beleza de vocês me estendendo mais do que já me estendi. Mas a verdade é que vivi num encantamento de "descoberta do outro" e esses sentimentos novíssimos para a criançona que eu era, realmente me faziam flutuar numa nuvem rósea e macia. Primacaçula, sim, lembro-me de quase tudo como se fosse ontem.

 
At 19/7/08 8:15 PM, Anonymous Anônimo said...

Essas emoções maravilhosas ficam para sempre guardadas em nosso coração. E hoje será que com a nossa adiantada idade não gostaríamos de sentir isso de novo? Acredito sermos para sempre, "um pouquinho adolescentes, criançonas e ingênuas". Porisso às vezes nos desiludimos um pouco.

Sua mãe deixou passear com essa idade com o namorado? A minha, com quinze anos relutou bastante!

O João devia estar apaixonado, pois conquistador que era, andar apenas de uma esquina à outra sem parar, era demais!
oarcm

 
At 20/7/08 12:34 PM, Blogger marianicebarth said...

Mamãe, sua Vovó, era super/hiper/arqui/ultra severa e rígida moralmente, como você sabe. Não contei esses detalhes aqui, mas um dos motivos que o "namorinho" demorou mais de seis meses (!!!) para acontecer, foi a negativa dela. Não queria deixar de jeito nenhum, mas... acabou vendo que eu estava apaixonadinha. E o João, quanto mais difícil, mais me valorizava. Então, quando mamãe percebeu que estava dando murros em ponta de faca porque eu estava vendo o rapazinho todas as manhãs e algumas tardes na escola, resolveu jogar com inteligência e consentiu no namoro, mas naquelas condições de ir e voltar até as esquinas e sem parar.

 
At 20/7/08 12:36 PM, Blogger marianicebarth said...

Desculpe, oarcm, eu confundi você com outra pessoa, novamente.

 
At 22/7/08 10:23 AM, Blogger Polemikos said...

Ignorante do amor?

Discordo, discordo veementemente!

É só nesta fase que a gente sabe o que o amor! O amor gratuito, sem objetivo, o amor que não procura nada e se contenta em si mesmo!

Está certo certo que não dura ... mas como dizia o nosso poeta ...

 
At 22/7/08 4:14 PM, Anonymous Anônimo said...

"QUE SEJA INFINITO ENQUANTO DURE".

 
At 22/7/08 4:14 PM, Anonymous Anônimo said...

"QUE SEJA INFINITO ENQUANTO DURE".

 
At 30/7/08 11:24 AM, Anonymous Anônimo said...

Viajei no dia 10 de julho, sem ler esta maravilhosa página. O que me causa admiração é como você, Nice, ainda hoje, pode descrever com tantos detalhes, transmitindo as emoções, sentimentos vividos há mais de 40 anos!. Que venha o livro! Timtim

 

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