quinta-feira, junho 03, 2010

Aguardando a Chegada dos Primos

1952
Todo mês de Junho, lá pelo final do semestre, eu já começava a ficar ansiosa. "Eles" iam chegar! 
Adrenalizada, as aulas terminando, eu não conseguia parar quieta. 
Levava "pitos" o dia todo: Para um pouco, menina! Para de correr pra cá e pra lá! Para de pular! O que você tem? Vê se acha alguma coisa pra ler! Arre! Dá sossego! 
Mas eu não conseguia. Corria para o quintal, cavocava o reboco do muro para ver se encontrava mais ovinhos de lagartixa, deitava na grama para acompanhar as formigas, procurava trevos de quatro folhas, nunca achei nenhum... e por último subia na mangueira, fingia de Tarzan, porque a Jane não subia em árvores. Pena que não tinha um cipó... Mas tinha uma corda... Descia correndo, ou melhor, pulava lá de cima. Procurar a corda não levava muito tempo, num dos dois quartos da edícula, onde ficavam a "oficina" de papai e o "laboratório fotográfico", vulgo "quarto das ferramentas" e "quarto escuro", como eram chamados na época. 

O quarto das ferramentas sempre me fascinou. Até hoje adoro olhar ferramentas de todo tipo nas lojas de departamentos, perco um tempão examinando tudo. Martelos, alicates, torqueses, formões, tenazes, o pé de ferro de sapateiro, chaves de fenda de todos os tamanhos, pregos e parafusos idem, todos me lembram meus nove, dez anos... Mas o que eu mais amava mesmo, era o ferro de soldar. 



Papai sempre me avisava quando ia soldar alguma coisa e lá ia eu, já antecipando as fases: primeiro seria aceso o fogareiro antigo, feito com tijolos no chão e alimentado com brasas da cozinha que papai sopraria com o fole até aparecer o fogo, e só então ele colocaria entre as brasas vivas a ponta de cobre e... a maravilha — ela iria mudando de cor para um vermelho-laranja incandescente e o mundo se resumiria nisso: a alquimia, a transmutação...               

Naquele tempo, é claro, nem me passava pela cabeça a estranheza dessa atração incontida pelo fogo e pelas brasas, mas hoje penso que é como se aquela imagem me transportasse a um outro tempo, talvez a uma outra vida, (perdoem-me os que não crêem, mas é exatamente o que eu sinto). 
E era num canto naquele quarto que ficavam as cordas, bem enroladas. Eu pegava um pedaço de bom tamanho e corria de novo para a mangueira, subia até um galho forte, amarrava-a bem e pronto: Tarzan podia dar seu grito rouco e se pendurar e balançar à vontade. 
E assim o tempo passava e a espera pelos primos era amenizada.

9 Comments:

At 3/6/10 7:47 PM, Blogger marianicebarth said...

As imagens são da Internet. O ferro de soldar é um pouquinho diferente, a cabeça de cobre era mais curta e mais larga. Tenho-a comigo até hoje.
A mangueira é bem parecida. Tinha até os galhos cortados que eu fazia de escada. O pé de sapateiro é igual, está comigo também, mas o fogareiro no chão é diferente, o do papai era mais concentrado, pelo que me lembro.

 
At 3/6/10 8:20 PM, Anonymous primacaçula said...

Como é bom ler algo que nos transporta a um tempo de criança, no meu caso, quatro anos na época.
Não me lembro de muitas coisas, mas me recordo da casa da vovó: do fogão a lenha, do quintal que me parecia imenso, dos quartinhos do vovô onde era proibido entrar, me parece!
Lembro-me também de histórias de fantasmas, é isso mesmo, Nice? que me assustavam bastante!
Eram maravilhosas essas férias lá em Itapê, embora eu ficasse "grudada na mamãe", talvez pela diferença de idade.
Mais tarde, quando adolescente, as experiências eram outras: as primas, filhas da tia Pique, os primos... alguns até "interessantes", os fãs que surgiam no jardim ou nas festinhas que íamos.
Lembro-me muito bem de um menino que se encantou por mim, pedindo que antes de eu ir embora, lhe falasse. Não o fiz e quando retornei nas férias seguintes ele havia desencarnado de uma doença muito grave, o que me deixou com tristeza e arrependimento. Devia ter uns 17 anos e era filho de uma colega da mamãe de escola.

 
At 3/6/10 8:34 PM, Anonymous timtim said...

A artista já despontava, atraida pelas ferramentas (que têm mesmo um fascínio sobre crianças inteligentes). Eu vivenciei estas experiências, mas por um lado diferente, pois era eu que ia para o sítio de meus avós maternos e tudo era festa. Tomar leite "ao pé da vaca", cercar um frango para ser feito no almoço, apartar os bezerros, tratar dos porcos. à noite, no fim de semana, quase sempre tinha um terço na casa de algum sitiante vizinho e, depois, um baile animado (baile na tulha).
A gente era feliz e não sabia!

 
At 3/6/10 11:26 PM, Blogger marianicebarth said...

As histórias de fantasmas não podiam faltar na casa da Vovó Tina! Sempre eram contadas na cozinha, tomando café com leite e pipoca. E, diga-se de passagem, a Esther não deixava vocês tomarem café, mas sim um bom e saudável leite com Toddy!
Aprendi com ela e fiz o mesmo com meus filhos.
E também a banana amassada com Toddy e aveia, que adoro até hoje, mas meus filhos não.
Só uma coisa era horrível de tomar e quando ela chamava, vocês todos iam de boa vontade e ainda faziam fila! Eu tentava escapar, mas ela me chamava de volta... Era o horroroso Óleo de Fígado de Bacalhau!

 
At 3/6/10 11:31 PM, Blogger marianicebarth said...

timtim, essas experiências que você citou, eu tive a felicidade de conhecer bem mais tarde, nas fazendas dos amigos do pessoal de casa e depois de casada anualmente nas fazendas da família do Nelson. Levantar de madrugada para ver tirar leite das vacas, brincar com os bezerrinhos, e todas as outras coisas que se faz numa fazenda...
E a comida, Timtim? Tem coisa melhor que um arroz soltinho, um feijão temperado com tudo dentro e uma sopa-creme de mandioca com picadinho de carne, feitos num grande e antigo fogão de lenha?

 
At 4/6/10 12:48 PM, Anonymous primacaçula said...

Você não vai acreditar mas até hoje tomo Óleo de Fígado de Bacalhau. Acho bom e sei que faz bem.
Uma nutricionista de Limeira, amiga da M. Christina, disse que uní-lo à Cápsulas de Alho e Própolis aumenta muito a imunidade.

Os comentários de vcs. me fizeram sentir uma "saudade de doer"!

 
At 4/6/10 12:51 PM, Anonymous primacaçula said...

Adoro também essa "banana" amassada, que dei aos meus filhos.

Hoje não sei se gostam mais.

 
At 7/6/10 6:37 AM, Blogger Polemikos said...

Quando vai sair seu livro de memórias?

 
At 7/6/10 1:13 PM, Blogger caos e ordem said...

Como diz o mineiro Timtim: Tatu do muito bom. Cheguei atrasado e já comentaram um monte.
Resta para este caótico ordenado comentar que o tal óleo era o Emulsão de Scott.
Quando entrei no seminário descobri que eu era um excepcional gostando dele (o óleo), todos os outros meninos falavam que era horroroso. Hoje penso que minha mãe teve muita psicologia para empurrar o óleo e me fazer achar bom.
Muito diferente de outro óleo, o vermífugo chamado de TIRO SEGURO. Êsse eu só tomava ameaçado pelo trançado de couro, que estava sempre atrás da porta.
Tanto o trançado (disciplina), como os óleos tiveram parte importante na construção deste Zecão.

 

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