domingo, junho 06, 2010

As bicicletas

    

Engraçado, na minha memória ficaram gravadas tantas coisas... Mas nas memórias dos primos ficaram outras.
O Deto se lembra mais das bicicletas que alugávamos, pois uma única bicicleta (a minha velha BSA) para quatro convenhamos, era muito pouco.  
        
                                                                                  
Papai comprou essa bicicleta em 1948, quando fiz cinco anos e me lembro que chegou todo animado: Nice, olhe o que eu trouxe para você! Olhei para ele e senti, mais do que vi, o orgulho em seus olhos. É usada, continuou meu pai, mas está em ótimo estado! Vamos, vou ensinar você a andar nela...
Olhei para a bike e vi que ela era "ele", pois tinha a barra horizontal que a identificava como masculina... Era um pouquinho grande para mim, mas como tudo o que eu ganhava era grande para durar mais tempo, eu não me importei nem um pouco com isso. Coisas do pós-guerra em que o dinheiro era muito curto...
Andei nessa bicicleta até os treze anos, quando realmente já não me servia e eu  já estava mocinha.. e tornamo-nos uma espécie de centauro, a BSA e eu. 
Mas, quando os primos queridos vinham, uma vez por ano, tínhamos de alugar outras para eles e íamos até o bairro mais distante, conversando, eu sempre encantada com a presença deles, adorando cada minuto que passávamos juntos. 
A Maria Cecília fala muito nas histórias de fantasmas, contadas ao pé do fogão de lenha, sempre aceso e tornando quente e aconchegante a cozinha. 
Mas para a Maria Christina, as lembranças ficaram concentradas na grande briga que tivemos quando eu tinha sete anos e ela oito e meio. 
Lembro-me como se tivesse acabado de acontecer. O Flávio José estava deitado na rede e caçoando de mim, por qualquer palavra errada que pronunciei e a Maria Christina ria muito. Eu fiquei bem chateada com as caçoadas, principalmente com minha prima, que  ria com tanta vondade que parecia que eu havia feito uma palhaçada das maiores. O senso de ridículo tomou conta de mim. Primeiro pedi que parassem, mas ao constatar que ela continuava, fui ficando tomada por uma enorme humilhação que de repente começou a se transformar em raiva crescente... E as gargalhadas continuavam...  
Quem quer que tenha ouvido minha prima Maria Christina caçoar de alguém e rir da vítima às gargalhadas, talvez possa me entender. Não sei como aconteceu, mas de repente eu estava com as mãos no pescoço da Maria Christina, gritando para ela parar de rir de mim...
Tenho certeza de que não queria machucá-la, nem matá-la... e hoje nós duas rimos disso, mas durante muitos anos Maria Christina só falava disso para todo mundo a quem me apresentava... O que não era nem um pouco agradável: Esta é minha prima Nice, aquela que pulou no meu pescoço quando éramos pequenas... Ahahahahah! E ri de novo! 
O pior de tudo foi que a Esther começou a arrumar as malas dizendo que iriam embora porque a "Nice quis matar a Maria Christina!" 
Nunca me senti mais injustiçada... Pois se essa prima era a minha melhor amiga! A mais querida! Lembro-me também do aperto que senti na garganta, querendo me explicar e não conseguindo. Não podia acreditar que alguém pudesse pensar que justo eu, a menina magrinha e fraquinha tivesse enfrentado pra valer a menina mais velha e mais robusta, que poderia ter me atirado longe com um piparote! Pode ser que ela tenha rido tanto que perdera as forças...
No fim, mamãe e não sei mais quem entraram no meio, fazendo a Esther desistir das malas, mas  uma coisa  dessas não poderia ficar sem castigo, e assim, tivemos de passar a tarde sentadas uma de costas para a outra, fazendo um BORDADO! Horas bordando um tecido! "Isso é para se acalmarem!" disse mamãe. 
E como a afeição eterna que nos unia era mais forte, no fim da tarde rindo juntas e já  planejando peraltices para o dia seguinte... 

Quais serão as lembranças do Flávio José? Tenho de perguntar a ele para completar essa história.

                                                                     

12 Comments:

At 6/6/10 9:39 PM, Blogger caos e ordem said...

Sua destemperada, ficou uma semana parada com aquele coração trancado, e acora disparou a escrever. Além de tudo pegou a gente distraído com o hospital do Shiost.
Agora espera eu ler tudo com calma para depois comentar.

 
At 6/6/10 10:04 PM, Anonymous timtim said...

Nice, pula no pescoço do Zeca.
Isso são modos, meu irmão, de receber uma narrativa tão repleta de emoções, de sentimentos recalcados, de lembranças que, certamente, influenciaram na formação da personalidade desta artista, chamada Nice.
Toda esta narrativa merece uma profunda análise psicológica. Não vamos fazê-la agora, mas quero ressaltar o seguinte: costuma-se dizer que quem bata esquece, mas quem apanha não esquece nunca. No entanto, a Nice se recorda pormenores do ocorrido. Arrisco uma interpretação: é porque não foi um ataque maldoso, mas a explosão de uma alma sensível ferida pelo riso incessante da prima Cristina. Na verdade, quem bateu primeiro foi a ridente.
Bom que tudo serviu para consolidar uma grande amizade.

 
At 6/6/10 11:28 PM, Blogger marianicebarth said...

Obrigada, Timtim! Foi isso mesmo! Eu só queria fazer parar aquele riso galhofeiro dela... Ninguém aguenta ser motivo de risada, não é mesmo? Quem já não teve essa experiência?
Mas a raiva passou rapidinho, porque no fundo eu gostava tanto dela que jamais teria querido machucá-la... E depois, se você tivesse nos conhecido na infãncia... Ela era uma menina forte, vibrante, combativa, e eu a admirava mais que a qualquer outra pessoa, exceto o Flávio José, o irmão mais velho...
Eu era aquela magricela sem jeito... Se ela quisesse mesmo, de verdade, teria me jogado longe...
Hoje é a prima querida que gosta de mim tanto quanto eu dela e sempre foi assim...
De qualquer modo, depois desse fato, parece que ganhei o respeito dos dois... e nunca houve mais nada desse tipo entre nós.

 
At 6/6/10 11:30 PM, Blogger marianicebarth said...

Zeca, espero você ler tudo com calma, mas devo pedir a você um comentário em cada post?

 
At 7/6/10 6:51 AM, Blogger Polemikos said...

Eu nunca tive uma bicicleta de 2 rodas. Tive apenas um triciclo, de que, a rigor, nem lembro mas que fico documentado em umas fotos antigas de família que herdei.

 
At 7/6/10 2:07 PM, Anonymous primacaçula said...

É... o FAMOSO JEITO SARCÁSTICO DA FAMÍLIA... (tive que escrever com miúscula) que tanto irrita o meu maridinho!

Isso já trouxe bastante confusão, não só essa descrita pela Nice, mas muitas...outras, causadas por alguns membros da família, inclusive eu, é claro.
Como ficar fora do GEN?

 
At 7/6/10 2:09 PM, Anonymous primacaçula said...

Achei muito interessante quando citou o primo mais velho, o Flávio José....

 
At 7/6/10 4:41 PM, Blogger caos e ordem said...

Vai minha interpretação da briga. Meninos gostam de mexer com as meninas. Muito provavelmente o Flávio José estava galhofando mas no fundo estava querendo chamar a atenção da priminha e não ridicularizá-la. Impossível a menina de 7 anos levar para esse lado (sentir-se valorizada pelo primo) e deu no que deu.
Agora vamos a um teste: alguma outra vez na vida a blogueira já partiu para as vias de fato?

 
At 7/6/10 5:47 PM, Anonymous primacaçula said...

Você não sabe, Zeca, que
o primo não precisava fazer essas coisas para chamar a atenção, pois já chamava? Era lindo!

Era gozação mesmo! É o mal da família!

 
At 7/6/10 6:01 PM, Anonymous primacaçula said...

Zeca! O meu irmão mais velho não precisava fazer isso para chamar a atenção da prima.
Era o mal de família mesmo:gozação!

 
At 7/6/10 6:02 PM, Anonymous primacaçula said...

Sairam dois iguais!

 
At 7/6/10 7:10 PM, Blogger marianicebarth said...

Acabo de postar uma briga de verdade...

 

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