quarta-feira, março 09, 2011

Atração Irresistível - II

Selo da Maçonaria
Continuei obedecendo à mamãe e indo à missa aos domingos, acompanhando as procissões em datas específicas, na Semana Santa e no Mês de Maria, mas ao mesmo tempo sentia-me atraída pelo lindo templo protestante, de onde ouvia músicas maravilhosas cantadas pelo coro a cada vez que passava por lá.

Com meus nove anos, era uma moleca, magrela e espoleta, hiper-ativa e curiosa.


Nice - 9 anos

Houve uma ocasião em que uma turminha, umas quatro ou cinco crianças lideradas por um menino mais velho - essa lembrança está um tanto nebulosa - que segui numa excursão por Itapetininga para praticar malvadezas do tipo apertar campainhas e sair correndo. Suponho que eram os primos que chegaram, cheios de energia, para as férias escolares. Poderiam ser o Flávio José, a Maria Christina, o José Marcos e a Mabel (13, 11, 8 e 6 anos).

Saímos ao cair da noite a andar pelo centro sem destino, novidade absoluta para mim. Depois de muitas campainhas, fomos chegando ao Largo do Rosário, com a igreja antiga.

Na esquina alguém da turma (teria sido o Flávio José?) parou em frente à imensa porta do casarão, dizendo que era a Casa da Maçonaria, que ali eram praticados estranhos e terríveis rituais, que havia muitos mistérios, muitos segredos, e quem contasse era morto sem perdão, ninguém escapava, eles perseguiam até o fim do mundo e matavam de forma horrível! E só podiam entrar homens, mulher nenhuma jamais fora aceita - e por aí além, tudo isso foi deixando os menores arrepiados de medo. Em seguida olhou pelo enorme buraco da fechadura, daquelas de chave grande, de ferro, soltando um grito. Seus olhos arregalavam-se de terror. “Olhem! Olhem!" "Oquê?" "O quê?" "Tem um homem assustador lá dentro!” "Mentira, você só quer nos assustar!" "Não! É verdade!"

Nós queríamos correr dali, mas ele nos instava a olhar. O medo lutava com a curiosidade, a primitiva atração do perigo. Depois disse que estava brincando, que não tinha nada, que éramos uns poltrões, uns covardes, e tanto falou que resolvemos olhar um por um. Rapidinho, passamos um olho pela fechadura e saímos todos gritando. Realmente havia um homem lá dentro, um velho terrível, com uma barba grisalha muito comprida, sobrancelhas cerradas e hirsutas, olhar indescritível, roupa escura, segurando uma foice enorme e dirigindo-se para a porta. Ia nos pegar e nos matar com aquela horrível foice! Saímos berrando de medo pelas ruas até chegarmos à nossa casa, sem fôlego, coração na boca. Mas antes de entrar o menino maior (Flávio José?) nos fez prometer que não falaríamos nada para os adultos. E depois não agüentou mais e começou a rolar de rir. “Seus tontos! Não era um homem de verdade! Era uma pintura na parede... Bocós!... Ahahahahaha!”

De qualquer maneira, aquela figura, pintura ou não, assombrou minhas noites por muito tempo. Mas também me aguçou a curiosidade. O que seria a Maçonaria? Porque a pintura do velho monstruoso na parede bem em frente à porta? E que mistérios escondia? E que segredos? Ai, segredos... Como me deixavam eriçada! E porque não aceitavam mulheres? O que se passava exatamente lá dentro? Ai, meu Deus, que vontade de saber!

Aquela pequena aventura valeu muitos dias de caçoada do menino maior. Começava a rir de repente, apontando para nós, ao mesmo tempo que levava o indicador aos lábios obrigando ao silêncio. E eu o adorava. Como era inteligente! E como sabia coisas que ninguém imaginava!

No fim das férias os primos foram embora e eu agora sabia que na cidade havia um casarão muito alto com uma porção de segredos. E eu não podia dizer a ninguém. Passava sempre por aquela esquina e um arrepio gelado me percorria, e morria de vontade de olhar pelo buraco da fechadura. Envergonho-me de contar que nunca mais tive coragem.

8 Comments:

At 9/3/11 11:24 PM, Blogger irmãcaçula said...

Impressionante!
Eu, que nessa empreitada devia estar colada "à barra do vestido da mamãe" me sinto agora como se estivesse junto com vocês, espiando na maçonaria, apertando a campainha das casas...

Que bom "viajar" com você, Nice.

 
At 9/3/11 11:26 PM, Anonymous primacaçula said...

Não sei porque assinei... "IRMÃ CAÇULA".

 
At 10/3/11 9:41 PM, Anonymous timtim said...

Que peralta! Adoro essas reminiscências de infância.Acho que são reveladoras da personalidade.
Agora esclareça duas coisas: quem é o Flávio José e... Você ainda é muito curiosa? Quero saber quem é o Flávio para seguir melhor os capítulos. Volte a pensar no livro.

 
At 10/3/11 10:48 PM, Blogger marianicebarth said...

Timtim, Flávio José é o irmão mais velho do Deto e da Maria Cecília. E os quatro ou cinco primos desta aventurazinha eram, além do Flávio José, a outra irmã dele, Maria Christina, e o outro par de irmãos Mabel e José Marcos. Eram sempre eles os meus primos das férias. O Deto teria sete anos e pode ser que estivesse junto, mas a Maria Cecília, com quatro, com certeza não estava...

 
At 11/3/11 3:23 PM, Blogger Polemikos said...

Voce tem alguma idéia do que era aquela imagem monstruosa? O guardião do umbral, talvez?

 
At 11/3/11 7:19 PM, Anonymous timtim said...

Ficou faltando me responder à outra questão: Vc ainda é muito curiosa?

 
At 11/3/11 11:19 PM, Blogger marianicebarth said...

Turini, o velho com a foice, segundo Dan Brown, simboliza a Morte. Diz ele na pág. 162 que "Ao meditar sobre o caráter inevitável da morte, um maçon adquire uma valiosa compreensão sobre a natureza efêmera da vida."

 
At 11/3/11 11:22 PM, Blogger marianicebarth said...

E hoje, com olhos idosos, não creio que o velho fosse tão medonho. Sustos de criança... Pela lembrança colorida, acho que era apenas severo, como a morte nos parece... Um velho de barba comprida e grisalha, muito bem pintado.

 

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