quarta-feira, março 09, 2011

Atração Irresistível




Nice aos três anos
 
É curioso como a leitura de alguns livros nos reportam a outras épocas de nossa vida em que ainda engatinhávamos cegamente em direção ao nosso crescimento pessoal.
Terminei de ler o último livro do Dan Brown, "O Símbolo Perdido", que focaliza basicamente a Maçonaria, mas acaba unindo num só feixe muitas das outras filosofias religiosas, esotéricas ou não.
A que confusão chegou o ser humano estudioso e desejoso de aplicar rótulos...
Rótulos ou não, o que interessa é a atração irresistível que esse assunto me provoca.

Mais um pouco da minha história (como o querido Deto, recuso-me a escrever "estória"...):

Já contei aqui como fui parar na casa dos tios de minha mãe biológica, quando meus pais se separaram. E que os chamava de papai e mamãe, e aos filhos deles, de irmãos.
Desde muito criança, uns três anos de idade, obediente, mas curiosa, era levada à "Reza" (assim era chamada a missa da noite) da igreja de N. Sra. do Rosário. Mamãe pedia às amigas que me levassem. Demorei um pouco para perceber que ela não ia nunca. Por quê? Não me competia descobrir no início.
Mamãe era extremamente religiosa. Havia sobre sua cômoda antiga e alta algumas estampas que eu achava lindas: uma de Santa Therezinha do Menino Jesus, uma de Santo Antônio rodeando uma de Nossa Senhora e, muitas vezes, uma vela acesa em frente a elas. Eu respeitava e me surpreendia espiando da porta, um pouco inquieta, quando mamãe unia as mãos e "conversava" sussurrando com eles. Em algumas ocasiões especiais, apoiava a testa nas mãos e meneava a cabeça. Em outras chorava silenciosamente. Não me atrevia a perturbar tal "conversa". Não me lembro se ela fazia ou não o sinal da cruz. De qualquer maneira aquela atitude parecia a meus olhos infantis algo mágico e misterioso.
Mais tarde, aos cinco anos, ela me fez frequentar o catecismo para me preparar para a Primeira Comunhão. Eu ia sozinha. Comecei a perceber então que ela não ia à igreja, a não ser para batizar algum neto ou afilhado. Papai também.
Fiquei sabendo, não me lembro como, lá pelos sete anos, que papai era kardecista. Edna, a irmã mais velha, também. Acho que foi ela quem me contou. Mas não se falava sobre isso. Os outros irmãos eram católicos, exceto a Belinha, também kardecista. E ainda um pouco mais tarde descobri que mamãe não era católica, mas “ecumênica”. O significado da palavra me foi explicado e entendi perfeitamente que mamãe poderia ir a qualquer igreja que desejasse. Ou não ir a nenhuma... Seu altar estava sobre sua cômoda e era lá que ela entrava em comunhão com Deus, seus santos e seus anjos.
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(Ecumenismo (ou eucumenismo) é o processo de busca da unidade. O termo provém da palavra grega "oikos" (casa), designando "toda a terra habitada". Num sentido mais restrito, emprega-se o termo para os esforços em favor da unidade entre igrejas cristãs; num sentido lato, pode designar a busca da unidade entre as religiões ou, mesmo, da humanidade. Neste último sentido, emprega-se também o termo "macro-ecumenismo").
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Mas qual não foi o meu espanto quando, durante uma confissão, o padre me disse que “só quem era católico entrava no céu”. Fiquei horrorizada e muito preocupada. Não tive coragem de contar a ele que minha família não passaria no teste. E também não podia dizer isso em casa
Foi aí que me revoltei. Se mamãe e papai não podiam, eu também não queria “entrar no céu”... Em seguida refleti muito dentro da minha pequenez, conversei com várias pessoas de outras religiões, procurei obter um visto para o céu para meus pais e irmãs fora da linha. Se mamãe era a pessoa melhor e mais caridosa que eu conhecia, se minhas irmãs kardecistas só pensavam em ajudar os necessitados, se nossa casa vivia cheia de pobrezinhos que chegavam de longe para almoçar ou para serem medicados, como podia ser verdade que Deus quisesse barrá-los?
Alguma coisa estava muito errada.  E eu passei a não acreditar no que os padres diziam...
Além disso, havia certas perguntas muito estranhas de certo velho padre no confessionário... “Você tem maus pensamentos?” Vasculhei minha cabeça à procura de algo que pudesse ser rotulado assim e respondi que, às vezes, eu ficava com um pouco de raiva quando mamãe não me deixava fazer alguma coisa que eu queria muito, ou me obrigava a escrever páginas e mais páginas do antigo Compêndio de Civilidade, todo escrito em "ortographia" antiga... E o padre disse que não era a isso que estava se referindo, para eu pensar melhor... Eu não gostava dessas perguntas, não entendia, procurava mais e encontrava "outro pecado" e contava que “noutro dia respondi mal à mamãe”... Mas também não era isso que ele queria ouvir. No fim ele desistia.
Mas eu... que já não acreditava em tudo o que os padres diziam, passei a desconfiar deles...

Nice e o rádio




(Vou dividir a história em capítulos para vocês lerem com mais paciência, viu, Zeca?)

4 Comments:

At 9/3/11 3:51 PM, Blogger marianicebarth said...

Tá aí! Vocês pediram, resolvi voltar a escrever novamente. Foi um parto... Nove meses desde que o Deto foi para o Outro Lado...

 
At 9/3/11 4:28 PM, Blogger Polemikos said...

A religião ocupava um espaço grande em nossa meninice ... mas assim como você, fui criado no catolicismo. E acabei me afastando, não propriamente da religião, mas do catolicismo por uma série de coisas semelhantes as que você citou.

 
At 9/3/11 11:19 PM, Anonymous primacaçula said...

Que maravilha poder ler estas histórias, Nice.
Mamãe me contou que só ela era católica e que um dia ao jogar seu livro de orações surgiu um anjo dizendo que não se afastasse da Igreja.
Eu me afastei quando ao me tornar "marxista" fiquei de mal com Deus e as religiões.

Engraçado que mais tarde me tornei "Kardecista" como você se refere ao Espiritismo, seguindo o vovô, tia Edna e Belinha.

Vovó era ecumênica que costumava ver espíritos e falar com os "médicos do espaço", pelo que mamãe me contou.

 
At 10/3/11 9:31 PM, Anonymous timtim said...

VIVA! VIVA! Ela voltou, e a todo vapor.Vou correndo para o próximo capítulo.

 

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