Atração Irresistível V
Como eu dizia, éramos obedientes, estudiosas, confiáveis, alegres como passarinhos, entusiasmadas, enfim, umas verdadeiras perfeições. Bem... Essa não é exatamente a verdade, claro.
Mas não estávamos muito longe disso, posso afirmar. Algumas eram mais maduras, outras mais velhas, outras mais novas, mas eu era a mais novinha e criançona, sem a menor malícia, bobinha total.
Alguns meses antes...
Quando cheguei a São Paulo em Janeiro de 1960, e apenas durante o mês de cursinho, fiquei em outro pensionato, pertencente ao colégio Santa Marcelina e que funcionava numa mansão no topo da Rua Cardoso de Almeida.
As meninas de lá, pensionistas habituais estavam em férias e seus quartos eram alugados para candidatas à Faculdade de Artes.
As meninas de lá, pensionistas habituais estavam em férias e seus quartos eram alugados para candidatas à Faculdade de Artes.
Meus dezessete anos só seriam completados em março e, criada à rédea curta e super-protegida, numa pequena cidade do interior paulista, onde ainda se dançava ao som de orquestra (que saudade), onde se namorava só “de longe”, onde o decoro era o principal, tanto entre as moças quanto aos rapazes, onde o máximo permitido era pegar na mão; onde dançar de rosto colado era uma façanha deliciosa, mas não aprovada pelas mães e tias lá de cima do balcão vigiando as próprias filhas e principalmente as dos outros.
Era tão rigorosa a sociedade itapetiningana, tão separados os rapazes das meninas, que não se podia passar pela sala de snooker, reduto masculino. Seria um escândalo se alguma mocinha ousasse passar por lá. Morria-se de medo de "ficar falada". E podia-se ficar falada por pouco ou por nada. Olhos maliciosos e ávidos por toda parte, "as paredes tinham ouvidos que também podiam falar"...
Você pode imaginar como eu era tímida e caipira. Bem magrinha, parecia mais alta do que era. Não usava maquiagem, eu mesma cortava meu cabelo, que, aliás, era ajeitado, mas fora de moda (moda?!...), sem nenhuma sofisticação, saia franzida e rodada, quase nos tornozelos, sapatinhos rasos... Muitas anáguas engomadas, arrematadas com rendas ou bordado inglês, que faziam a gente parecer um abajur.
Você pode imaginar como eu era tímida e caipira. Bem magrinha, parecia mais alta do que era. Não usava maquiagem, eu mesma cortava meu cabelo, que, aliás, era ajeitado, mas fora de moda (moda?!...), sem nenhuma sofisticação, saia franzida e rodada, quase nos tornozelos, sapatinhos rasos... Muitas anáguas engomadas, arrematadas com rendas ou bordado inglês, que faziam a gente parecer um abajur.
No momento em que entrei nesse primeiro pensionato carregando a mala e a frasqueira, novas em folha, naquele salão cheio de mocinhas, senti que eu estava “toda errada”. Minha saia comprida atraía a atenção delas, que pareciam tão chiques e bonitas, tão leves, seguras e à vontade, que imediatamente comecei a me sentir deslocada... O patinho feio...
Mas logo no dia seguinte, um domingo, durante o café, conversa vai, conversa vem, qual sua cidade, o que fazia lá, o que você vai estudar aqui, você gosta disto, daquilo, músicas, cinema, livros? Já assistiu tal ou tal filme, já leu tal ou tal livro? - essas coisas. De repente elas se entreolharam e decidiram que era chegada a hora. Atacaram o assunto sem apelação: “Marianice, estamos achando você bonitinha, certinha, inteligente e tudo o mais, mas... muito jacu! Vamos dar um jeito nisso? Vamos lá pro meu quarto!” Pegaram-me pela mão e arrastaram-me escada acima.
Isso feito e acertado, pude começar a estudar com afinco para passar no Vestibular.
Não havia como negar e eu nem pensaria nisso, já estava ansiosa para entrar na onda. Num instante apareceram pentes, escovas e objetos de maquiagem. Cortaram meu cabelo curtinho, desfiaram, afofaram, fixaram com laquê, tiraram o excesso de sobrancelhas, pintaram meus olhos e lábios. Uma me vestiu uma saia branca pregueada, curta, na altura da metade dos joelhos, outra me enfiou uma blusa preta de helanca, com mangas curtas e decote redondo, outra me emprestou seu “colar de pérolas”, e pronto! Todas aprovaram. Mostraram-me ao espelho: lá estava eu, oh! (era mesmo eu?) mudada e “dentro da moda”. Gostei da estampa, fiquei toda feliz... entrara para o grupo.
No mesmo dia levaram-me a uma sorveteria, para que eu sentisse a nova aparência. Adorei, como qualquer menina adoraria...
Nos dias seguintes levaram-me à Rua José Paulino para comprar minha própria saia branca pregueada e minha própria blusa de helanca preta. E, claro, meu próprio colar de pérolas.
Isso feito e acertado, pude começar a estudar com afinco para passar no Vestibular.
4 Comments:
Tem que publicar mesmo suas memórias ... vão ficar prontas quando?
Tenho tantas memórias que vou escrevendo... Um dia termino. E então, publico.
Gostei de tudo, mas destaco: "que faziam a gente parecer um abajur".
Relembrar a dança de "rosto colado".
Tive ímpetos de bater palmas para a turma que operou a transformação.
Na verdade, muito mérito seu, que já tinha a mente aberta para renovações.
Que venha o livro.
PATINHO FEIO?????
Vou repetir o que você disse um dia à minha irmã sobre a filha dela... a Cláudia. Esta fica linda até careca!
PATINHO FEIO??? Na verdade ele era um cisne, assim como você, com a aparência mudada pelas amigas.
Que época emocionante... o "amar de longe", o coração disparado, o rosto "vermelho como um pimentão" quando encontrávamos o objeto de nosso amor.
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