sexta-feira, abril 08, 2011

Ubirajara

Ubirajara era um menino bonito. Teria uns treze ou catorze anos, muito “rapaz” para os meus parcos nove.
Conheci-o na preparação para uma festa, no salão do DER em Itapetininga. O DER, Departamento de Estradas de Rodagem, fora antigamente sede do Exército nessa cidade.
Estava esse menino encarapitado sobre uma alta escada, pregando enfeites que se penduravam do teto. Não me perguntem que festa. Eu era muito pequena para saber dessas coisas. Apenas ajudava, nem ao menos me lembro o quê, ou por quê eu estava lá. Havia outras pessoas, professoras do Grupo Escolar Major Fonseca. A diretora dessa escola, a propósito, era minha irmã mais velha, Edna. Talvez tivesse algo a ver com formatura ou coisa assim.
O menino pediu para segurar os pregos para ele. Mas, quando os entregava, ele segurava longamente meus dedos e me lançava olhares esquisitos, que de alguma forma me perturbavam. Havia alguma coisa estranha naqueles olhares. Ele era louro, seus olhos eram claros, mas não verdes, nem azuis, eu não sabia que cor era aquela, só sabia que eram uns olhos estranhamente perturbadores. Não era a cor, era a intensidade daquele olhar dardejante, que me constrangia. Eu nunca vira nem sentira nada semelhante. Muito menos dirigido à minha insignificante e infantil pessoa.
Estava acostumada a ser ignorada pelos meninos, ou a ter excesso do contrário em casa, mas jamais algo semelhante a aquele tipo de atenção. Devo confessar também que de alguma maneira, se aquilo me fez sentir bastante desconfortável por um lado, por outro sentia um indisfarçável rubor que me fazia um tantinho envaidecida.
Naquela mesma manhã fiquei sabendo que o menino era filho de uma das professoras da escola, muito querida por minha irmã diretora e, dali em diante, fomos aos pouquinhos desenvolvendo um sentimento calmo e fraternal, forjado em curiosidade intelectual. Ficamos amigos. Ele passou a me falar de livros e a me emprestar alguns exemplares.É preciso reconhecer que devo a ele em grande parte minha despedida às histórias de fadas e a iniciação às leituras de nível mais alto.
Porém, devo dizer também que sempre mantive um pé atrás em relação a ele e, na época, nunca analisei o motivo.
Todo esse preâmbulo só serviu para falar sobre a coleção de livros que ele me emprestou, um por um, e que me encantaram a infância e toda a adolescência: Malba Tahan. E, de todos eles, o que mais  me apaixonou foi “O Homem Que Calculava”.

15 Comments:

At 8/4/11 2:21 AM, Blogger marianicebarth said...

Tenho certeza de que todos conhecem Malba Tahan.

 
At 8/4/11 7:42 AM, Anonymous timtim said...

Conhecemos sim, o Malba Tahan, mas gostei mesmo de conhecer o Ubirajara.
Merece uma "estauta", pois é responsável por esta brilhante escritora que se chama Nice. Não tenho a palavra exata para qualificar este texto: é singelo, é eloquente, é romântico. Gostaria de saber se, além do nome, vc guardou mais alguma coisa do Ubirajara: é vivo? onde está?

 
At 8/4/11 11:42 AM, Blogger marianicebarth said...

A bem da verdade, Timtim, não é ele o responsável pela minha paixão pelos livros, que era só o que havia naquela época simples da vida de uma criança do interior de São Paulo. Os livros, que eu devorava, um atrás do outro e um cinema aos domingos, sessão da tarde. Quem foi a responsável foi a Edna, a diretora da escola e minha "irmã", 31 anos mais velha do que eu.
Nessa altura, aos nove anos, eu já estava na 4ª série primária e já recebera de presente a coleção completa de Monteiro Lobato, que já lera e relera muitas vezes, além de frequentar as bibliotecas da Prefeitura e do Grupo Escolar Major Fonseca, de que ela era diretora.
Já era viciada em livros...

 
At 8/4/11 11:56 AM, Blogger marianicebarth said...

Mas, respondendo à sua pergunta, o Ubirajara existe e ainda é vivo, tendo se casado com uma de minhas melhores amigas. Tempos depois, já mocinhas, durante um "giro" pelo Largo dos Amores em Itapetininga, ele me chamou e pediu que lhe apresentasse minha amiga bonita. Fiquei um pouco preocupada (com ela), pois ele era um tanto Don Juan "com todas" e meu pé estava ainda mais atrás com ele... Respondi a ele que não o apresentaria. Mas talvez fosse o destino dela, pois percebi no mesmo instante que ela ficara muito entusismada e já ia se aproximando. Não pude impedir... Casaram-se alguns anos mais tarde e tiveram duas meninas. Ele continuou mulherengo depois de casado e, um dia, deixou-a por outra... Ela sofreu muito e sempre me senti um pouco responsável.
O nome dele é outro, claro.

 
At 8/4/11 6:18 PM, Anonymous primacaçula said...

Sempre, minha prima, se sentindo responsável por algo???
Ainda bem que deve se sentir assim, também e principalmente, pelas coisas boas que semea e semeou.

 
At 11/4/11 4:31 PM, Blogger marianicebarth said...

Nem sempre, primacaçula...

 
At 12/4/11 4:52 PM, Anonymous timtim said...

Quero mais lembranças de Itapê.

 
At 16/4/11 3:19 AM, Blogger caos e ordem said...

De certo modo foi bom o silêncio da blogueira demorando a publicar um novo post, assim me senti menos culpado de minha longa ausência. O rapazote se revelava desde cedo um grande galinheiro, o que foi revelado graças à pergunta do Timtim.
Acho que somos muito rígidos querendo que as uniões sejam muito estáveis (como são as nossas). Os que se separam seguem seus caminhos e suas opções, o show da vida seria muito incompleto se não tivesse esses casos (tão frequentes).
Como sempre, o texto está ótimo, muito interessante e bem escrito.
Muito esperta a blogueira usando outro nome para o personagem, que assim pode ter sua galinhagem revelada.

 
At 18/4/11 3:33 PM, Blogger Polemikos said...

Amiga Nice, acabo de voltar de uma viagem de quase 30 dias, daí meu silêncio!!

Vou comentar, sim ... assim que pagar as contas de banco!!!!

E vou postar sobre meu cruzeiro transatlantico de Santos a Veneza, passando por Salvador, Ilheus, Recife, Maceio, Tenerife, Malta, Corfou e Dubrovnik. (É pra deixar todo mundo com inveja!!!) Alem dos 4 dias em Roma, antes de voltar pro Brasilo

 
At 18/4/11 9:40 PM, Anonymous timtim said...

Conseguiu seu intento, Polemikos.
Se existe santa inveja, eu quase morri dela. Digo isto porque tive inveja sim, mas me alegrando com o prazer que vc desfrutou nesta maravilhosa viagem. Eu sou novo, ainda chego lá.

 
At 18/4/11 9:43 PM, Blogger marianicebarth said...

Puxa!!! Deve ter sido uma viagem linda! Conte tudo, Turini! E bem-vindo de volta!

 
At 20/4/11 4:00 PM, Anonymous primacaçula said...

É... se inveja matasse...

Acho que esse passeio ficará para um dia.
Quando??? Não sei!
Mas gostaria de viajar com vc, Turini pelo que vai nos contar.
Bem-vindo!

 
At 21/4/11 9:08 PM, Anonymous Anônimo said...

Amigo de longuíssima data está comigo no bate-papo do Facebook. Diz que vai comentar aqui.

 
At 28/4/11 2:52 PM, Blogger Polemikos said...

A história do Ubirajara é bem interessante. Conheci algumas pessoas deste tipo (homens, e mulheres tambem) que se embasam em sua condição de atrair os outros. Que se realisam com isto e desistem de uma relação ou um casamento quando esta "atração" desaparece ou diminui, como é normal acontecer. E que não é amor, diga-se passagem.

 
At 28/4/11 4:36 PM, Blogger marianicebarth said...

Ubirajara adorava exercitar seu fascínio sobre as mulheres. Não podia ver alguma sem tentar uma conquista, idade não era obstáculo para ele, qualquer idade, para cima ou para baixo. Os amigos masculinos não o apreciavam muito...

 

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