Ubirajara era um menino bonito. Teria uns treze ou catorze anos, muito “rapaz” para os meus parcos nove.
Conheci-o na preparação para uma festa, no salão do DER em Itapetininga. O DER, Departamento de Estradas de Rodagem, fora antigamente sede do Exército nessa cidade.
Estava esse menino encarapitado sobre uma alta escada, pregando enfeites que se penduravam do teto. Não me perguntem que festa. Eu era muito pequena para saber dessas coisas. Apenas ajudava, nem ao menos me lembro o quê, ou por quê eu estava lá. Havia outras pessoas, professoras do Grupo Escolar Major Fonseca. A diretora dessa escola, a propósito, era minha irmã mais velha, Edna. Talvez tivesse algo a ver com formatura ou coisa assim.
O menino pediu para segurar os pregos para ele. Mas, quando os entregava, ele segurava longamente meus dedos e me lançava olhares esquisitos, que de alguma forma me perturbavam. Havia alguma coisa estranha naqueles olhares. Ele era louro, seus olhos eram claros, mas não verdes, nem azuis, eu não sabia que cor era aquela, só sabia que eram uns olhos estranhamente perturbadores. Não era a cor, era a intensidade daquele olhar dardejante, que me constrangia. Eu nunca vira nem sentira nada semelhante. Muito menos dirigido à minha insignificante e infantil pessoa.
Estava acostumada a ser ignorada pelos meninos, ou a ter excesso do contrário em casa, mas jamais algo semelhante a aquele tipo de atenção. Devo confessar também que de alguma maneira, se aquilo me fez sentir bastante desconfortável por um lado, por outro sentia um indisfarçável rubor que me fazia um tantinho envaidecida.
Naquela mesma manhã fiquei sabendo que o menino era filho de uma das professoras da escola, muito querida por minha irmã diretora e, dali em diante, fomos aos pouquinhos desenvolvendo um sentimento calmo e fraternal, forjado em curiosidade intelectual. Ficamos amigos. Ele passou a me falar de livros e a me emprestar alguns exemplares.É preciso reconhecer que devo a ele em grande parte minha despedida às histórias de fadas e a iniciação às leituras de nível mais alto.
Porém, devo dizer também que sempre mantive um pé atrás em relação a ele e, na época, nunca analisei o motivo.
Todo esse preâmbulo só serviu para falar sobre a coleção de livros que ele me emprestou, um por um, e que me encantaram a infância e toda a adolescência: Malba Tahan. E, de todos eles, o que mais me apaixonou foi “O Homem Que Calculava”.