quinta-feira, julho 31, 2008

O apito do trem

Casas dos funcionários da EFS

O fora que levei e a dor que senti ficaram-me encravados como flechas lancinantes de Cupido nesse ano de 1957.
A caixa de tesouros foi aberta todas as noites e cada pequeno presente, cada folha seca com nossos nomes, cada rosinha-chorão seca, cada bilhete de amor, cada foto dele, tudo foi acariciado, manuseado e umedecido por lágrimas de frustração durante muitos e muitos meses também durante o ano seguinte.
João deixara a cidade para cursar a oitava série em São Paulo e meu coração inchado e dolorido por mais dois anos ainda...
O pai do João era funcionário da Estrada de Ferro Sorocabana e seu filho voltava de trem, nos fins de semana. E todos os sábados, às 5:00h da tarde, eu esperava o apito do trem que trazia o meu amor perdido .

Piuííííííí... Piuíííííííí... (intervalo) e logo: Piuíííííííí... Piuííííííí... Tchik tchik tchik tchik tchik tchik tchik tchik tchik... tchik... tchik... tchik... tchiiiiiiiiiiihhhhh...

Então eu ficava imaginando o lindo João carregando sua maleta, descendo do vagão, andando pela velha estação, subindo a rua em rampa, dobrando à esquerda, andando os 200 metros até sua casa, que pertencia aos funcionários da EFS, chegando em casa, recebido pela mãe que o esperava na porta, abraçando e sendo abraçado por todos...
E eu, já prontinha, de banho tomado e com o melhor vestido, coração disparado feito doido, olhada severamente pela mamãe (que mal disfarçava a sua tristeza provocada pela minha tristeza durante toda a semana...), engolia o jantar de qualquer jeito para poder ir ao cinema com Maria Lúcia e Lydia, na esperança de vê-lo...
E uma noite, uma noite gloriosa, ele sentou-se bem atrás de nós e nos deu montes de balas de hortelã e Paulistinhas... Que filme foi? Imaginem se me lembro... Nem pensar... Tudo sumiu, tudo se eclipsou pela magnética presença dele ali atrás. A felicidade doía de tão grande... Até hoje, essas balas me lembram daquela noite.
Na saída, ele continuou ao meu lado e disse que não conseguia esquecer "minha meiguice"... que ainda gostava de mim, talvez ainda mais, mas que não podíamos mais namorar por causa de D. Anna... Jamais me ocorreu contrariar o destino.
Foi a primeira vez que pensei que "não há dor maior que a dor do amor"... quando é impossível ou frustrado... Comecei a compreender Romeu e Julieta...

Nunca voltamos a namorar e continuei interessada por ele durante dois anos, principalmente por causa da constante presença dele nos sábados, sempre se sentando atrás de mim no cinema, nunca ao meu lado. Sempre cobrindo-me de balas ou de rosinhas-chorão, alimentando meu sentimento, não me deixando esquecê-lo.

Um dia resolvi que bastava. O tempo cura tudo e eu já estava ficando cansada desse jogo de "amor impossível". Comecei a descobrir que nada é impossível para quem ama e que ele, na realidade, não gostava de mim coisa nenhuma, só amava a idéia de que uma menina bobinha gostava dele sem que precisasse fazer muito esforço...

E decidi que estava na hora de deixar de ser bobinha e começar a olhar para os lados...

domingo, julho 20, 2008

Um mês e meio...

O Namoro

Durante os primeiros meses o João, que apenas conversava com as três amigas, começou a me telefonar, mas se a Santa (vinte anos mais velha do que eu) atendia, falava com ela longamente, trocando idéias e até receitas. Depois falava comigo e recitava poesias românticas, cantava músicas ou tocava discos que me fazia ouvir.
Ele era além de tudo, um filho exemplar e um irmão dedicado. Sua irmã, nascida dois anos antes dele era deficiente mental e sofria de epilepsia num grau altíssimo. A moça já perdera muitos dentes com as quedas e convulsões, estava cheia de cicatrizes por todo o rosto e pelo corpo e só o pai ou o João conseguiam segurá-la e protegê-la, para impedir que se machucasse ainda mais. Era muito triste sua aparência, coitadinha.
O João ajudava bastante sua mãe, que não podia sair nunca por causa da filha. Ambos cuidavam da mocinha, na ausência do pai. O João adorava a irmã e sentia por ela uma pena infinita, jamais se queixando do trabalho que ela dava. Uma tarde me levou até sua casa para me apresentar aos pais e irmãos. Abraçou e beijou a mais velha com o maior carinho, ao me apresentar. Além dos dois, havia mais três filhos, dois ainda pequenos. Por isso o João sabia cozinhar, fazer doces e bolos e o fazia muito bem.
A Santa também gostava de cozinhar e trocar receitas. Uma noite o João trouxe um bolo que ele mesmo havia feito especialmente para ela. Dois dias depois a Santa devolveu o prato com um pudim de leite condensado, sua especialidade. O João levou o pudim para casa e contou que todos elogiaram muito. Daí em diante nos telefonemas para falar comigo, metade do tempo ficava falando com ela, eu do lado esperando meio ansiosa, mas gostando de ver que a Santa gostava cada vez mais dele. Mamãe também ficava por ali ouvindo tudo.
Graças a isso mamãe foi conhecendo o João e percebendo que ele era um bom menino. Abrandou-se e acabou consentindo num namoro vigiado. Mas papai realmente nunca soube...
E nesse mês e meio, tive o “namoradinho perfeito” em todo o seu romantismo, aquele príncipe encantado com que sonha toda menina que apenas entrou na adolescência.
Um namoro como uma plantinha frágil, brotada, cuidada e cultivada durante quarenta e cinco dias e... de repente... brutalmente arrancada e destruída!...
Mas as coisas são assim mesmo... Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe...
Como aconteceu?
Minha mãe biológica, D. Anna, ficou sabendo do namoro e foi à casa do João falar com os pais dele, dizendo que eu era muito novinha para namorar e que ela exigia que se ele quisesse continuar, teria que ficar noivo e já marcar o casamento, imaginem! Ora, o rapaz tinha apenas dezessete anos e estava ainda na sétima série! Seus pais, muito assustados, puseram-no sentado e lhe disseram que ou marcava o casamento, ou terminava o namoro, já que era apenas um namorinho ingênuo, graças a Deus e que ninguém sairia muito ferido...
E o João, também assustado, pois não esperava por essa nem pensava em se casar tão cedo (aliás, eu muito menos!), me deu um fora pelo telefone. Não quis falar comigo, mas só com a Santa. Contou tudo a ela e pediu que ela me transmitisse. Conversaram longamente e eu chorava ao lado, absolutamente inconformada. Foi meu primeiro encontro com a “dor da perda de um amor”, embora esse amor fosse quase infantil.
Durante toda a noite solucei pela brusca interferência de D. Anna. Por que fizera ela isso comigo? E com ele? Qual teria sido o problema?
Mais tarde fiquei sabendo o que houve, mas durante muito tempo não pude perdoá-la pela dor lancinante que causou.
No dia seguinte, pela manhã, fui fazer a prova final de Psicologia e fui muito mal. Foi a primeira e única vez em minha vida que fiquei para segunda época, deixando mamãe doente de tristeza. "Nunca, ninguém nesta casa pegou uma segunda época" — chorava ela — que vergonha! E justo você, em quem deposito tanta confiança! É por isso que eu não queria que você namorasse esse João. Tá vendo no que deu? Uma segunda época!"
Alguns anos depois percebi que nem era bem amor aquilo que senti, mas que doeu, doeu...

quarta-feira, julho 09, 2008

Don Juan

— Meu nome é João. (ai meu Deus!... como se eu não soubesse...)
E o céu se abriu num mundo de luzes e cores, um mundo novo e estranhamente mágico, onde só existiam duas pessoas: ele e eu... dentro daquele compartimento recém-descoberto e muito secreto do meu coração, pois "não ficava bem" naquela época uma menina de família demonstrar esse tipo de sentimento, ainda mais quando era unilateral.
Visto de perto ele não era tão bonito, mas eu o percebia ainda mais atraente, os olhos mais verdes, esmeraldas brilhantes, molhadas, cofres de mistério, sempre semi-cerrados por cílios curvos e pretíssimos e sobrancelhas másculas, grossas.
Os olhos do João eram seu ponto forte, pois dardejavam a gente de uma forma única, surpreendente e intensa como um sorvedouro. Faziam-me lembrar Capitu e seus olhos de ressaca. Eram realmente irresistíveis.
Começou então uma paquerinha disfarçada, ingênua, feita só de conversinhas nos intervalos entre as aulas, troca de idéias, olhares meigos, essas coisinhas que faziam a delícia da vida de uma adolescente do meu tempo.
Naquela altura o João ainda não se resolvera entre as inúmeras candidatas, mais ou menos atiradas que lhe choviam em cima, de todas as idades. O João era todo feito de mel, nascido para conquistar, agradar e deslumbrar... Acho que nós três éramos uma novidade para ele, pois não nos atirávamos... e ele não se sentia provocado, nem desafiado. A não ser pelos meus rubores, indisfarçáveis, ele jamais soube o que se passava em meu coração. Gostava de dizer que eu era "tímida e meiga". Hoje olho para trás e penso que ele estava certo. Era tudo muito novo para mim, nos meus recentes catorze anos.
Se bem me lembro ele ainda estava namorando a filha do prefeito. Daysinha já ficara para trás. Nenhuma durava, um verdadeiro Don Juan...
“Aqueles Olhos Verdes" tornou-se a minha música predileta naqueles dias. Alguém se lembra?
“Aqueles olhos verdes, translúcidos, serenos,
Parecem dois amenos pedaços de luar...
Mas têm a miragem profunda do oceano
E trazem todo o engano das procelas do mar”...
A Lydia namorava o Chiquinho e a Maria Lúcia estava apaixonada pelo José Carlos. Por isso estavam mais ou menos imunes ao encanto do João. Mas eu... não...
Para encurtar a história, essa “paquerinha” que começara em abril durou até agosto de 1957 e o namorinho só começou em setembro e durou apenas um mês e meio, mas foram os quarenta e cinco dias mais maravilhosos que eu vivera até então. Aos sábados e domingos ele podia passear comigo em frente à minha casa, mamãe-dragão na janela, vigiando; e suas ordens eram rígidas: “Vocês vão andando até a esquina e voltam, depois até a outra esquina e voltam. Não parem!” E nós cumpríamos direitinho. Nada de pegar na mão, nem sombra de beijinhos, nada disso. Mas era adorável ouvir as frases românticas, os elogios, sentir-me derreter sob os olhares de admiração e ser hipnotizada pelo encanto e magia em que o João era mestre.
Todas as manhãs ele chegava mais cedo à Escola, todas as vezes me trazendo alguma coisa: uma rosinha-chorão, uma margarida, ou mesmo uma folha de árvore com nossos nomes escritos. Uma vez me deu de presente um álbum de figurinhas que “completara para mim”, com dedicatórias de amor que me faziam quase levitar... Tudo era cuidadosamente guardado numa caixa e olhado todas as noites antes de dormir. Eram os meus tesouros.
Um mês e meio...

segunda-feira, julho 07, 2008

Memórias da Adolescência


O mais alto na foto é o Maurício. Estava fazendo o Tiro de Guerra e o cabelo estava cortado à escovinha (?). Mesmo assim, era bem bonitão.
Nos dois anos em que fomos colegas de classe (na sétima e oitava séries) e ele se sentava na carteira de trás, ficamos muito amigos. Quando ele dizia que gostava de mim, mas que eu lhe era proibida, até o provocava um pouco, dizendo:
— Como assim? Por quê?
E ele respondia entre suspiros:
— Porque você é ainda uma criança e eu já sou um adulto, dezenove anos... Mas quando você fizer quinze anos, vou voltar e pedir aos seus pais para te namorar.
E eu provocava de volta: — Daqui a tanto tempo? Poderá ser tarde demais...
— Vou ter de correr o risco... Mas agora é muito cedo...
E eu estava certa. Quando ele voltou, dois anos depois, o João já havia aparecido na minha vida...

História do João.
Num fim de tarde de sol glorioso de verão, já em férias, fui de bicicleta à casa da amiguinha Daysinha, numa rua com uma ligeira rampa, o que me obrigava a pedalar com força. O sol se pondo dourava a rua toda, de leste a oeste. Ao sair, ela me acompanhou até a porta, mas quando me despedi, ela já não olhava para mim, mas para alguém que descia a rua. Já pedalando em pé para forçar a subida, segui curiosa a direção dos olhos dela e então o vi: o mocinho mais lindo que já pisara na cidade. Diferente em tudo do alto e espadaúdo Maurício.
Era moreno claro, de cabelos negros e encaracolados e tinha os olhos de um verde-esmeralda-molhado e brilhante, de longos e curvos cílios negros, semi-fechados pelo sol que lhe batia de frente. Teria uns dezesseis anos e não era alto, mas não precisava, era perfeito! Seus lábios se abriam num sorriso sedutor, que eu sabia que era dirigido à Daysinha.
Senti como que um baque e o coração falhou várias batidas. Experimentei pela primeira vez uma emoção nova, a ferroada do ciúme. Eu é que gostaria de ser a destinatária daquele olhar intenso e daquele sorriso...
Minhas pernas pareciam geléia e quase caí da bicicleta. E ele nem me viu. Só existia a Daysinha para ele. Parei a bicicleta e olhei para trás. Minha amiga lhe devolvia o olhar e o sorriso. Senti-me completamente excluída. Um suspiro profundo me arrancou de lá. Não havia ali nada para mim. Fui para casa, levando em um compartimento ainda desconhecido do meu coração, a imagem dele iluminada pelo sol, os olhos de esmeralda-orvalhada e os dentes muito brancos no sorriso mais devastador que eu jamais vira ou notara em ninguém. E a dor primeira... Até hoje essa imagem é nítida e colorida, inclusive o sentimento dolorido.
Nos dias seguintes, tentei esquecê-lo, em vão. Perguntei disfarçadamente às colegas, Conhecem aquele rapaz? É ele que a Daysinha está namorando? E elas me confirmaram o namoro deles.
A Daysinha era uma garota baixinha e bem recheada de curvas, segura de si e muito requisitada pelos meninos. Eu, uma vara-pau magrela sem curva alguma. Não havia chance. Depois fiquei sabendo que o tal João já namorara muitas, até uma garota de dezesseis! (aquela namoradeira que toda cidadezinha tem...) e que o rapaz era irresistível, um verdadeiro Don Juan...
Foi aí que desisti de pensar nele. Doeu um bocado, mas afastei da cabeça aquela "imagem de Eros dourado ao sol", enterrei e coloquei uma grande pedra em cima. E depois, "namorado de amiga minha para mim, não existe"... Aquelas coisas.
E eu tinha mais em que pensar. Estava começando a aprender a dançar para o Grande Baile de Formatura da oitava série, tinha a escolha do modelo do vestido quase até os pés, os sapatos, a costureira... Mas era só. No dia do baile, fui pela primeira vez a uma manicure, mas nada de penteado, não seria adequado. Eu era muito novinha para isso. Nem maquilagem de espécie alguma, nem sequer um batonzinho, nada, mamãe não deixava e eu nem pensava. Lavei os cabelos eu mesma e deixei-os soltos naturalmente. O vestido foi caprichado, branco, em renda francesa e tule bordado, no comprimento ballet, até os tornozelos, que a Edna mandou fazer em São Paulo.
Meu par na Valsa foi o irmão de outra amiga. Mal me lembro desse baile. Só me lembro de ter dançado bastante. Nem Daysinha, nem João foram, pois estavam ambos na sétima série, os dois atrasados nos estudos...
O Baile passou, as férias também passaram e fiz o vestibulinho para entrar na Escola Normal, no Instituto de Educação. Na verdade, eu queria mesmo fazer o Curso Clássico, pois tinha muita facilidade em inglês e desejava poder escolher Anglo-germânicas. Mas durante as férias não encontrei mais de nove alunas que quisessem cursar o Clássico. Não houve número e tive de desistir. Então a segunda opção seria Ciências, para seguir Biologia ou Medicina, mas eu tinha dificuldades em matemática. Então me desaconselharam o Científico. Burrice, eu teria conseguido, mas a família toda era de professores, diretores e inspetores escolares e me influenciaram a fazer Magistério. No dia do vestibulinho conheci as meninas que seriam dali em diante as minhas amigas
Então, em 1957, Maria Lúcia, Lydia e eu estávamos no primeiro dia de aulas do Curso da Escola Normal. E foi nesse dia que vi novamente o João. Sem Daysinha. Sem nenhuma. Mais lindo do que nunca. Livre e desimpedido, olhando para nós. Fingi que não o vi, que não sabia quem era, que não existia. Mas o coraçãozinho indiscreto dançava aquela "rumba" louca.
Durante toda a semana foi assim. Ele olhando, nós três ignorando... e meu coração dançando, à minha revelia...
Até que um dia, numa manhã fresquinha, no intervalo entre as aulas, ele veio vindo... veio vindo... e parou em nossa frente. Minhas faces pegavam fogo e meu coração já estava endemoninhado, acima de qualquer controle... Lydia e Maria Lúcia foram as primeiras a falar com ele, quando se apresentou. Eu... incapaz de pronunciar uma única palavra. Mesmo quando ele segurou minha mão, dizendo "Imenso prazer, meu nome é João", (como se eu não soubesse!...) não pude responder, nem encarar aquelas semicerradas esmeraldas molhadas,  mas me senti de repente como uma fonte luminosa... e o céu se abriu...

quarta-feira, julho 02, 2008

Memórias


Tudo por causa da foto do Rock Hudson que a Folha de S. Paulo está publicando... Aliás, essa série de fotos de estrelas de Hollywood simplesmente me transportam no tempo. Tempo em que as palavra glamour e sex-appeal apenas significavam beleza provocante, mas que provocavam em mim... o quê? Eu não podia entender, não computava... Eu era muito inocente em meus doze anos, alta demais para a idade, magérrima e desengonçada. Diziam que me parecia com a Audrey Hepburn, acho que por ser magrinha como a própria.
Mas eu adorava ver as fotos da Marilyn, embora não entendesse o frisson que ela provocava. Para mim, era apenas alegre e linda, linda de morrer... A Ava Garner era ainda mais linda, mas havia algo enigmático e triste nela. Outra maravilha era a Liz Taylor. E eu não perdia filmes delas, lá em Itapê. Só me chocava a maneira da Marilyn andar balançando exageradamente os quadris daquele jeito, em alguns filmes; e "sentia" a espécie de transe hipnótico na platéia, como uma "onda" pesada, estranha e constrangedora, como se estivesse espiando algo proibido por um buraco de fechadura.
É, naquele tempo, conhecimento sexual não era facilitado para meninas de doze anos... Pelo contrário, mães e pais não abriam esse assunto em hipótese alguma, provavelmente para que suas filhinhas não se enredassem nessas águas perigosas...

Só sei que apesar de ter apenas doze, eu já cursava a sétima série. E que, de repente, eu não era mais criança, não queria mais "brincar" e estava confusa.
E ainda por cima, chegou de fora um colega novo, com a cara, altura e ombros largos do Rock Hudson... Chamava-se Maurício e era de longe o rapaz mais bonito que eu já vira pessoalmente. Era "muito" mais velho, tinha 18 anos e fazia o Tiro de Guerra. Era um homem feito. E o melhor aluno da classe. Dizia que não tinha tempo a perder, que estava atrasado nos estudos e que queria recuperar esse tempo. Era ótimo em matemática, meu ponto fraco ( a matemática...).
Ao ver minha tristeza com a nota baixa nessa matéria, ofereceu-se para me dar aulas, em minha casa. É claro que aceitei, depois de consultar mamãe. E as aulas passaram a acontecer, na nossa sala de jantar. Mamãe participando, fazendo seu crochê, ou costurando alguma peça.
Depois disso, ele começou a ocupar a carteira atrás da minha no Colégio. Uma vez percebi a classe toda olhando em minha direção e rindo. Olhei para trás e flagrei o Maurício com meus cabelos compridos entre as mãos e uma expressão apaixonada. Fiquei muito brava com ele pelo "mico" que me fez passar e ele ficou rubro de vergonha. Que coisa, hein? Ficar envergonhado por tão pouco... E eu uma fera por tão pouco também...

Mesmo agora quando estou contando isto, sinto o mesmo grande embaraço, vá entender!
Coisas de 1954, em Itapê.
Daí em diante houve uma clara atração entre os dois, mas nunca nenhum contato físico. No ano seguinte, no final da oitava série, ele disse à mamãe que estava estava voltando para sua cidade para tomar conta dos negócios da mãe, que ficara viúva. Acrescentou que estava gostando muito de mim e que gostaria de se casar comigo no futuro, mas que esperaria até eu completar quinze anos para me namorar, se ela consentisse. Mamãe franziu as sobrancelhas e apareceu entre elas o "triângulo da catástrofe". Gelei... E aí ela disse, muito séria: "Veremos!"
Mamãe comentou em família que apreciara a delicadeza e seriedade dele.

Ele realmente voltou três anos depois e continuava tão bonitão quanto antes, mas o encanto havia se quebrado, pelo menos para mim.