segunda-feira, abril 23, 2012

ORAÇÃO DE GRAÇAS DE UMA AVÓ



Obrigada, meu Deus, meu Pai, meu Melhor Amigo, por me amar e proteger sempre, apesar da minha arrogância; por me tolerar continuamente, apesar dos meus erros recorrentes; e por me perdoar incansavelmente, apesar da teimosia e da inconstância em me redimir.

Obrigada, meu Deus, por tudo o que tenho e por tudo que sou.

Obrigada pelos membros e pelos órgãos perfeitos em sua funcionalidade e até hoje em atividade.

Obrigada por meus braços, que embora cada vez um bocadinho mais fracos, abrem-se ainda como asas coloridas para acolher a quem me procura; obrigada pelas forças que esses braços ainda encontram para acalentar longamente junto ao peito os netinhos queridos. Obrigada pela voz que ainda consegue cantar para fazer dormir os pequeninos.

Obrigada por minhas mãos incríveis, que não só conservam intactas suas múltiplas habilidades, como ainda possuem calor, suavidade e ternura para acariciar ou secar as lágrimas de alguém.

Obrigada pelos olhos que ainda enxergam, não só a beleza da vida na Natureza, mas também adivinham a dor e o sofrimento que se esconde por trás das pálpebras, nos corações. 

Obrigada pelos ouvidos, que ainda distinguem os cantos dos passarinhos e os risos e gritinhos das crianças por entre os ásperos ruídos da cidade; que ainda vibram inquietos com o assobio dos ventos nas tempestades e com o fragor das ondas do mar; e que se aquietam com o doce murmúrio dos regatos; mas que também percebem as notas dissonantes nas vozes baixas e monocórdias dos solitários e dos abandonados. 

Obrigada por minhas pernas que ainda me transportam valorosamente, que ainda podem correr (se for muito necessário...) e subir escadas, as pernas queridas.

Obrigada pela saúde que sempre tive e que, se hoje não mais é tão perfeita, é porque tenho errado muito na alimentação, na inobservância de horários e mais ainda na falta de exercícios.
Obrigada por quase nunca ter dores, apesar de todos esses erros, que graça fantástica é essa, obrigada mesmo, meu Melhor Amigo!

Obrigada por todas as delícias que ainda me encantam o paladar e por todos os perfumes que ainda me arrebatam o olfato, como isso é bom, obrigada!

Obrigada pelas Artes, que amo, e pelos livros que adoro ler. Obrigada pela Música, que me emociona. (E obrigada pelo computador, de que tanto gosto...)

E, meu querido Deus, o mais importante de tudo, muito obrigada pela família e pelos amigos! 

Obrigada, meu Deus, meu Pai, Melhor Amigo, por todas essas graças. Obrigada por me amar!


segunda-feira, abril 02, 2012

A Palavra

A Palavra

"Sim senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam... Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derreto-as... Amo tanto as palavras... As inesperadas... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem... Vocábulos amados... Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho... Persigo algumas palavras... São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema... Agarro-as no voo quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as; preparando-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas... E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as... Deixo-as como estalactites em meu poema, como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes na onda... 
Tudo está na palavra... Uma ideia inteira muda porque uma palavra mudou de lugar ou porque outra se sentou como uma rainha dentro de uma frase que não a esperava e que a obedeceu... Tem sombra, transparência, peso, plumas, pelos, têm tudo o que se lhes foi agregado de tanto vagar pelo rio, de tanto transmigrar de pátria, de tanto ser raízes... São antiquíssimas e recentíssimas... Vivem no féretro escondido e na flor apenas desabrochada... 
Que bom idioma o meu, que boa língua herdamos dos conquistadores torvos... Estes andavam a passos largos pelas tremendas cordilheiras, pelas Américas encrespadas, buscando batatas, botifarras, feijõezinhos, tabaco negro, ouro, milho, ovos fritos, com aquele apetite voraz que nunca mais se viu pelo mundo... Tragavam tudo: religiões, tribos, idolatrias iguais as que eles traziam em suas bolsas... Por onde passavam a terra ficava arrasada... 

Mas caíam das botas dos bárbaros, das barbas, dos elmos, das ferraduras, como pedrinhas, as palavras, as palavras luminosas que permanecem aqui resplandecentes... o idioma. 

Saímos perdendo... saímos ganhando... Levaram o ouro e nos deixaram o ouro... Levaram tudo e nos deixaram tudo... 
Deixaram-nos as palavras... "

Pablo Neruda
(tradução Olga Savary)