segunda-feira, outubro 29, 2007

Os Alemães

Tudo o que está escrito aqui, está no livro de Ernani da Costa Straube: Guido Straube - Perfil de um Professor. É a história da chegada ao Brasil da família e como se uniram aos nobres Von der Osten.
"A intensa propaganda na imprensa alemã, com a oferta de condições excepcionais no Novo Mundo, induziam ao interesse de imigrar, na procura de melhores condições de vida, nesse "oásis de prosperidade".

No Brasil, o destaque principal era para as terras na Província de Santa Catarina, obtidas como dote matrimonial pelo Príncipe de Joinville - François Ferdinand Phillipe, casado com a Princesa Imperial Francisca Carolina, filha de D. Pedro I, constituindo o Domínio Dona Francisca.

Esse Domínio era administrado, por contrato, com a Sociedade Colonizadora Hamburguesa de 1849 (Hamburgische Colonisations - verein von 1849), e veio dar origem à cidade de Joinville.

A viagem de Franz Gustav Straube, meu trisavô

Fretado em Hamburgo, pela Sociedade Colonizadora, partiu daquele porto o brigue dinamarquês "Gloriosa", originário de Altona, em 19 de julho de 1851, com destino a São Francisco do Sul.

O "Gloriosa", embarcação de dois mastros, linhas elegantes, sobrecarregado de velas de pano, era considerado na época o mais rápido veleiro. Comandado pelo capitão George Wolf Toosbuy, trazia a bordo 75 passageiros, entre solteiros e casados, com suas respectivas esposas e filhos. Eram pessoas oriundas da classe social mais elevada, cultas e inteligentes, oficiais do extinto exército, que almejavam um futuro promissor na nova terra. Entre os passageiros, encontrava-se Franz Gustav Straube, naturalista de profissão, com 49 anos de idade, natural de altenburg, capital do ducado de Saxe-Altenburg, e seu filho Franz Julius, de 21 anos, nascido em Dresden, Saxonia.

A 27 de setembro do mesmo ano, o "Gloriosa" atracou no porto de São Francisco. Os passageiros desembarcaram em canoas para conhecer a vila.

Relata Theodor von Rodowicz Oswiecimsky, na obra "A Colônia Dona Francisca", editada em 1853 na Alemanha, que a viagem do "Gloriosa" transcorreu com sofrimentos, motivados pelo enjôo, péssimas condições higiênicas, comida monótona e deficiente, falta de verduras e frutas frescas, rações de chucrute e suco de limão para combater o escorbuto.

A água utilizada para o cozimento dos alimentos e higiene, apesar de conservada em barris de madeira alcatroada, exalava mau cheiro, soltando bolhas de gases, tornando-se intragável para o uso, com conseqüências danosas para a saúde dos passageiros e tripulantes.

A travessia foi feita sem escalas e, para muitos, o resultado final foi fatal. Continuando a viagem, o veleiro fundeou na Ilha do Mel, na embocadura da lagoa Saguassu. Dali, os passageiros foram conduzidos em canoas até a povoação incipiente. A decepção foi geral, conta von Rodowicz.

A visão do núcleo colonial não correspondia às lindas ilustrações publicadas no "Illustrierte Zeitung" que circulava na Alemanha, com belas casas no meio de jardins de plantas tropicais.

Franz Gustav procurou adaptar-se, porém o filho Franz Julius, em 6 de janeiro do ano seguinte, retornou à Alemanha.

Em correspondência à esposa, que permanecera na Alemanha com os demais filhos, residentes em Dresden, manifestou o desejo de também retornar à sua terra de origem.

Não foi possível concretizar esse objetivo, pois sua esposa, Ernesthine Wilhelmine Straub, já se achava pronta para embarcar para o Brasil, o que veio a acontecer em 1852, viajando no navio "Florentin", que partiu de Hamburgo em 17 de maio, acompanhada dos filhos: Wilhelm Gustav, com 7 anos (meu bisavô), Edmund Ernst, com 5, Elisabeth Ernesthine, com 4, Hedwig Ernesthine, com 2 e um menino com 6 meses, falecido a bordo, provavelmente de sarampo, devido à epidemia que grassou no navio, tendo o corpo sido jogado ao mar.

Após dois meses de viagem chegaram ao destino em 19 de julho (1852).

Foi então que Franz Gustav adquiriu o lote 69 da Sociedade Colonizadora, a oeste da Mathiastrasse, com mil braças quadradas, por quinze thaler da Prússia. Construiu uma casa tipo enxaimel, ás margens do rio Mathias que, por estar localizada na parte mais baixa, por ocasião das chuvas tropicais, permitia ao proprietário apanhar peixes na sua sala de visitas.

Naturalista, exímio artista, pintava com aquarela e classificava os insetos da região, colecionando-os em livros, verdadeiras preciosidades artísticas e científicas. Imprimia as asas das borboletas nas folhas de papel por processo por ele criado, completando à aquarela o corpo, conservando-se até hoje em perfeitas condições.

Em 9 de dezembro de 1853, nasceu em Dona Francisca, atual Joinville, o último filho do casal, também Franz Gustav. Nove dias após, faleceu o pai sendo sepultado no cemitério dos Imigrantes.


Ernesthine, nascida em Dresden, em 21 de março de 1829, consorciou-se em 13 de maio de 1855, com Alfred Heinrich Richard Leopold von der Osten, natural de Schlawe-Pomerania.


Desse matrimônio tiveram Hildegar Margareth, posteriormente casada com Alberto Cooper Tamplin, Hermine Charlotte, que se casou com Paulo Pinot de Moirá, Gertrudes Thomedilin, com Carlos Theodoro Thieman, Conrad Alfred, com Paulina Henke.

Dos filhos do primeiro matrimônio, nascidos em Dresden, Wilhelm Gustav, nome aportuguesado após a naturalização, para Guilherme Gustavo (o bisavô das moedas de ouro), casou-se com Luize Heim, residindo em Cerro Azul. Edmund Ernst permaneceu solteiro. Elisabeth Ernesthine, casou-se com Adolf Bichels e Hedwig Ernesthine, com William Robbinson, residentes em Curitiba.

Após o casamento, Alfred e Ernesthine mudaram-se para Curitiba e depois para Assungui, atual Cerro Azul, onde Alfred desenvolveu trabalhos de agrimensura, por contrato com o governo provincial. Ali a família se estabeleceu, constituindo os troncos Straube e Von Der Osten."

Tudo que está entre parênteses vermelho é "arte" minha...

segunda-feira, outubro 22, 2007

Arpejos e Acordes

Notação de um Acorde em Arpejo:
ARPEJO

Arpejo (do italiano «arpeggio», isto é, «à maneira de harpa») é a execução sucessiva das
notas de um acorde.
Enquanto que num acorde as notas são tocadas simultaneamente,
no arpejo essas mesmas
notas são tocadas uma a uma, num andamento rápido.

O Arpejo pode ser simples ou composto:


Simples: Toca-se apenas as tres ultimas notas do acorde


Composto: Toca-se todas as notas do acorde!


O «Concerto para piano e orquestra» em menor (1841-1845, op. 54) de Robert Alexander

Schumann é, de algum modo, um exemplo claro de arpejos.

Halloween - Está chegando a hora de usar minha vassoura...

Estamos no Mês das Bruxas, Vampiros e Lobisomens, Fantasmas e outros.

Em Nova York vi tudo isto pela primeira vez, ao vivo e a cores com as criançãs de lá, super entusiasmadas com as fantasias. Elas levam muito a sério essa história toda e é divertidíssimo!

Copiei ipsis literis para vocês, do English Town:

"Você adora um bom susto? Então o Halloween é o feriado perfeito para você! Esta festa é realizada na América e Europa no dia 31 de Outubro. Você pode participar da diversão aprendendo um pouco da linguagem e dos costumes do Halloween. Essas dicas com certeza vão te deixar de cabelo em pé!

1. A celebração do Halloween vem do All Hallows Day ou All Saints Day, no dia 1º de novembro. Isso era originalmente, um festival pagão dos mortos, mas depois se tornou um feriado para honrar os santos cristãos.

2. O nome Halloween surgiu de uma abreviação de All Hallows Eve (Evening), o dia anterior ao All Hallows Day. Nesta noite, acreditavam que os espíritos dos mortos iriam tentar voltar à vida!

3. Dressing in costume é um dos costumes mais populares no Halloween, especialmente entre crianças. Segundo a tradição, as pessoas iriam dress in costume (se fantasiar, usar roupas especiais ou máscaras) para espantar os espíritos.

4. As fantasias populares do Halloween são vampires(vampiros), ghosts (fantasmas) e werewolves (lobisomens).

5. Trick or Treating é um costume moderno do Halloween onde as crianças vão de casa em casa, fantasiadas, pedindo treats como doces ou brinquedos. Se eles não ganharem treats, eles podem fazer uma trick (travessura ou brincadeira) com os moradores da casa.

6. A tradição do Jack o' Lantern vem de uma lenda sobre um homem chamado Jack que enganou o diabo e teve que andar pela Terra com uma lanterna. O Jack o' lantern é feito colocando-se uma vela dentro de uma abóbora limpa e cortada para que se pareça com um rosto.

7. Há muitas outras superstitions associadas com o Halloween. Uma superstition é uma idéia irracional, como acreditar que o número 13 dá azar!

8. O Halloween é também associado com supernatural creatures como fantasmas e vampiros. Estas criaturas não fazem parte do mundo natural. Elas não existem...ou existem?

9. Witches são personagens muito populares do Halloween que possuem poderes mágicos. Elas geralmente usam um chapéu pontudo e voam em vassouras.

10. Bad omens também fazem parte da celebração do Halloween. Um bad omen é algo que se acredita trazer azar, como gatos pretos, aranhas ou morcegos."

quinta-feira, outubro 18, 2007

Chuva se faz de rogada

Só falta a gente dançar de mãos dadas cantando para o Deus da Chuva, como os índios.

Ouvi um ruído levíssimo e corri para fora, Está chovendo? Está chovendo! Que bom! E ela parou... Mas nem tinha começado direito, só umedeceu de leve as plantinhas e as pedras da calçada, só um aperitivo, só algumas gotas, só para dar "água na boca". Era apenas um véu transparente, uma garoazinha paulistana.

Nunca vi antes um setembro seguido de um outubro sem chuva.
Culpa do homem, o tremendo poluidor?

E as represas secando...

quarta-feira, outubro 17, 2007

COGUMELOS

Estou comendo cogumelos quase todos os dias. Compro três bandejas por semana. Uma de Champignon, outra de Shitaki e outra de Shimeji.
Adoro os três tipos, mas compro crus.
Cozinhar cogumelos é a coisa mais fácil do mundo.
Lave-os bem e corte rente os talos.
Deixe-os por 10 minutos mais ou menos em água filtrada e esprema por cima meio limão.
Depois despeje tudo numa panela, coloque sal a gosto e uma colherinha de café de manteiga (não margarina).
Se você quiser uma sopa de cogumelos, pode colocar uma quantidade maior de água.
Ferva até ficarem molinhos.
Nenhum que você comprar pronto terá mesmo sabor dos cozidos em casa. Você poderá usá-los em molhos, em saladas ou simplesmente puros.
Huuummmmmmmmmm... Que coisa mais deliciosa!
Dizem os japoneses que quem consome pelo menos UM cogumelo por dia, jamais terá câncer.
Tô nessa!

terça-feira, outubro 16, 2007

Rebecca faz 9 meses em 17 de outubro

Rebecca ri de lado... 
E engatinha o tempo todo pelo apartamento.
Adora uma gostosa pera.
 É independente e não gosta de colo. 

segunda-feira, outubro 15, 2007

16 de Outubro

16 de Outubro

Alessandra faz aniversário.


O primeiro aniversário em sua nova condição de mãe.
O primeiro de uma vida

em que outra vida, a da pequena Rebecca, passou a crescer em

importância e a vir, quase todos os dias, em primeiro lugar.

Parabéns, minha filha tão querida.

Peço ao Infinito que a proteja e que a cubra de bênçãos.

Que seja sempre amada, pois assim será feliz.

Que seja sempre respeitada e reconhecida como profissional.

Que seu espírito forte seja inquebrantável,

Que por onde você passe, espalhe essa alegria de viver.

Que seja sempre animada e entusiasmada.

E que continue

por toda a vida exatamente como é,

Porque se melhorar, estraga...


Um beijo no coração.

quinta-feira, outubro 11, 2007

Uma Grande Paixão XIII (último)

Mais retalhos de uma vida, mais uma colcha costurada com as cores da imaginação.

Carlota, a doce Carlota, deixou-me gravada na memória, a ferro e fogo, seus grandes olhos tristes, olhos que, se muito viram, pouco entenderam das injustiças da vida mas tudo aceitaram com resignação. Suas pálpebras semicerradas de menina ocultavam um sentimento latente de muda melancolia. Quase não sorria, como todas as crianças. Movia-se silenciosa e cautelosamente, como quem não quer incomodar, ou se impor.

Nasceu filósofa e aos seis anos, em Morro Azul, entrou para a escola em que Tia Júlia era diretora. Essa tia, pessoalmente ensinava a pequena Carlota a declamar, refinando-lhe o gosto pela linguagem lírica.

Sempre boa aluna, descobriu logo na 5ª. série um interesse acentuado pelo estudo da língua francesa, que aprendia com facilidade. Começou a se delinear em seu íntimo um sonho grande e lindo: visitar a França.

Como a grande maioria das meninas de Morro Azul dos anos 50, fez o Curso Normal (magistério) e, formada professora, foi dar suas aulas. Um pouco mais tarde formou-se em Psico-pedagogia. Acho que foi quando se mudaram para São Paulo.
Conheceu Arnaldo, com quem se casou, tendo três filhos: Helena, Cassio e Fabrício.
Depois de aposentada e viúva, os filhos casados, Carlota pôde realizar seu sonho de conhecer a Europa, particularmente a França e a Itália. Muito religiosa, pertence à Ordem Franciscana Secular.

Hoje dedica-se a escrever e a estudar francês. A poesia que traz no sangue é o caminho de expressão de sua ardente fé. Publicou o livro "Poemas que eu posso rezar", sob o nome de Carmen Silveira. Pertence ao Centro Cultural em Sorocaba e participa do Coral, é ativa, artista e plenamente realizada.

* * *

Uma paixão avassaladora destruiu como um incêndio uma família constituída, separando e machucando seus membros. Mas todos sobreviveram de uma forma ou de outra. O sofrimento de cada um foi superado, deixando um saldo positivo. Temos nossas histórias que só enriqueceram nossos espíritos.

Para o Shiost

Shiost Aguiar disse...

Estou confuso. Nice, você é minha prima em segundo grau ou terceiro? E quanto à sua mãe? É minha prima? E seu avô, Antônio, é meu tio avô? Nossa, como eu sou ruim nessas coisas... E seus filhos, primos em quarto grau? E seus netos? Socorro!!!!!!!
10/10/07 5:04 PM


Shiost, especialmente para você. Mas todos podem ler, é claro.

Este é a o resumo da Árvore Genealógica que estou elaborando:
(Não vou colocar os sobrenomes finais).

Era uma vez um homem chamado Guilherme da S.M. e uma mulher loura de olhos azuis, chamada Messias P.

Casaram-se em 1874. Ela passou a assinar Messias Pereira. de M.
Tiveram 5 filhos:

1 - Antônio (Tonico, meu avô, o primogênito), nascido em 1875, falecido em 1934. Citado como "Um Sábio Perdido Entre as Montanhas").
2 - Angelino
3 - Maria
4 - Henrique
5 - João (seu avô), o caçula, nascido em 1887, (inteligentíssimo, cérebro de inventor, criou e desenhou várias máquinas, construiu em 1960 uma máquina fotográfica que tirava fotos "quase instantâneas", com latas de óleo de cozinha, baseada apenas numa notícia sobre a nova Polaroid, que lera em um jornal. Um Professor Pardal). Ele tinha verdadeira veneração pelo Tonico.

Tonico, o mais culto, meu avô, casou-se com Anna Almeida M., minha avó, em 1899.
Tiveram 9 filhos:

1 - Júlia, em 1900
2 - Hermínia, em 1901
3 - Clotilde, (ano ?) falecida ainda bebê
4 - Guilherme S. M. Neto, em 1905
5 - José, em 1907
6 - Anna, 1908, minha mãe
7 - Antonio (ano ?)
8 - Sócrates, em 1913
9 - Augusta, em 1915

João, seu avô) casou-se em 1910 com Juventina V. em 1910 . Esta passou a assinar Juventina V. da S. M.
Tiveram 7 filhos:

1 - Edna (altruísta, carismática, inteligente, 100 anos na frente de sua época, lutadora e dedicada à família)

2 - Esther (a mais aristocrática e contida, não menos inteligente e temperamento não menos forte)

3 - Leônidas (QI de Gênio)

4 - José (outro Professor Pardal, inventor e construtor de objetos com sucata, além de piadista, engraçadíssimo e gago)

5 - Maria Isabel (Belinha), dona das covinhas mais irresistíveis, herdou o temperamento forte dos S. M.

6 - Maria José (Santa), a melhor professora que já vi.

7 - Isabel (Piquetita, ou Pique), a mais meiga e encantadora, hoje com 81 anos, tem com a filha Marisa e o neto Bebeto, um Atelier de Pintura.

Todos se formaram Professores Primários, mas apenas Edna e os homens seguiram carreira no Magistério. Edna, Inspetora Escolar, tendo substituído o Delegado de Ensino e os irmãos, Leônidas e José, estão aposentados como Diretores Escolares.

Em resposta às suas perguntas:

1 - Você e eu somos primos em 3º. grau, assim como seus irmãos e minhas irmãs.

2 - Anna, minha mãe, é prima da Esther em 1º. grau, portanto sua prima em 2º. grau.

3 - Se nossos avós eram irmãos, meu avô Antônio é seu tio avô e seu avô João é meu tio avô

4 - Meus filhos são seus primos em 4º. grau

5- Seu filhos e meu filhos são primos em 5º. grau

e assim por diante.

Você percebeu como os nomes se repetem em cada família?


Minha avó materna chamava-se Anna e meu avô Antônio deu esse mesmo nome à sua filha, minha mãe, que teria sido a sua predileta. Repetiu também seu nome ao sétimo filho, Antônio.

{Minha avó paterna, casada com Jacynto, chamava-se Júlia. A irmã mais velha de minha mãe também era Júlia.}

Nosso bisavô materno, Guilherme da S. M. teve seu nome repetido no neto, 4º filho de Antônio.

{Meu bisavô paterno, nascido em Dresden (Bavária, leste da Alemanha), tendo chegado a Santa Catarina em 1852 aos 7 anos de idade, chamado Wilhelm Gustav, teve seu nome aportuguesado para Guilherme Gustavo. Era filho de Franz Gustav e Ernesthine Wilhelmine}.

Guilherme Gustavo foi aquele das moedas de ouro, cuja história ainda vou contar.

Shiost tem um irmão chamado Flávio José, os nomes dos dois tios, de cada lado. Tem também uma irmã, Maria Christina.
Shiost deu ao seu primeiro filho o nome de Flávio.
Meu marido tem um irmão chamado Flávio e outro chamado Rubens. Demos a nosso primeiro filho o nome Flávio Rubens, derivados dos dois tios e do meu primo Flávio. E à nossa quarta filha o nome de Christina, em homenagem à irmã do Shiost.

segunda-feira, outubro 08, 2007

Uma Grande Paixão XII

Engraçado, nunca me ocorreu perguntar como foi que Anna chegou na casa dos sogros para buscar as meninas. O fato é que as duas ficaram com ela dali em diante. Não sei também se Anna e Gustavo se encontraram nessa época e como foi esse encontro. Daí em diante ficou tudo muito nebuloso.
Mas há um detalhe interessante que talvez tenha feito Anna pensar que teve razão ao desconfiar que Gustavo amara sua prima. Uns dois anos depois de ter recuperado seu direito à liberdade e à vida normal, Anna ficou sabendo que Gustavo tinha uma filha de outra mulher e que dera a essa menina o nome de Eva. Que ficara com a menina, mas não com a mulher. O mistério do nome faz pensar a qualquer um que pelo menos uma grande admiração havia, dele para ela.
Mais alguns anos e todos souberam que Gustavo estava vivendo com uma terceira (aliás esta é uma excelente pessoa) e que já tinha mais filhos com ela, dois meninos. Com esta última ele se casou, depois de se divorciar de Anna.

Anna manteve por Gustavo um misto de amor e ódio por toda a sua vida. Nunca se casou novamente, mas de um momento em diante parece que acabou aceitando melhor as coisas. Era feliz e alegre a maior parte do tempo e penso que seu sentimento pelo homem que fora seu único amor, tornou-se mais ameno. Mas sua tendência para um comportamento dramático e passional continuou até o fim de sua vida.

Mudava-se de um lugar para outro muitas vezes, o que era bastante difícil para Carlota e Dina, que a cada mudança eram deixadas em casa de parentes, onde nem sempre eram sequer desejadas, menos ainda amadas.

Dina conta que ficou revoltada, tanto com essas mudanças, quanto pela rejeição reiterada que sofria. As pessoas diziam que Carlota podia ficar, pois era dócil e bonita, mas Leopoldina era brava, vivia de carinha franzida e por isso diziam que era feia e que não a queriam. E assim as meninas viveram até os treze, catorze anos, quando se fixaram finalmente em Morro Azul. Daí em diante, continuaram os estudos e se formaram ambas professoras. Dina estava no mesmo ano que eu, mas em classes diferentes e nos diplomamos juntas.

Quando estava no 1º. ano do Curso Normal (Magistério), Dina conheceu um rapaz excelente, de ótima família e se apaixonaram. Foi um período maravilhoso em sua vida, tão parca de felicidade. O namoro foi ficando mais firme. No ano seguinte ele completou dezoito anos e fez o Tiro de Guerra. Ao tranportar explosivos num caminhão do Exército, ninguém sabe como nem sei por quê, aquilo tudo explodiu, matando-o na hora. Pobre Dina, que carma!

Nós não tínhamos muito contato na época e não sei com que forças ultrapassou essa fase. Só conversamos sobre isso muitos anos depois.
Mas Dina tinha um sonho, que não pôde realizar quando era pequena: ser bailarina clássica. Só quando já estava com dezoito anos conseguiu começar as aulas, no Conservatório de Morro Azul. Começou nessa idade, tarde demais para o balé clássico, dizia ela mesma. Os arcos dos pés de uma bailarina precisam ser moldados entre os cinco e sete anos para que ela consiga fazer a ponta, isto é, dançar sobre os dedos com a sapatilha de ponteira. Mas dificuldades nunca representaram muita coisa para esta família...

Dina estudou balé durante catorze anos, em São Paulo. Fez parte do Corpo de Balé do Teatro Municipal de São Paulo e foi para Londres e País de Gales fazer um curso de especialização no Royal Ballet de Londres.

Ela casou-se duas vezes. Não tinha nada a ver com o primeiro marido. Um daqueles erros que se comete quando a vida é madrasta. Alguns anos depois sanou o erro separando-se dele e consertou sua vida cursando Letras ou Pedagogia, não me lembro bem.
Depois de formada, deu aulas em um colégio, conheceu o segundo marido, oficial da Reserva da Aeronáutica, com quem teve uma única filha, Ana Cristina. Mudaram-se para Curitiba e só então pôde fazer o que realmente gosta, dançar e dar aulas de balé, o que faz até hoje.

domingo, outubro 07, 2007

Uma Grande Paixão - XI

A vida trancorria leve e gostosa em casa de Mamãe e Papai.

Anna teve de mudar de cidade várias vezes para melhorar de vida. Nunca pediu ao ex-marido a obrigatória pensão de suas filhas. O nome dele se tornara proibido e elas não ousavam pronunciá-lo, para que a mãe não ficasse nervosa. Tinham perguntas, mas jamais as fizeram. Anna precisou deixar Carlota e Dina em casa de parentes até acertar tudo.
Uma dessas vezes Dina ficou comigo em casa de Mamãe. Tomei-me de amores por ela. Eu tinha três anos, ela cinco e meio. Era espertíssima, já lia correntemente sem nunca ter estado em escola alguma. Aprendera a ler sozinha.
Lembro-me que ela desenhava os próprios dedos num retalho de tecido branco, depois cortava e costurava à mão em volta, virava pelo avesso ficando a costura por dentro, formando um tubo. Em seguida enchia com chumaços de algodão e, na ponta desse tubo, desenhava com lápis de cor, preto, os olhos e com lápis vermelho, a boca sorrindo. Na cabeça que formara, colocava pedaços de fios de lã, como cabelos. Fazia algumas dessas “bonecas” para nós duas brincarmos e a maior era a Mãe. O dedo minguinho era a filha caçula. Esta é você, dizia. Eu ficava completamente extasiada com sua capacidade.
Fazia “mágicas”. Uma delas era tirar um comprimido de Cibalena de um anúncio na Revista Seleções. Ela dizia:
— Preste bem atenção. Está vendo este comprimido na revista?
— Estou...
— Vou fazer ele sair da revista e aparecer na minha mão! — eu acreditava piamente, fascinada. Ela dizia Abracadabra! E... tarááááá! O comprimido primeiro “saía” da revista e ganhava três dimensões, ela o pegava e me mostrava.
Brincávamos o tempo todo e eu a seguia por toda parte.
Um dia chegou um telegrama e Mamãe chamou as duas:
— Mariana e Dina, O Gustavo, seu pai, está para chegar.
Eu sabia quem era, mas nunca o vira. Era a primeira vez que apareceria. Dina fechou a cara.
— Não é meu pai! rosnou — e foi correndo para a casinha no fundo do quintal.
Corri atrás, curiosa. Nunca a tinha visto assim antes. Estava sentada num banquinho, segurando um joelho e olhando no vazio de sobrancelhas franzidas e olhar duro.
— Porque você está brava? — perguntei.
— Por que odeio esse homem. ELE NÃO É MEU PAI! Minha mãe me contou o que ele fez. Eu NÃO QUERO nada com ele.
— Mas eu quero — e queria muito mesmo. Todos falavam que ele era bom e bonito. E que era o pai das três.
— Então, fique com ele — disse ela. Mas então não quero mais brincar com você!
Ficou emburrada o resto do dia e foi dormir sem falar mais com ninguém.
Eu, pelo contrário, estava querendo que o dia terminasse, que a noite passasse e que o amanhã chegasse logo. Eu iria conhecer MEU PAI...

Dormi pouco e mal. E sonhei com ele, um homem alto, grande e um rosto que eu não conseguia ver direito. Que me pegou nos braços esticados e ficou olhando longamente para mim sem sorrir. Depois me colocou no chão e carregou a Dina. Acordei e não pude dormir mais.
Mal o dia amanheceu, eu já estava de pé, atormentando Mamãe com perguntas, que ela respondia com paciência. A Dina veio tomar o café e já estava normal, tinha acabado sua braveza, pensei, que bom, vamos brincar? E lá fomos nós para o quintal. Estava um dia quente e Papai tirou uma foto de nós duas, descabeladas e de pés no chão.
Dina estava contente porque tinha arquitetado uma maldadezinha: ensinou-me uma musiquinha corrente na época, sobre Pirapora, que tinha uma “palavra feia” no meio, que eu não conhecia. Eu gostava de cantar, todos em casa gostavam que eu cantasse, achavam bonitinho. E eu não era inibida até ali. Então, porque não? Iria agradar a todos...
— Quando o SEU PAI chegar, você vai cantar para ele, entendeu?
Fiz que sim com a cabeça. Eu confiava nela.

Logo depois do almoço ele chegou.
Só me lembro de um homem muito, muito grande. Mas não me pegou nos braços, como no sonho. Quis carregar a Dina, mas ela correu para o quintal. Ele ficou muito corado e muito sem graça. Trazia dois pacotes e me estendeu um deles, uma bonequinha de celulóide, muito feinha, cor-de-rosa.
— Agradeça, Mariana — disse Mamãe. E muito baixinho, só para meus ouvidos:
— Olhe a educação, não me faça passar vergonha...
— Muito obrigada — disse eu.
— Esta outra é para a Dina — disse ele, muito corado ainda.

Sentaram-se todos no quintal, numa roda de cadeiras. Eu fui ter com a Dina:
— Ele trouxe esta boneca. Tem uma para você também.
— Não quero! Não aceito NADA dele! Ele não é nada meu. Odeio ele! Vá para lá, vá cantar para ele! Mas de repente ela sorriu e perguntou: Lembra da música? Cante pra mim, quero ver se você sabe!
Eu queria olhar para ele mais uma vez, ver direito seu rosto, mas a roda estava meio fechada, os adultos estavam conversando. Então resolvi o problema, entrando por baixo da cadeira da Eva. Fiquei bem no meio da roda e cantei bem afinadinha a música que a Dina ensinara.
Aí aconteceu uma coisa horrível: todos ficaram em pé ao mesmo tempo, horrorizados. E ele, Gustavo, meu pai bonito, estava vermelho como um tomate! Só Papai, a mão em concha no ouvido, perguntava O que foi? O que ela fez? Hermínia, o que foi?
E eu, também muito vermelha, não estava entendendo nada.
— O que foi que eu fiz? — perguntei num fiozinho de voz, pois já adivinhara que devia ter sido uma barbaridade. Mamãe, Gustavo, Eva, Santa, Belinha e Pique permaneciam em pé, esta última com a mão na boca.
Mamãe, os olhos arregalados, foi a primeira a se recobrar da vergonha incrível que sentiu. Passou a mão em mim e me levou para o quarto, dizendo a pior frase que sabia dizer: — Vamos conversar! Eu morria de medo quando ela dizia isso com aquele tom de voz. E, ao chegar ao quarto, olhei para ela e vi o pior: suas sobrancelhas unidas e entre elas, “o triângulo da catástrofe”.
— Como você pôde nos envergonhar desse jeito? Falar aquele nome! Na frente de SEU PAI! Que vem aqui pela primeira vez! O quê ele vai pensar? Que não sei educar você direito? Que somos “desqualificados”? Mamãe só usava essa palavra para pessoas que faziam coisas realmente horríveis. Fiquei apavorada.
Nesta altura eu já havia entendido que havia na canção alguma palavra “feia”, mas não sabia qual era, de tudo o que cantei qual a palavra proibida, mas não podia perguntar a ela, pois não o diria, nem poderia contar a ela que a Dina me havia ensinado e mandado que eu cantasse aquilo para ele como uma homenagem, pois Mamãe não a perdoaria e eu não queria que ela ficasse brava com a Dina, como estava comigo.
— Me perdoe, Mamãe, me perdoe! Nunca mais canto aquela música!
— Quem ensinou você?
— Eu ouvi... não sei onde... na rua...
— Não tem de ficar repetindo tudo o que escuta por aí! Você vai ficar de castigo, por uma hora!
“Uma hora”? — pensei... “Quanto tempo será isso? Será pouco? Não, é um castigo, deve ser um dia inteiro"... Não me atrevi a falar mais nada.

Não o vi mais, o meu pai bonito. Ele foi embora sem se despedir de mim. Eu estava desolada. “Fiz uma coisa horrível, desqualificada, e ele não gostou, por isso foi embora”...
Agüentei o castigo, que era ficar imóvel, sentada numa cadeira dura e reta no quarto, até não poder mais. Mas eu nunca conseguia ficar parada por muito tempo. Então balançava as pernas para frente e para trás, para frente e para trás, juntas, alternadas, juntas, alternadas, para passar o tempo. Sem querer, comecei a cantar baixinho e, para meu horror, percebi que era a música proibida. Quase caí da cadeira de susto. Mãos na boca, morri de medo que alguém tivesse ouvido. E fiquei absolutamente imóvel novamente. Ninguém apareceu, ninguém ouviu, ufa! Cruzei as pernas e me recostei. Cochilei e quase caí novamente.
Ninguém podia vir ao quarto, era proibido. Só Mamãe, quando passasse toda a “uma hora”.

Depois de um tempo enorme, fui libertada. Mamãe ainda estava com “o triângulo” na testa... Não me atrevi a falar, nem perguntar nada.
— Vá jantar. Todos já estão na mesa. E COMA TUDO!

Obedeci rapidinho.

sábado, outubro 06, 2007

Uma Grande Paixão X

Mariana com uns dois anos e meio e José Marcos, outro priminho
Daí em diante, tudo foi mais tranqüilo.
Anna passava para me ver e visitar os tios e primas muitas vezes, sempre que podia. "Ela" de alguma maneira me fascinava, mas me dava uma sensação de perigo quando chegava. Eu percebia também que Mamãe, Papai e todos que estivessem na casa sentiam a mesma coisa. É óbvia a explicação: "ela" poderia me arrancar de lá a qualquer momento. Mamãe vivia com medo de que isso acontecesse.
Então, desde essa idade de um ano e três meses, eu ouvia a minha história e portanto cresci sabendo que aquela querida protetora a quem eu chamaria de Mamãe pelo resto da minha vida, não o era na verdade. Isso era tão perturbador que me trazia pesadelos em que eu a perdia, de uma maneira ou de outra. E sempre acordava gritando. Quando cresci mais um pouquinho, já não gritava, mas, apavorada pelo medo da perda dessa mãe por escolha, colocava minha mão em seu nariz, para sentir sua respiração. Procurava sua mão entre as cobertas de sua cama e segurava-a até poder dormir novamente.Eu não aceitava a idéia de que Anna era a "mãe verdadeira". Não via nela nenhuma semelhança comigo, não sentia nela nada que pudesse me atrair, a não ser as histórias que contava.
Anna tinha realmente muito jeito para isso. Chegava sempre sem aviso e logo havia uma mesa posta para ela. Imediatamente se formava uma platéia à sua volta e logo todos nós ficávamos presos ao enredo. (Talvez eu tenha herdado um pouco disso). Eu gostava particularmente das histórias que "ela" contava de seu pai, meu avô. Dizia coisas dele que fariam qualquer pai feliz. Tenho dele a impressão de que foi um homem culto e de poucas palavras. Professor, enérgico e mandão e não havia quem o desobedecesse, inclusive "ela". Papai Pedro, que era o irmão caçula tinha por ele o maior respeito e admiração.

Entre outras histórias, Anna contou que tinha cinco anos quando seu pai quis ensiná-la a nadar no rio Ribeira, que é respeitável. Deu a ela as instruções todas de movimentos de braços e pernas e como fazer para respirar.
Ela olhou para o rio caudaloso e rápido e teve medo. Sua hesitação o irritou. Ele lhe ordenou que entrasse na água, que "filho dele nenhum podia ter medo" e acrescentando que confiasse em seu pai, pegou-a e atirou-a no rio. Ela afundou várias vezes, mas lembrando-se da orientação e, principalmente da confiança de que ele a salvaria se preciso fosse, acalmou-se e saiu nadando como pôde, carregada pelo rio... e ao chegar à margem uns cinqüenta metros de onde caíra, já lá estava ele, todo orgulhoso.
Não sei muito bem o que pensar desse fato... Como seria ter sido sua neta? Provavelmente teria tido um pouco de medo desse homem déspota... ou ao contrário... tudo teria feito para conseguir o amor dele... como Anna?... Outra pergunta jamais respondida.
Mas Papai, que era espírita, sempre dizia à Anna que "a Mariana é a reencarnação do Tonico! Essa menina é a única que me enfrenta... Não tem medo de mim... e sai sempre ganhando"...

Papai era outro de meus amores. Quando eu tinha dois anos, lembro-me de estar saindo pelo portão da rua de baixo, com um litro vazio de leite na mão e na outra uma moeda de 200 réis, para ir "comprar leite para o papai", sem que ninguém tivesse percebido. Só que me perdi. Atravessei uma, duas, três ruas e acabei não sei como sendo recolhida por uma senhora velhinha, D. Etelvina, que me levou para sua casa, perto do Quartel.

Deixei todo mundo em polvorosa. Papai foi para um lado, Santa para o outro e Pique para o outro. Esta era a filha mais nova e mais doce de mamãe e papai, com 18 anos na época. Estava namorando um tenente do Exército, com quem acabou se casando. Esse oficial, a cavalo, também ajudou a procurar e perguntando de casa em casa acabou me encontrando...

Não me lembro de ter levado bronca de ninguém nesse dia. Acho que todos ficaram felizes por eu estar sã e salva. Mas o papai ficou sem o leite...

Uma Grande Paixão - IX


Tia Hermínia leu várias vezes o telegrama, o coração se partindo, desejando que fosse um pesadelo.
Como pudera deixar que a situação chegasse a esse ponto? Por que não fizera valer sua opinião? Mas ela sabia a resposta, não pudera, não pudera negar à mãe. Ela sabia que isso aconteceria... sua menininha... estava... Oh meu Deus, ela pode morrer? Não! Não queria pensar nisso! Em um primeiro momento ela chorou, mas recobrando-se correu até a antiga cômoda em seu quarto, sobre a qual brilhava acesa uma lamparina em frente a uma estampa de Santa Therezinha e outra de Santo Antônio, rodeando uma pequena imagem de argila de Nossa Senhora. Ela tomou a imagem nas mãos e rogou à Mãe de Deus com toda a sua fé pela vida de sua menininha. E pediu forças para cumprir a difícil tarefa que tinha pela frente, trazer a criança de volta, tirá-la dos braços de sua mãe biológica e acrescentar mais uma carga a quem já tanto havia sofrido. Era uma tarefa e tanto e ela apertou a imagem contra seu coração. Então sentiu uma onda morna de paz que a cobriu como um manto protetor.
Reconfortada, chamou as filhas, Belinha, Santa e Pique. Mostrou o telegrama, dizendo que iria para Apiaí buscar Mariana. Santa iria com ela. Belinha e Pique ficariam tomando conta da casa e do pai. E iriam imediatamente.
— Mamãe, a jardineira não passa hoje... — disse Belinha.
— Iremos de carona num caminhão qualquer para o sul. — Santinha — arrume uma muda de roupa para nós, rápido, vamos já.
A coragem dela de pegar uma carona com um estranho motorista de caminhão é de estarrecer hoje em dia, mas naquele tempo os automóveis eram raríssimos. Naquela cidade só os muito ricos pensavam em ter um.
Mamãe Hermínia contava muitas e muitas vezes essa história. Eu a ouvi dezenas de vezes.
Foram mesmo de carona em um caminhão. A viagem, a 30, 40km por hora, foi lenta e torturante e Hermínia passou mal na serra, na estrada deserta, estreita e esburacada, traçada em plena mata, com mais curvas acentuadas do que qualquer um pode suportar.
A viagem foi interminável mas enfim chegaram, de madrugada. O motorista deixou as duas na praça às quatro da manhã e não querendo acordar os sobrinhos Júlia e Augusto a essa hora, sentaram-se num banco para esperar amanhecer. Geava. Cobriram-se com os xales de lã feitos de crochê por Hermínia, grossos e quentes, mas insuficientes para o grau zero de temperatura. Logo começaram a sentir nos ossos a umidade e então se levantavam tiritando e andavam, para lá e para cá, abraçadas, para se aquecerem.
Por volta das 6 horas, um dia fosco e sem sol começou a clarear e as duas mulheres enregeladas encaminharam-se para a casa de Augusto e Júlia. Recebidos pelo casal, enquanto Júlia foi fazer um café, Hermínia ouviu o chorinho lancinante da criança. Sem pedir licença precipitou-se na direção do lamento, chamando — Mariana! — O choro parou de repente e inundada de emoção ela ouviu: — Mamãe?!... Mamãe!!! — e quando chegou ao quarto, a criança já descera da cama sem grades e vinha ao seu encontro, os braços estendidos para ela, que a pegou no colo chorando.
A criança rodeou seu pescoço com tanta força que — contava Hermínia — só cortando seus braços fininhos ela largaria — e assim ficaram por muito tempo, abraçadas. Hermínia chorava e beijava as faces risonhas da sua menininha. Ficou penalizada com a extrema magreza e com as olheiras escuras que rodeavam os olhos grandes de Mariana. Seu espírito prático emergiu, procurando a cozinha para providenciar um mingau de maizena. Mas a pequena não conseguia tomar quase nada do mingau, e Hermínia pensou que seu estômago estava “pequeno como o de um passarinho”.
Anna abraçou Tia Hermínia. Conversaram por bastante tempo. Disse que estivera pensando e que a única solução, para o bem da filha, seria mesmo que esta voltasse a viver com a tia por mais algum tempo. Mas de repente, não conseguiu se conter e chorou muito. Soluçava e perguntava a Deus por quê fazia isso com ela, que mal ela teria feito para sofrer tanto, que triste destino o dela de ter de perder quem mais amava. Revoltou-se contra Gustavo. Iria procurá-lo para saber como ele explicaria tudo isso... E ela mesma, como poderia viver sem ele? Ela o odiava ou o amava? Já não sabia...
Tia Hermínia estava imersa em compaixão. Sentia toda a dor da sobrinha e sabia que nada poderia servir de consolo tão cedo. Só o tempo... talvez...
Mas a criança vinha em primeiro lugar para ela agora, pela urgência do problema do apetite. Tinha de voltar para casa, para que ela se sentisse amada e segura. E estava com receio de que a pobre Anna não suportasse outra vez a separação e voltasse atrás na sua decisão. Resolveu voltar no mesmo dia. Não importava o cansaço. Tio Augusto concordou, era o melhor a fazer.
Outro motorista ofereceu a carona: era um caminhão de porcos.
Jamais, enquanto viver, poderei me esquecer daquele cheiro.

quinta-feira, outubro 04, 2007

Uma Grande Paixão - VIII

Morro Azul, Julho de 1944

A terceira filha, Mariana, estava com um ano e três meses quando, sem nenhum aviso, Anna apareceu.

Do ponto de vista de Anna, foi uma festa.

Abraçou a criança, sentou-se com ela ao colo e procurava agradá-la de todas as maneiras. A menina, habituada com uma casa sempre cheia e movimentada, não costumava estranhar ninguém. Já falava algumas palavras e era sempre risonha. Mas Anna logo viu que para a filha, ela era uma estranha, uma desconhecida. O tempo que passara longe dela estava fazendo uma grande diferença para as duas. Tentou construir uma ponte entre elas.
— Mariana?
A menina olhava séria para ela. Tia Hermínia juntou as mãos. Estava muito perturbada.
— Mariana, — continuava Anna — Sou sua mãe! Diga: Mamãe.
A menina voltava-se para Tia Hermínia, estendia o bracinho e repetia:
— Mamãe! Mamãe!
Anna franziu a testa. — Ela chama a senhora de mamãe?
Tia Hermínia ficou meio sem graça.
— É... Ela chama...
— E a senhora consente?
— Ela ouve meus filhos me chamarem de mamãe. Apenas imita. Não há mal nisso... Lembre-se que ela não conhece você. Quando chegou aqui tinha apenas dezoito dias, era uma recém-nascida... A pessoa que cuidou dela fui eu. Mas fique tranqüila. A mãe é você e ela vai saber disso. Virou-se para a criança, dizendo docemente:
— Mariana... Esta é Naná. Ela é a sua mãe...
A menina olhou para a mulher desconhecida, depois olhou para Tia Hermínia, sorriu e disse: Mamãe! Estendeu os dois bracinhos para Tia Hermínia, que a pegou no colo. Anna ficou tentada a impedir, a reter a menina, mas pensando melhor deixou a filha ir para o colo da tia. Seu coração doeu ao ver o quanto sua filhinha amava a outra e a julgava sua própria mãe. Doeu mais ao ver a criança, a criança que era sua, que ela havia dado à luz, ficar em pé no colo da outra e passar os braços finos ao redor do pescoço dela... e beijá-la ternamente, repetindo Mamãe! Até parecia que estava mostrando a todos quem era sua Mamãe. Anna disfarçou, mudou de assunto. Mas estava abalada. Mais um golpe do destino.
Procurou não pensar mais no assunto. As coisas se acertariam. Ficou dois dias na casa, conversando, contando tudo pelo que havia passado. Estava sempre dando um jeito de carregar a criança, de brincar com ela. Até resolveu comprar algum presente para a filhinha. Em companhia de Belinha, saiu com Mariana no colo, pela Rua Campos Salles. Ao passar por uma vitrine com sapatinhos de bebês, percebeu logo o interesse da menina, que apontava com o dedinho para um sapatinho de pelica cor-de-rosa. Comprou para ela.
No dia seguinte, Anna participou à tia que decidira levar a filha com ela até a casa dos sogros, no Paraná, em busca das outras duas. Pretendia fazer outra parada no meio do caminho, em Apiaí, na casa de sua irmã Júlia para descansar, que a viagem era longa.
Tia Hermínia suspirou. Ecos do passado. Gustavo fizera a mesma coisa, mas quando ele se fora, a pequenina ficara. Até agora. E todos já gostavam demais dela e tão acostumados estavam com sua presença na casa que nem mais cogitavam que não seria para sempre... E agora...
— Vou sentir demais a falta dela. Todos nós vamos sentir. Mas fazer o quê? Está certo assim, você é a mãe. Seus olhos se encheram de lágrimas. Anna se condoeu.
— Mas eu a trarei de vez em quando para que vocês matem as saudades.
Tia Hermínia pensou "E a criança? Como reagirá? Será que irá bem com ela? Ela não sabe de nada, não conhece... Minha Santa Therezinha do Menino Jesus, proteja a minha menininha"... Mas nada podia fazer, a não ser rezar.
A mala da criança estava pronta. Tio Pedro ofereceu-se para ajudar com a bagagem. Anna pegou-a ao colo dizendo:
— Vamos passear? Quer que eu compre para você outro sapatinho cor-de-rosa?
Foram todos até a porta da rua e ficaram acenando até que virassem a esquina. Tia Hermínia enxugava disfarçadamente no lenço amarrotado as lágrimas teimosas, vendo "sua menininha" adorada desaparecer na esquina, indo embora de sua casa para sempre... Entrou para o quarto, sentou na cama e pôs o rosto entre as mãos. Santa e Belinha entraram com ela e as três choraram abraçadas por muito tempo. Os outros filhos estavam fora. Eva era diretora de um Grupo Escolar de uma cidadezinha perto de Piracicaba. Ruth, Leo e José já eram casados e moravam em outras cidades.
Anna, carregando a filha, falava com ela e mostrava isto e aquilo para distraí-la.
Com a presença de Tio Pedro, a pequena sentia-se segura. Chegaram até o Largo dos Amores, onde ficava o ponto da “jardineira” que ia até Curitiba, passando por Apiaí. Tio Pedro abraçou a criança, que pegava seu rosto entre as mãozinhas, depois tirava seus óculos, ria e os recolocava, uma brincadeira que sempre faziam. Quando viu duas lágrimas descendo pelas faces dele, ela perguntou:
— Papai dodói? — e seguia com o dedinho o caminho das lágrimas dele pelo rosto.

Anna se despediu e pegou a criança. Quando entrou no ônibus com ela, a menina começou a se debater, querendo voltar para o colo do “papai”. Ao ver que não a atendiam, nem Anna, nem “papai”, e que este ia ficando lá longe, começou um berreiro ensurdecedor. Gritou tanto que Anna achou por bem dar-lhe uns tapas, o que foi desastroso. O motorista parou o ônibus, dizendo:
— Minha senhora, essa criança é sua? Não parece conhecê-la. Se não for, a senhora desce aqui, e já.
Anna ficou indignada. Mostrou a certidão de nascimento que Gustavo deixara com os tios e o motorista não teve alternativa, senão aceitar os fatos... e os gritos. Mas Anna ainda explicou que estivera doente e a menina ficara até agora com outras pessoas da família e realmente não se lembrava dela. Por isso a choradeira. Nesse momento Anna pensou que a tia julgava natural ser chamada de "Mamãe" pela filha que não era dela... e detestou isso.
Entre os passageiros estavam duas amigas de Tia Hermínia, que dias depois contaram a ela essa cena. Contaram que a menina chorara sentidamente durante toda a viagem e chamara todo o tempo por “mamããe”. Que caía num sono curto de pura exaustão e soluçava de fazer dó. Acordava gritando apavorada.

Uma semana depois, Tia Hermínia recebeu um telegrama de sua sobrinha Júlia, a irmã mais velha de Anna, em cuja casa em Apiaí mãe e filha se hospedaram.
O telegrama dizia:
Tia Hermínia. Venha buscar Mariana urgente. Só chora. Não come. Emagreceu muito. Estamos preocupados. Júlia e Augusto.

quarta-feira, outubro 03, 2007

Uma Grande Paixão - VII

Estou contando a história com os retalhos que conheço. São tão poucos... Para costurar essa colcha, tenho de usar bastante imaginação. Depois de escrever cada capítulo, releio e vejo que faltam muitos detalhes. Mas como isto é apenas o resumo, deixa estar.

1944
No capítulo anterior, Anna estava colocando em ação o plano arquitetado de se comportar direitinho. A bem da verdade, não sei em que momento ela teve essa idéia, se foi logo no começo ou bem mais tarde. O que sei é que ela ficou lá por doze meses inteiros. Tremo ao pensar na sua luta entre sentimentos de saudade e amor por suas crianças, ao mesmo tempo em que via brotar e crescer um ódio mortal pelo marido, tudo somado à imensa agonia de estar presa em uma situação tão absurda e ainda ter de dominar tudo isso. Posso imaginar as ondas tsunâmicas de sentimentos contraditórios que invadiam seu coração e, pondo-me no lugar dela, não sei se minha mente teria sobrevivido intacta. E a dela? Suponho que também não.
Hoje, quando penso um pouco, chego à conclusão de que foi o ódio que a salvou, pois é o único sentimento tão forte quanto o amor.
Disse-me ela que depois de muito tempo seus esforços começaram a ser recompensados. Contou que havia uma enfermeira mais bondosa com quem conseguia conversar e estabelecer uma espécie de 
tênue amizade. Contou a ela o seu drama e a enfermeira a ouviu com atenção. Essa mulher emprestou a Anna um batom vermelho e um pedaço de papel, na hora do banho vigiado. Ela mal teve tempo de escrever um curto bilhete contando onde estava e colocando o endereço da sua irmã mais velha, minha tia Júlia, terminando com um apelo desesperado: Pelo amor de Deus, TIRE-ME DAQUI!
Anna se dizia eternamente grata à enfermeira, que fez o enorme favor de esconder o bilhete, comprar um envelope e colocar no correio. Mas a expectativa quase a matou. Mal conseguia se controlar, apavorada de demonstrar o extremo nervosismo que alternava com o medo cruel de que o bilhete não chegasse, ou que o endereço não estivesse muito correto, ou que qualquer outra coisa desse errado.
Em Apiaí, tia Júlia, diretora do Grupo Escolar, recebeu um envelope barato, branco, sobrescritado com letra desconhecida. Abrindo-o, leu estarrecida o bilhete tosco, escrito como que às pressas e assinado com o apelido familiar de Anna, Naná. Seus olhos se arregalaram e ela ofegou, a mão procurando a boca. Ela leu e releu aturdida. Não parecia de modo algum a letra alta e elegante da irmã, mas ela acreditou, por causa do apelido. Juqueri! Como? Por quê? Mas Gustavo dissera... que era uma clínica em São Paulo... Um ano em tal lugar? Júlia sentiu náuseas e tateou procurando o sofá. Seu coração batia tão forte que precisou se recostar uns minutos. Foi falar com o marido, fora de si de tão nervosa. Mal conseguia falar:
— Augusto, Augusto! Veja o que chegou pelo correio! Precisamos fazer alguma coisa! Meu Deus, Augusto o que vamos fazer?
Tio Augusto era um homem grandalhão, um coronel, irmão do prefeito, ligado ao Dr. Diógenes Ribeiro de Lima. Resolveram ir a São Paulo falar com o eminente político. Longas conversas com pessoas importantes foram entabuladas, negociações foram feitas e alguns dias mais tarde, graças aos contatos deste último, Anna saiu do seu martírio, entre a irmã e o cunhado.
Dr. Diógenes em pessoa acompanhou o casal até o Hospital do Juqueri, com uma carta do Governador. Os médicos reclamaram, dizendo que a paciente iria “sair sem alta”, ao que o político respondeu:
— Ela não precisa de alta! Nunca deveria ter entrado aqui!
Anna saiu pelos altos portões e para a liberdade. Respirou profundamente o ar frio de Julho de 1944. Uma garoa tão fina que mais parecia uma névoa entrava-lhe pelas narinas, gelando garganta e pulmões, mas ela não se importou. Sua vida lhe fora devolvida e ela sentia uma euforia de conquista, uma embriagues de vitória contra quimeras e moinhos de vento. Sentia-se diferente do que fora, mais forte e mais livre do que nunca.

Agora podia ir buscar suas filhas.

terça-feira, outubro 02, 2007

E a História Continua

Nice aos 7 meses, toda feliz

Uma Grande Paixão - VI


Gustavo partiu para o Paraná levando as duas meninas para a casa de meus avós. Dina se lembra do sítio entre as montanhas, das vacas e do cheiro de esterco, do carinho com que foram recebidas e onde ficaram por mais de um ano.
Eu fiquei com Tia Hermínia, que me amou como se fosse sua própria filha e que me fez sentir sempre muito querida e especial.
Ela se preocupava com minha falta de apetite, pois eu estava sempre abaixo do peso, mas acima da altura. Tinha dificuldade para comer e não engordava.

Na clínica, Anna seguia o tratamento.
Nos dias de hoje, ela não precisaria ser internada, pois a Psicologia e a Psiquiatria desenvolveram técnicas, medicamentos e rótulos para a Depressão Pós Parto, stress, TOC, Síndrome do Pânico e um mundo de outros problemas a que as pessoas estão sujeitas. Hoje, ninguém está livre de apresentar alguma dessas coisas e a procura de um profissional ou mesmo de uma clínica de repouso não desdouram ninguém. Todos estamos no mesmo barco.
Mas naquele tempo, ter sido internada era uma barra muito pesada a ser enfrentada. A palavra "louca" entranhava na carne da pessoa assim considerada e uma internação por esse motivo tornava-se como um cartaz na testa da infeliz criatura.
Dois meses se passaram e Anna não recebia nenhuma notícia do marido nem das filhas. Ela começou a se impacientar e a demonstrar novamente nervosismo e irritabilidade. Os médicos aumentaram os medicamentos. Havia também outro problema: Gustavo não aparecia para efetuar os pagamentos. Através daquele médico que indicara a clínica, conseguiram o endereço dos pais de Gustavo e o chamaram para resolver a situação. E, três meses depois de ter entrado, ela saiu, nos braços do marido.
O que se segue, ela me contou quando eu já estava noiva. Disse que ele a abraçou, beijou e que um táxi estava esperando na porta da clínica. Nesse táxi eles seguiram. Ele deitou a cabeça dela em seu ombro e acariciava seus cabelos, falando baixinho em seu ouvido o quanto sentira sua falta, o quanto a amava, que suas filhas estavam esperando por ela, ansiosas e que ele a estava levando para lá.
O coração dela explodia de alegria e antecipação pelo reencontro, perguntava de cada uma das filhas e do bebê que deixara com 15 dias, como estava, como era, se era bonita, se ele tinha alguma foto para ela ver e ele a acalmava, chamando-a de “Meu amor”.
— Tenha calma, querida, meu amor, você está indo para lá, onde elas estão...
Então ela queria saber dele, o que tinha feito esse tempo todo, se a empregada estava dando conta da casa e das meninas, se o consultório ia bem sem ela, se ele estava sobrecarregado de trabalho e ele respondia que tudo ia bem.
Depois de um tempo, quando o táxi parou, ele a soltou. E ela viu que estavam dentro de muros altos e à distância ela via um prédio grande. E que uns funcionários de avental branco se aproximavam.
— O que... o que é isso? — estranhou ela — Onde... onde estão as meninas?
— Aqui é onde você vai ficar... Não posso mais pagar a clínica e os médicos mandaram trazer você para cá...
— Para cá... o que é isto aqui? O que está acontecendo?
— Você precisa entender, tem que aceitar... É o Juqueri...

Ela contou que ao compreender, o choque foi tão violento que ela se comportou como uma verdadeira demente, olhos arregalados e gritando que não era louca, que era perfeitamente normal. Partiu para cima do marido, implorando que não fizesse isso com ela, pelo amor de Deus, você disse que me ama, você me enganou, você me enganou para eu não perceber que estava me trazendo para este lugar, meu Deus, o que você é? E lutava e batia nos enfermeiros que a seguraram e levaram para dentro do prédio onde estavam os médicos, que lhe injetaram alguma coisa muito forte, pois ela perdeu as forças e logo os sentidos.

Acordou no chão de uma cela acolchoada, sem saber quanto tempo se passara, e quando os pensamentos começaram a se focalizar e se lembrou de tudo, ao tentar se levantar percebeu que estava amarrada numa camisa-de-força... "Não, isso não pode estar acontecendo!"
Não conseguia nem gritar. Não tinha forças. Sua voz saía rouca, parecia de outra pessoa. O coração entrou numa dança frenética e ela ficou inundada de suor. A respiração lhe faltou e ela pensou que ia morrer ali mesmo. Até desejou isso. A realidade era por demais cruel.
Ela começou a pensar na viagem de táxi e no marido falando doçuras em seu ouvido e sentiu uma dor tão intensa e dilacerante que parecia impossível de suportar. Não podia pensar, não conseguia acreditar. E começou a chorar, presa e impotente, enganada e desesperada. E então rezou e pediu a Deus que a ajudasse, se é que Ele existia... Logo entraram os enfermeiros e a sedaram novamente.
Assim os dias foram se sucedendo, um depois do outro, depois do outro. Ela acordava e se desesperava, gritava e ora chamava Gustavo, ora clamava por Deus. Mas quem aparecia eram os enfermeiros e seus odiosos remédios que lhe tiravam a consciência.

A dor imensa da perda, insuportável, foi se transformando em ódio, num ódio tão intenso quanto fora seu amor. E isso, por incrível que pareça, foi despertando sua capacidade de pensar. Finalmente soltaram-na, avisando que ao menor sinal de rebeldia ela seria colocada em camisa-de-força novamente. Ela disse a eles que não repetiria o espetáculo, que já estava bem calma. Começou a levar a vida “normal” naquele antro de horrores e ficou sabendo que estava incomunicável.
Começou a pensar que ficaria ali para sempre, se não se comportasse com inteligência. Arquitetou um plano: agiria com tanta segurança e docilidade que não teriam como conservá-la lá. Colaboraria com as enfermeiras e procuraria conversar com os doentes menos graves e até tentaria ajudar em alguma coisa. Tinha de parar de ingerir os remédios fortes para que sua mente se dasanuviasse. Pedia ajuda o tempo todo a um Deus de Misericórdia que devia estar em algum lugar, em algum céu distante. Tinha de sair dali, custasse o que custasse. Pelas filhas e por ela mesma.
E ele... aquele inqualificável... ah, ela o amaldiçoava com toda a força do coração.

segunda-feira, outubro 01, 2007

Uma Grande Paixão - V

Nada sei sobre meus primeiros dezoito dias de vida. Posso imaginar apenas, pelo que já contei aqui. Imagino que minha pobre mãe não teve leite, que meu pai mal esperou que ela ficasse bem, para combinar com o tal médico a internação. Imagino também que ela ignorava isso tudo.
Suponho que o médico a tenha convencido de que ela precisava de um tratamento apropriado numa clínica de repouso, o que lhe permitiria melhorar mais depressa para voltar à sua vida normal. Suponho que foi usada com ela uma linguagem médica adequada a seu grau superior, porque ela aceitou aparentemente o tratamento e a internação. Suponho que meu pai tenha usado com ela de todos os meios ao seu alcance para fazê-la acreditar que tudo ia ficar bem entre os dois e com as três crianças. E isso era tudo o que ela desejava.
Eles a internaram em uma clínica de São Paulo, onde ela se deixou ficar docilmente, por três meses, descansando e esperando dia após dia que seu grande amor voltasse para buscá-la. Medicamentos ajudaram e ela passou a sonhar.
Sonhava que estava em casa com as filhas. Mal conhecia o novo bebê, que não pudera acompanhá-la. Sofria muito com isso. Só quem é ou já foi mãe pode entender a ligação absoluta que une uma mulher ao bebê que acabou de dar à luz. Mas ela tudo aceitou porque Gustavo, tão amado, explicou tão bem. Ela o sentiu seu novamente, que felicidade. Ela tinha imaginado, que louca, tudo aquilo, que bobagem! Ela pediu a ele perdão pelas barbaridades que havia pensado e ele magnanimamente a perdoara, como era bom! Ele a beijara, oh, tão docemente, e a abraçara, passando aquela mão querida por seu rosto e lhe dissera que a amava só a ela, só a ela!... E então, que felicidade, ele a carregara e a deitara na cama e se deitara ao lado dela, acariciando-a e lhe dizendo palavras de amor e de carinho e que ela precisava, precisava muito ficar boa, voltar a ser como era antes, antes de toda essa confusão, que ele, o querido, precisava dela, precisava de seu amor e ela adormecera tão feliz, tão delirantemente feliz...
E agora estava nessa clínica submetendo-se “voluntariamente” a todo aquele tratamento horrível, mas se era por ele e pelas filhinhas ela o faria de todo o coração.
Gustavo voltou para Sorocaba e vendeu o consultório. Conseguiu vender tudo por um preço irrisório para um dentista recém-formado. Pegando o valor da venda, colocou seu plano em ação: levar as três crianças para D. Ernestina criar. A viagem levaria alguns dias, tinha de ir parando, por causa das crianças e, principalmente do bebê, que só chorava. Resolveu passar por Morro Azul, na casa dos tios e fazer uma parada lá. Decidiu fazer a viagem de trem, pelo conforto do vagão-restaurante, onde as meninas comeriam e poderia mandar esquentar a mamadeira para a menorzinha. Chegou à casa dos tios exausto e aturdido com o choro da pequenina, toda molhada, que tanto se mexia.
Entregou-a à Tia Hermínia, que abriu um enorme sorriso para a chorona, pegando-a no colo e embalando-a até o bebê parar de chorar.
— Coitadinha, está toda molhada! Como se chama?
— Mariana.
— Você tem fraldas? Vou trocá-la. E a mamadeira?
— Acabou, já tomou a que eu trouxe.
Tia Hermínia chamou a empregada, Idalina, e mandou-a correndo à farmácia comprar uma chupeta, enquanto preparava uma mamadeira de leite de vaca para a recém-nascida magérrima, “pele e ossos”, pensava ela.
— Venham, crianças, há leite para todas. Gostam com café? E um pãozinho com manteiga? E já foi movimentando todo mundo em torno do grande fogão de lenha, sempre pronto e quentinho. Idalina voltara e já puzera a mesa da sala para o lanche improvisado.
A mamadeira ficou pronta e a chorona pôde mamar, mas Tia Hermínia logo percebeu algo errado. O bebê não conseguia mamar tudo.
— O estômago está muito pequeno, ela não consegue... pobrezinha. Por isso está tão magrinha... Carlota e Dina comiam pouco, também e, coisa estranha, Dina tomava conta da Carlotinha. E o pai... coitado, parece que está carregando o mundo nas costas...
— Gustavo, você vai ficar uns dias aqui, nem pense em ir embora assim. Como está Anna?
Ele contou, depois de mandar as meninas para o quarto. Disse que a situação estava bem ruim e que estava pensando seriamente em separar-se da mulher. Não acreditava mais que o casamento pudesse continuar. Disse também que Anna, antes da última gravidez saía e se divertia, ia a bailes e dançava, largando as crianças com ele. E que depois se enchera de ciúmes doentios, começara a acusá-lo de andar atrás de mulheres, que tinha ciúmes até... até de Eva...
— Tia Hermínia ficou horrorizada.
— O que você está querendo dizer? Que Anna...
— Anna está meio louca, Tia Hermínia, e eu não estou agüentando mais...
— Não é possível, Gustavo! Geniosa ela sempre foi e sempre adorou bailes, mas daí a você me dizer que...
— Tia, estou querendo dizer que nem sei mais se esse bebê é meu...
Tia Hermínia tampou a boca com a mão.
— Gustavo! Eu não acredito! Não posso acreditar!

Tio Pedro, surdo de um ouvido, "fazia concha" com o outro:
— Como é? O que ele está dizendo, Hermínia?
Tia Hermínia explicou "de menos": — Espere um pouco, depois eu falo.
Isso era muito grave naquele tempo. Ainda hoje é. Mas naquele tempo, a mulher que era acusada pelo próprio marido, estava perdida, não valia mais nada.
— Gustavo, você não pode estar falando sério!
— Tia Hermínia, Anna andava fora de si. A senhora precisava ouvir as coisas que ela me falava! Chegou a dizer que "essa criança na barriga não era minha"... Fiquei quase louco! Depois ela voltava atrás e vinha pedir que a perdoasse, que não era verdade... Mas realmente, não vejo como continuar com ela...
— Gustavo, você tem certeza?
— Não, tia, não tenho...
— Mas então...
Ele se calou, abatido e exausto.
— Você agora vai descansar. Fique aqui com as crianças hoje, amanhã, quanto tempo quiser. Pode deixar que eu cuido das meninas. Amanhã você estará melhor e vamos conversar seriamente sobre isso.
Baixou os olhos para a criancinha dormindo em seu colo e sentiu uma pena tão grande, tão intensa e uma vontade tão forte de fazer alguma coisa por ela, por todas elas, que foi como uma tenaz de ferro lhe apertando o coração.
Gustavo passou a noite, mas no dia seguinte participou aos tios que iria seguir viagem para a casa da mãe, D. Ernestina, lá no Paraná.
Tia Hermínia pediu a ele para deixar a bebezinha até que ficasse mais forte.
— A viagem é muito longa, Gustavo, e ela não vai agüentar...
— Essa eu posso deixar com a senhora para sempre, se quiser.
Tia Hermínia ficou chocada e sentiu algo muito dividido: uma enorme alegria e uma profunda tristeza. Alegria por ficar com a criança mirrada, que ficara tão calma em seu colo e tristeza pela fácil rejeição do “pai” que não se importava com a frágil criancinha. “Talvez... talvez... ele não seja mesmo o pai... mas... se for... não merece ser... Mas que coisa, um moço tão bom... Nunca poderia esperar isso... Coitada da Anna... e coitadinhas das meninas...