quinta-feira, novembro 29, 2007

Meditação Final: "O Ensaio Sobre a Cegueira"

Shiost, pelo amor de Deus! Nunca deixe de comentar nada sobre livros! Pois se eu li este livro só por causa dos comentários que você, o Caos e o Turini fizeram!
No fim das contas, não digo que "adorei" o Ensaio sobre a Cegueira, pelo menos no princípio, mas só porque me pegou de surpresa, não imaginei que fosse tão realista e não estava preparada para isso.

Mas foi o livro mais diferente de tudo o que já li e quando passar mais um tempo, será um dos prediletos. Penso que seja leitura obrigatória.

Se ao chegar pouco além da metade senti-me num turbilhão de horror, a partir do ponto em que eles saem de um inferno para entrar em outro maior, mas pelo menos em liberdade, a esperança retorna para eles e para mim, em direção ao final, quando a questão proposta vai se resolvendo de maneira bastante interessante. Acabei gostando e admirando o autor, que consegue passo a passo, sem atropelar, de uma maneira quase infantil e pura, descrever tudo, tudo, o que lhe passa pela cabeça. Tenho certeza que se esse livro fosse escrito por qualquer de nós, menos pacientes, teria a metade das páginas.

E concordo inteiramente com Saramago que, para os brasileiros, TINHA de ser editado no português original, para que pudéssemos saborear aquela linguagem única. Ninguém antes escreveu assim, exceto as crianças.

Não penso que as personagens precisassem de nome, pois a intenção de Saramago era que cada um se identificasse com um pouco de cada qualidade ou defeito delas. E que, no contexto, deveria haver a perda total de identidade. E quanto a não produzir emoções, discordo ampla e irrestritamente, pois me abalou até as bases, principalmente nas páginas 174, 175 e seguintes com o sacrifício aviltante das mulheres pela comida dos homens.

É verdade que ele escreve como um cronista frio aparentemente, pois não julga, só expõe. Mas consegue sim, despertar intensas emoções e mostra-nos de uma forma contundente uma verdade dolorosa e esquecida a respeito da humanidade acomodada no conforto, se nos dispusermos a prestar atenção e formos corajosos o bastante para nos identificarmos com uma ou outra das personagens e com a situação em que se encontraram.

Foi o que fiz, parada no umbral do possível, olhando para dentro daquele palco de horrores e meditando sobre a possibilidade de um dia ficarmos todos cegos por produtos químicos que já são lançados diariamente na atmosfera e na água do planeta. Identifiquei-me com aquelas poucas pessoas de idades e profissões diversas, amostra da sociedade em que vivemos, e que conseguiram formar uma pequena comunidade na incontável multidão de brutalizados, arrogantes, ignorantes e miseráveis coitados, reduzidos à animalidade pela falta de um único sentido, o da visão. Cogitei também numa cegueira psicológica e, como disse a “mulher do médico”, já estamos todos cegos.

Descobrimos que no mais horrível dos infernos em que foram atirados, ainda foi possível, no fim das contas, serem resgatados pelo espírito de justiça e compaixão com que os seres humanos foram dotados e que, mesmo sendo apenas pessoas carentes de tudo, somos confeccionados de maravilhosa matéria frágil e magnificamente formada e que podemos e devemos nos comportar como a Criação Divina que somos.

sábado, novembro 24, 2007

PARADA NO UMBRAL DO POSSÍVEL


São 4:30h da matina e já estou acordada.

A culpa é do Saramago.

Depois de um sono inquieto, com sonhos vagos de perseguição, numa selva de pedra tecnológica onde uma gangue se especializava em roubar celulares detectáveis nos bolsos ou bolsas das pessoas mediante ondas de radiação, primeiro meio que acordei e, depois, desisti de dormir.

Saramago me inquieta muito. O "Ensaio sobre a Cegueira", na cabeceira, desprende uma espécie de bruma de manso terror.

Durante o dia penso nas "camaratas" imundas, nos corredores infectos de dejetos de todo tipo, nos cuidados a que os cegos ficam sujeitos, na dependência abjeta das pessoas que enxergam, na medonha insegurança e na inconfiabilidade.

Que experiência terrível é a simples leitura desse livro! Que emoção insidiosa e particular ele provoca! Uma emoção de horror brutal pela crueldade humana.

Fiquei parada no umbral do possível, entre o sono e a vigília, até perceber que o que me incomodava era a "presença do livro" ao meu lado na cama.

O umbral do possível.

Gosto da maneira portuguesa e do estilo do autor, intercalando as frases e os diálogos como quando se pensa, as letras maiúsculas começando a frase depois de uma vírgula, sem ponto de interrogação depois de uma pergunta, sem ponto final depois de uma resposta. Tudo junto, sem travessão para separar do resto os diálogos, que ficam assim meio difícil de entender de imediato, o que nos obriga a ler com muita atenção e a voltar atrás, às vezes, para ver quem está falando agora.

Não é um livro que se leia de uma sentada.

E estou ainda na metade. Por causa da falta de tempo, só leio à noite, antes de dormir. E como ando cansada, leio poucas páginas e durmo com ele nas mãos. A capa é branca como uma moldura em volta de um retângulo em tom pastel, róseo, suave, com desenhos em relevo, como braile.

Durante o dia penso que é um livro deprimente e que vou devolvê-lo ao clube sem terminar. Mas preciso, quero saber o final, que rumo o autor deu à história, se a mulher do médico cegou também ou não.

O gênio do Saramago imaginou tão bem (ou tão mal) tamanha desgraça coletiva que fico pensando o dia todo no valor da visão, na alta graça do dom que temos de poder ver e enxergar, de ouvir e de sentir cheiros e paladares.

Parada no umbral do possível, olhando para dentro daquele hospício desativado onde estão aqueles cegos em suas camaratas, à mercê da caridade de uns e da maldade de outros, imersos em abandono e sujeira, entregues a si mesmos e o tempo todo  ameaçados.

Realmente, não o sinto um "livro amigo", daqueles que seguro ao peito quando termino de ler, já sentindo falta das personagens que se tornaram queridas. Não, não é esse tipo de livro. Não é a boa emoção que causa, mas a emoção negativa.

Saramago não acaricia. Ele sacode a gente violentamente, enfia dois dedos sujos em nossos olhos, machuca e agride, mostra-nos como somos, os humanos, torres de egoísmo.

Mas estou apenas na metade do livro.

Preciso saber se alguma coisa vai mudar.

sexta-feira, novembro 23, 2007

O Filho do Padeiro

Paulinho era muito novo para ser obediente, ainda muito bebê para ser disciplinado. A mãe sempre lhe dava um pelote de massa de pão para brincar. Ele tinha dois anos, era magrinho e agitado e seus olhos grandes, cercados de olheiras escuras que envelheciam a carinha comprida, costumavam seguir os movimentos dos pais de um lado para o outro.

D. Laura ajudava o marido a fazer os pães e antes das 4h da madrugada a massa já estava nos tachos. Ultimamente o sono do menino estava leve e acordava ao menor ruído. Descia do berço sozinho e punha-se a seguir a mãe. D. Laura já aceitava o jeito do filhinho, pois não havia o que fizesse o menino voltar para a cama. Se a mãe insistisse ele aprontava o maior berreiro, de acordar a vizinhança.
— “Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação”, deixa ele sossegado — vociferava o pai, atordoado. Nem o pão cresce direito com essa zoeira toda!” O padeiro então pegava um pedacinho da massa:
— Olhe aqui, moleque, pode brincar com isto. Mas fique quieto! E o berreiro acabava num instante.

Então seguia-se a azáfama normal numa padaria conceituada, o aquecimento do forno, a mãe fazendo uma coisa, o pai fazendo outra.
Logo os pais já estavam habituados com o minúsculo Paulinho por ali, sentado numa cadeira por trás do balcão, concentrado em amassar sua bolinha de massa.

Mas nessa madrugada a mãe não estava dando muita atenção para o menino. Pediu que ele esperasse um pouco, que a massa ainda estava sendo preparada para ir para os tachos. O olhar atento e desperto do menino indicava uma paciência curta. Ele estava com aquela carinha de quem já ia começar a gritaria. Mas D. Laura estourava de dor de cabeça, tinha tremores de frio. — Devo estar com febre, pensava ela, louca para voltar para a cama quentinha. Fazia um tempo frio e úmido e ela espirrava de vez em quando, sentindo pontadas por dentro do nariz. Acho que vou lá dentro pegar uma aspirina...

Paulinho estranhou. Ninguém dava atenção a ele. Viu quando o pai derramou a enorme quantidade de massa no primeiro tacho, olhou e sacudiu a cabeça, franzindo as grossas sobrancelhas, depois cobriu com um pano branquinho.
Paulinho foi até ele pensando em pedir: — Qué massinha. Mas o pai já tinha se virado. Paulinho parou junto ao tacho quase da sua altura e olhou por cima do ombro. O pai já estava lá na frente limpando os cestos, preparando tudo para que as freguesas não tivessem o que reclamar.

No chão, o grande tacho de madeira coberto pelo pano com o seu objeto de desejo. Levantou uma pontinha do pano e seu narizinho sentiu o aroma da massa crua. Paulinho ficou olhando, fascinado.

O pai continuava arrumando as coisas. A mãe ainda não voltara. Ninguém percebeu quando ele se içou ficando de barriga sobre o tacho. Ninguém viu quando ele estendeu as mãozinhas e ninguém estava por perto quando ele mergulhou de cabeça, as perninhas para cima debatendo-se até pararem.

terça-feira, novembro 20, 2007

1966 - Lua de Mel no Rio de Janeiro

O Casalzinho em Lua de Mel



Praia de Copacabana
A praia de Copacabana, antes do aterro, era simplesmente deslumbrante
À direita, na Ilha de Paquetá, à sombra do Baobá chamado de Maria Gorda






domingo, novembro 18, 2007

O RELOGINHO TISSOT

O primeiro ano do casamento foi extraordinariamente feliz.
Estava grávida quando comemoramos o aniversário de casamento e ainda hoje fico emocionada ao me lembrar do quanto chorei em pleno restaurante, quando no final do jantar meu marido me presenteou com um reloginho Tissot, que devia ter custado grande parte do salário dele. Eu sabia que ele se sacrificaria para pagá-lo e aquilo me doía o coração.
E continuei chorando por todo o jantar, sem me incomodar com o que as pessoas poderiam estar pensando. Estava tão feliz e tão grata a ele pela maneira maravilhosa com que me tratava e pelo amor absoluto que me dedicava. O presente apenas significava tudo isso. Olhávamos nos olhos um do outro e o que víamos era um amor infinito. Havia muita gente no restaurante, mas estávamos sós, não havia mais ninguém, não cabia mais ninguém, apenas nós dois...
O que as pessoas que nos observavam disfarçadamente viam, era uma jovenzinha em adiantada gravidez, num amplo vestido amarelo claro solto no corpo, olhando intensa e apaixonadamente para seu jovem marido louro que lhe retribuía o olhar com a mesma intensidade. Viram quando ele lhe ofereceu um presente, um pacote pequenino e perceberam toda a emoção que a invadiu, ainda antes de abrí-lo. Viram quando ela apertou as mãos dele e quando as lágrimas começaram a rolar interminavelmente pelas faces dela. Sorriram quando ele colocou delicadamente o minúsculo relógio no fino pulso dela. Algumas mulheres enlevaram-se quando ele beijou suavemente a mão da moça. Os mais interessados na cena perceberam que um grande amor unia o jovem casal, em cujos dedos brilhavam as alianças de casamento. E as pessoas sorriram encantadas com o romantismo que emanava do casalzinho.
Lembro-me de ter continuado emocionada durante toda a noite e de ter chorado de felicidade até alta madrugada.
Vinte e três dias depois, o bebê nasceu, lourinho e robusto, com 3,650 kg e 50 cm de altura.
Era tão parecido com o pai que minha sogra o reconheceu entre todas as crianças no berçário da Maternidade. "É igualzinho ao meu filho quando nasceu", dizia ela para quem quisesse ouvir.
E a vida começou a mudar para o jovem casal. Agora éramos três.

quinta-feira, novembro 15, 2007

Lucy, Lucy

Lucy querida. Até agora não consegui entender por que você não deixa seus comentários no espaço reservado para isso.

Este só vi hoje, entre os inúmeros e-mails que recebi e não tinha tempo de abrir:

Re: Voltando a Joinville
De: Lucy Meire P. R. de Aguiar (
lucy.ag@terra.com.br)
Enviada:
sexta-feira, 2 de novembro de 2007 0:17:22
Responder-Para:
Lucy Meire P. R. de Aguiar (lucy.ag@terra.com.br)

Para:
nice barth (nicebarth@hotmail.com)


Minha querida escritora,
Socorro !!! Já vasculhei seu Blog e não encontrei a continuação.
Dê-me uma luz.
Beijinhos,
Lucy.


From: lucy.ag@terra.com.brTo: nicebarth@hotmail.comSubject: Re: Voltando a JoinvilleDate:


Thu, 1 Nov 2007 22:16:08 -0300

Resposta:

Você já deve ter lido que estive sem tempo e a história quase se esfumaçou de todo em minha cabeça (que estava pegando fogo...). Fiquei tão sem graça e tão vazia de idéias que cheguei a pensar que nunca mais conseguiria escrever... Mas agora, com a Luzinete talvez logo eu volte, pois ainda tenho de ir ensinando a ela todas as tarefas da casa. Vocês mulheres me entendem, não é mesmo?

Um grande, grande beijo.

quarta-feira, novembro 14, 2007

REBECCA - Palminhas e Bravinha




terça-feira, novembro 13, 2007

Toc toc toc

Três batidinhas na madeira...
Parece que vai dar certo com a paraibana. É muito boa e tem um alto astral. Chegou há pouco de Minas onde trabalhou durante um ano. Ainda não está contaminada pelas "vassouras" que já estão "mourejando de velho" e só querem ganhar, mas não trabalhar.

Viva! Viva a Paraíba! Ela é de João Pessoa, tem 48 anos e já deu um trato na casa que está dando gosto. E o melhor dela é ela mesma, um amor de criatura.

Primacaçula, será que encontrei outra Idalina?

domingo, novembro 11, 2007

Sem empregada

Cida.

Faz 40 dias que estou sem ela e minha vida mudou.
Era muito mais do que empregada. Há 18 anos, começou a trabalhar aqui, ficou dois anos e meio e saiu. Tinha só uma filha. Nesse meio tempo, teve a segunda, esperou mais um pouco e voltou, desta vez ficando onze anos inteiros conosco.
Uma amiga. Uma psicóloga, uma filha, uma irmã, que chorava, ria, emocionava-se, orgulhava-se dos feitos dos nossos filhos, e tomava nossas dores.
Mas hoje, passado todo esse tempo, quarenta dias, chego à conclusão de que ela estava querendo sair e encontrou um pretexto, pois o motivo não foi relevante. O Nelson estava reclamando que ela não estava fazendo as coisas direito, sempre distraída com outras coisas, a cabeça longe.
Ele tinha razão, reconheço. Mas eu sou muito paciente e valorizo demais o trabalho da empregada, que faz o que eu não quero ou não posso mais fazer.
O pai da Cida mora em casa própria, com as outras duas filhas.
Cida é a mais velha e a única casada. Mora nos fundos, numa pequena casa de quarto, cozinha e banheiro.
As irmãs nunca trabalharam em casa de família, apenas em firmas. Fazem pouco caso da Cida por ter sido empregada doméstica por tanto tempo, embora ganhem muito menos.
Seja lá pelo motivo que for, o fato é que minha empregada me deixou.
Não pude mais escrever minhas histórias, nem pintar meus quadros. Tinha de ficar fazendo coisas que há muito tempo não fazia, coisas como cuidar de roupas, de comida, de arrumação etc. O blog sofreu com isso, mas quem mais sofreu fui eu mesma.

Hoje entrevistei uma paraibana que me pareceu boa pessoa e trouxe bastante referências.
Espero que dê certo para que eu possa me alforriar...

quarta-feira, novembro 07, 2007

Quer ver uma maravilha?

Timtim, esta é para você:

Clique aqui:

http://www.youtube.com/

Apareceu o programa? Lá em cima, onde está escrito Search, tem uma barra em

branco.

Escreva lá:

Tico tico

e aperte o Enter.

Em seguida vão aparecer alguns quadros. Clique no da japonezinha que diz:

Stagea Tico tico

E depois me conte o que achou!

terça-feira, novembro 06, 2007

Ernesthine

Sachsen (Saxônia) em verde escuro
Não parece uma ave? A capital, Dresden, fica pertinho do bico...

É bom dar uma olhadinha na História daquela época para entendermos um pouco melhor como as coisas se passaram e por que.

Houve em 1848 aquela revolução na França, que destronou Luís Felipe, o rei burguês. Como um dominó, isso levou a sublevações em toda a Europa contra as monarquias absolutistas. Na Itália e na Alemanha o objetivo era também levar à unificação dos respectivos países. A Alemanha desde 1815 estava dividida em 35 estados e os revolucionários queriam a unificação.

Em março desse mesmo ano foi fundado o partido político Vaterlandsverein, para lutar pelo estabelecimento da democracia.

O agitador anarquista russo Mikhail Bakunin se refugiou em Dresden fazendo estreita amizade com Richard Wagner, que era fortemente esquerdista e odiava a pomposidade e perversidade da corte de Dresden, capital de Sachsen (Saxônia). Nas reuniões desse partido eles discutiam revolução, republicanismo, socialismo, comunismo e anarquismo.
Bakunin uniu-se ao outros líderes dessa revolta, Otto Leonhardt Heubner e August Röckel e todos juntaram-se à Guarda Comunal Revolucionária.

Na Áustria os movimentos liberais e nacionalistas ganharam força e o Imperador Francisco I foi obrigado a fugir e meses depois, abdicou em favor de seu sobrinho Francisco José (marido da Sissi).

A 3 de maio de 1849 o rei da Saxônia recusou as exigências dos democratas e ordenou que a Guarda Comunal se dissolvesse. Os membros do Vaterlandsverein decidiram oferecer resistência armada e o exército foi enviado a Dresden para esmagar a revolta. Panfletos foram impressos apressadamente e distribuídos, barricadas foram erguidas e granadas foram compradas. Os rebeldes tiveram apenas dois dias para preparar a defesa. Coitados, eram em número insuficiente e o exército prussiano os triturou... O rei condenou à morte os líderes (que já haviam fugido do país), pena que mais tarde foi comutada em prisão perpétua.

Nós podemos imaginar as discussões nas ruas de Dresden, as lutas, o inferno em que a cidade se transformou, a insegurança que se insinuou nos corações e a esperança de viver melhor num Brasil pintado em belíssimas ilustrações de mansões em meio a jardins luxuriantes de plantas e flores tropicais. E a oferta de D. Pedro II de terras espaçosas à disposição de alemães (e outros) que quisessem colonizar esse paraíso.

Fica assim mais fácil para nós, entender os motivos da imigração.

sábado, novembro 03, 2007

Ernesthine Wilhelmine

O reino da Prússia (Processo de Unificação da Alemanha no séc. XIX)

A rota de Ernesthine
Alemanha de hoje

Estive em ritmo de investigação, projetando-me no passado, há 178 anos.

Ernesthine nasceu na cidade de Dresden, em 21 de março de 1829.

Se ao chegar ao Brasil em julho de 1852, seu filho mais velho tinha 7 anos, provavelmente casou-se em 1844. Teria então apenas 15 anos! E Franz Gustav era um viúvo de 41 anos, portanto 26 anos mais velho. Penso que se tratava daqueles casamentos arranjados. Também ainda nada sei sobre seu nome de solteira.
Estou fascinada pela personalidade dessa moça que foi minha antepassada.
Imagino que não pôde acompanhar Franz Gustav na viagem pelo "Gloriosa" no ano anterior por estar grávida de 5 meses. Franz, então com 49 anos, partiu de Hamburgo em julho de 1851, com o filho de 21 anos, de outro casamento. Ela ficou sozinha em Dresden com os quatro filhos e outro nasceria em novembro de 1851, em pleno inverno.
Fico imaginando a beleza dela, a pele muito clara, os olhos azuis, os cabelos finos e escuros. Deveria ter grande força de espírito para ficar sem o marido e esperar seu quinto filho sozinha, numa época em que as mulheres eram tão discriminadas.

Crio uma imagem dela de vestido preto, os cabelos penteados para trás, formando bandós dos lados, sobre as orelhas pequenas e delicadas. Ativa, preparando-se e aos filhos para a dura viagem que teria pela frente. Esperando o pequenino ficar um pouco mais forte.
Vejo-a preparando as roupas das crianças e colocando nos grandes baús de madeira de lei. A família tinha posses, casa bonita e alguns criados. Vejo-a dobrando carinhosamente as peças brancas, rendadas, de seu próprio guarda-roupa, os vestidos de festa, as camisolas.
Ela sabia o que a esperava na Colônia Dona Francisca. O marido escrevera que estava desapontado e decepcionado. Contara que muitos embarcaram no navio seguinte, de volta para a Alemanha. Dissera que a vida não seria fácil, mesmo contando com a ajuda de escravos. Haveria muito trabalho braçal e pouquíssimos recursos. Dissera também que a empreitada era difícil para ele, que era um intelectual.

Vejo-a sentada em sua saleta, lendo a carta atentamente, depois chamando os filhos e lendo em voz alta para eles, todos em volta dela, a pequena Hedwig de quase dois anos em seu colo, Elisabeth sentadinha num banquinho bordado, muito séria em seus quatro anos, o rostinho rosado apoiado nas duas mãozinhas, os grandes olhos claros voltados para a mãe cheios de confiança. Wilhelm, 7 anos, estava ansioso para ir para aquele país tão exótico, imaginava caçadas com o pai, pescarias, aventuras de todo tipo. Edmund, mais sossegado, só escutava.

Ela sabia, pelas revelações da carta do marido, o que teria de enfrentar, mas não se intimidou. Sabia que sua vida mudaria drasticamente e sentia que estava preparada para isso. Sentia em seu íntimo uma força insuspeitada antes. Sentia um arrebatamento, uma audácia e um destemor de Valquíria, que a impulsionava para o desafio do desconhecido.
Somente o bebê novinho, bem cuidado pela babá, preocupava-a um pouco. Não parecia tão forte como os outros. Mas a babá acompanharia a família, para ajudar a cuidar das crianças.
O dia marcado para a viagem se aproximava. Iriam atravessar a Alemanha de lado a lado, do extremo leste para o extremo noroeste. Hamburgo ficava muito longe. Iriam todos numa carruagem bastante grande e "confortável", parando para dormir em hospedarias razoávelmente limpas e para refrescar e descansar os cavalos. Outras carruagens, mais duas, seguiriam com as roupas e utensílios para a grande mudança. Levaria apenas o mais necessário. A casa estava à venda. Seus preciosos tesouros ficariam para sua mãe à espera de serem embarcados.
Seu piano... Como viveria sem ele? Mas estava levando o violino do marido. Poderia cantar... Ela suspirou. O espartilho apertava tanto sua cintura ainda aumentada, que tortura, as estradas eram esburacadas e as meninas enjoavam. Teria de pedir ao boticário para providenciar uns sais. E o bebê? Levantou-se para olhar o berço. Dormia, tão sereno... Como era lindo o seu filhinho. Alisou de leve seu cabelinho louro e macio e seu coração se dilatou e derreteu de amor. E ela sorriu com os olhos, como só as mães conseguem fazer.