segunda-feira, junho 28, 2010

A Vida Continua


Rebecca no Lago Narabeen

A princesa está cada vez mais linda!
André falando Vovó! 
Já tem quatro dentinhos, que aqui nesta foto ainda não haviam aparecido...


quarta-feira, junho 23, 2010

Carta a Antônio Gilberto

Meu querido primo Deto,

Fiquei ontem no Refulgir com suas palavras agora transformadas em lembranças,  postagem por postagem, até as 3h:20 da madrugada. Não queria sair. Não queria deixar você, parecia que estávamos conversando ao vivo.

Li muitas e muitas das páginas, ora engraçadas e gozadoras, ora contundentes para com os políticos, ora irreverentes, ora de humor non sense, mas sempre cheias de espírito. Meus neurônios tiveram de multiplicar as sinapses para tentar compreender suas brincadeiras...

Que saudade, meu querido! Pensar que não poderei ouvir o som de sua voz por um bom tempo, até que nos escontremos aí onde você está agora...

A sua voz, com sotaque limeirense, um pouco lenta e arrastada, que sempre me passou um pouco da sua tranquilidade... Que saudade!

Os seus olhos, marotos e sorridentes, que faziam pensar que estávamos falando com o próprio Mesmeu, o seu "Filósofo Triste", sua invenção, sua criação e seu porta-voz... Quanta saudade!

Lendo quase inteiramente os seus dois blogs e sentindo sua alma, entendendo melhor suas idéias, percebendo você nas entrelinhas, comecei a sentir um imensa e dolorida saudade, quando me veio a constatação de que você se foi mesmo... e está fora do nosso alcance físico.

Só agora estou começando a acreditar nisso.

Até aqui não me parecia verdadeira essa hipótese. Você sempre esteve ao alcance de uma curta viagem, ao toque de um celular ou de um telefone ou de um Skype. Sempre esteve ali quando eu visitava a Esther e Maria Christina em Limeira, e o visitei tão pouco!

Não há como não me lembrar de nossa infância, de você pequenininho, em Pirassununga, o nosso Nenê, com aquela linda "boquinha de chupa-ovo", como dizia a Geny, você de terninho e gravata, você no velocípede, no patinete, depois maiorzinho,  no "automovinho", crescendo cada vez mais bonitinho, sempre com uma carinha séria, mas quando ria os cantos de seus lábios viravam para cima...
Que saudade!
Nice, Flávio José, Antônio Gilberto e Maria Christina

Nice, Flávio José, Tia Santa, Maria Christina e Deto no "automovinho"

Depois você chegando para as férias na vovó com seus irmãos, você com três anos apontando candidamente para a chupeta pendurada ao meu pescoço de cinco anos "A Nice ainda usa chupeta!", cobrindo-me de rubor e da decisão de largar aquela vergonha na mesma noite. Devo a você a façanha de me fazer largar a chupeta! 

O cachorro Brotinho aos pés do dono

Ainda um pouco mais tarde, você encompridando, virando um rapazinho, depois nossas gozações quando começou a aparecer um bigodinho, mas você não ligava...

Deto aos 15 anos e o bigodinho...

E quando você passou no vestibular da FEI, quando ficou um moço que já fazia a barba, quando se formou e conheceu a Lucy, o seu casamento com essa moça incrível! Quando veio nos contar que desceu no último elevador durante o incêndio do Edifício Andraus, onde trabalhava! 

Depois o nascimento dos filhos, Flavinho e Márcio... 

Mudanças de emprego e de cidade... A mudança para Limeira, a construção da casa, os casamentos dos filhos... 
 
Nossos encontros em família na casa da Esther, ou na fazenda da Maria Christina para os aniversários da Cláudia e da Eliane, nossas bebedeiras, muitas risadas e vida vivida! 

E sempre presentes seus comentários do tipo " Nice, quem precisa de óculos para ler não está velho, tem apenas um 'problema ortopédico', uma questão de afastar o livro até achar o foco! Mas quando o problema começa a ser de ouvido e a pessoa não entende direito o que os outros dizem e tem de fazer uma concha com a mão, aí sim, não tem mais jeito! É velhice mesmo!" 

Por último, o seu blog, a sua insistência em me fazer criar o meu próprio, e nossas conversas e comentários que nos uniram mais do que antes, a criação do "Provérbios", a amizade com os outros blogueiros e comentaristas, enfim... Você teve uma vida bastante boa, rica e deixou muita coisa escrita e é isso que ficará... 

E para terminar, transcrevo aqui, do seu blog Refulgir, o post de 30 de Agosto de 2006:

30 Agosto 2006


Resposta do Teste

Pois é, amigos, o autor é um velho conhecido do Zecão, o Richard Bach. Esses versos fazem parte do livro "Ilusões- Aventuras de um Messias Indeciso". Os trechos copiados são do Manual do Messias, que o Messias Indeciso, chamado Don W. Shimoda, empresta ao piloto do Fleet, para que tente se tornar um novo Messias, porque ele já está enjoado de ser Messias. Segundo alguns críticos, este livro é melhor que o Fernão Capelo Gaivota, que eu não li e, portanto, não posso comentar.
Olhem que interessante uma das máximas do Manual:

Eis aqui
um teste para verificar
se a sua missão na terra está
cumprida:

Se você está vivo,
não está.

terça-feira, junho 15, 2010

LUTO BRANCO



Nunca pude com essa palavra - LUTO.

Já tive minhas perdas para o 'Lado de Lá', mas nunca fiquei de luto.

Pois agora estou.

Vou deixar este blog em branco até passar este momento. 

quarta-feira, junho 09, 2010

Garota Solitária


E eu me sentia também completamente isolada delas, daquelas meninas minhas companheiras de escola. 
Antes desse dia eu até queria ser aceita por esse grupo. Tentava até pronunciar as palavras com o acento caipira para não parecer diferente. 
Mas repentinamente, ao sol daquela tarde, eu me senti como se estivesse me distanciando delas, daquela sala iluminada, daquelas cores fantásticas, daquelas fantasias emprestadas e disformes, e percebi que aquela alegria de meninas simples não me contagiava e eu queria sair daquela casa e estar a quilômetros dali. 
Foi a primeira vez que senti tão fortemente que meu lugar não era ali. E onde era meu lugar?
Peguei minha bicicleta e fui para casa filosofando, num descontentamento relutante, sem motivo... Lembro-me de ter pensado nisso, não como penso hoje, que tenho as respostas da vivência, mas como uma descoberta, uma passagem, um portal, de uma fase da vida para outra. 

Nove anos... E me sentia muito mais velha, meio ave sem pouso. 

A Formatura da 4ª Série - 1952

Formatura da 4ª Série do Grupo Escolar Adherbal de Paula Ferreira - Turma de 1952 

Todos os vestidos eram cor-de-rosa.
A Odete usava um cinto vermelho para ajustar a cintura e seu vestido de tafetá era enfeitado de estreitas fitas vermelhas de veludo.
Eu era a única que usava tranças, as famigeradas fitas e finíssimas luvas de crochê , confeccionadas pela Edna... Meu vestido era caprichado, de organdi engomado, com babadinhos e rendas. Os sapatos e meias brancos estalando de novos, para a ocasião. 

Na primeira fila, da esquerda para a direita: Odete (em pé). Sentadas: Clara, Neusa, Heloísa, Carmen, Nice, Lourdes, (não me lembro do nome), Sônia e Cecília.

A primeira à esquerda, em pé, é a superforte Odete, que acabou comigo no primeiro e único round, mas não antes de levar a primeira "malada"... 
A suave Heloísa - o pomo da discórdia - é a terceira sentada. 
A japonesinha Clara era a primeira aluna e um doce de menina. Seríssima, não falava. 
Lourdes, que está com o dedo na boca, era a melhor corredora. Chamavam-na de Lourdona... Ela quase voava, de tão rápida. 
Uma vez pedi a ela que corresse comigo me puxando pela mão e ela nem esperou que eu me preparasse. Parecia o Bip bip... Acabei caindo e ela me arrastando, sem nem perceber. Eu não iria largar a mala, então ela foi me arrastando pelos pedriscos da rua sem calçamento, por cima do meu braço que ficou no vivo... Sangrava, ralado e empoeirado, doía pra caramba, até hoje se vê a cicatriz... Ela só parou quando as outras meninas gritaram Lourdes! Lourdes! Pára! Você está "arrastando ela!" 
A mão e o braço ficaram de um jeito que vocês podem imaginar e a dor me arrancava lágrimas, mas o estado do meu uniforme estava pior... Aaai, como vou enfrentar mamãe, mais uma vez?...
 Fui pra casa aguentando a dor, que o medo era maior. Desta vez como ia ser? Encontrei mamãe na cozinha e ela arregalou os olhos. Caiu de novo? Caíííí... já chorando. Ela só sacudiu a cabeça e me pegou pela mão ralada e lá fomos pro banheiro lavar bem com sabonete ... aaaiii e depois o álcool canforado, AAAAAIIIIIII... desta vez uma gaze e um esparadrapo para proteger. 
E não tem que chorar, que é isso, parece moleque se machucando desse jeito! 

Da segunda fila, todas eram mais velhas. Só me lembro da Irene, a segunda da esquerda para a direita. Nossas aulas eram de manhã. E num sábado a Irene convidou toda a classe feminina para ir à casa dela depois do almoço para uma "festa à fantasia", sendo que ela forneceria as roupas, de outros carnavais.
Foi engraçado, porque chegando lá, vimos uma grande caixa de papelão com fantasias até a boca. As meninas correram e cada uma escolheu a sua. Eu, molenga, só fiquei olhando. A Irene falou: Ninguém pode ficar sem fantasia! Marianice! Pode ir escolhendo a sua! Obedeci. Mas chegando junto à caixa vi que só sobrara uma: a do Super Homem, de cetim vermelho e azul, com o irônico S... Sacudi a cabeça para a Irene: Não quero essa! É de homem! E de homem grande, não serve! Não tem outra, disse ela. Vista essa mesmo! Fantasia é fantasia, tanto faz. 
Nunca mais, em toda a minha vida, vestiria outra fantasia. Aquela de Super Homem me bastara. Nem consegui curtir a tal "festa" com aquele uniforme todo largo no meu corpo. Nunca me senti mais magra. E elas apontavam e morriam de rir. Até eu ri de perder o fôlego, porque estava mesmo ridículo e impagável. 
Mas assim que se distraíram com seus guaranás e seus bolos, disfarçadamente tirei aquilo e fui embora, filosofando. Desenvolvera em alguns minutos um senso de ridículo para toda a vida...

É incrível como a visão dessa foto me trouxe de volta aquelas cenas em cores vivas. A fantasia que me sobrou! Justo a de Super Homem! Imagens completamente esquecidas num cantinho qualquer de minha mente.
E como as imagens e as emoções provocadas por elas voltaram vívidas! Sinto a textura do cetim amassado, a vergonha de ter de vestir aquilo e de me expor ao ridículo, sinto o cheiro de coisa guardada, e sinto na pele o calor do sol da tarde entrando pela janela e iluminando a meninada risonha e barulhenta, encantada com tão pouco...

segunda-feira, junho 07, 2010

Coragem é Enfrentar o Próprio Medo

O Flávio José era o primo mais velho, quatro anos completos mais velho do que eu, dois e nove meses mais velho que a Maria Christina.

Os dois vieram antes na minha vida do que você e o Deto. Ele era sarcástico, tanto quanto a Maria Christina, mas foi exatamente isso que me levou a querer melhorar minha maneira interiorana de falar e a aprender um português mais correto e cristalino. Era a maneira mais eficaz de evitar de cair nas malhas gozadoras dos dois... 
Foi o Flávio José quem  me instigou a ter vontade de aprender, a um desejo imperioso de ler, demonstrando pelo próprio exemplo a importância de uma base de estudos. E devo à Maria Christina, a quem nada passava despercebido e para quem nenhuma pessoa estaria livre de ser corrigida em público, a autocrítica e a tentativa de melhorar o quanto pudesse. 
Ser motivo de caçoada pelas pessoas que eu mais admirava? Nunca mais! 
A nenhuma das partes a cena da briga deixou nenhum qualquer resquício de rancor. 
Mas houve um fator interessante: minha reação. Sem querer, provei a mim mesma e a eles que era capaz de uma resposta forte e decisiva, embora tivesse menos idade e tipo físico mais frágil. 
Dois anos mais tarde, na 4ª série do curso fundamental, uma menina  chamada Odete, a mais infernalmente forte da classe, resolveu me provocar para uma "briga lá fora". Até hoje nem imagino o motivo. Mas o desafio era direto e indiscutível. e veio por escrito.  O bilhete fora intencionalmente passado de mão em mão até chegar à minha carteira. 
Quando o li, senti que o sangue me fugia do rosto e que em seguida ficava em fogo. Passei os olhos à minha volta e vi a grande maioria da classe cochichando entre si e me olhando com curiosidade. "O que ela vai responder?" - diziam os olhares - " Não vai aceitar" - "Ela é magricela e não vai querer apanhar..." "Ela não tem chance..." . Minhas duas amigas me faziam sinais para que não aceitasse o massacre.
Minhas têmporas batiam a ponto de ensurdecer. Vou levar uma surra e tanto! - pensei - Mas  não posso correr, não vou correr, vou enfrentar! 
Eu sabia que não haveria escolha, que nunca poderia conviver com a covardia. E respondi que aceitava. A classe adorou, é claro. Uma briga! Ou melhor, uma carnificina... Desde o início dos tempos que o povo adora uma matança... e era assim que eu me sentia - indo para o cadafalso, para a arena dos leões... Eu já começava a desenvolver um senso dramático...
Nos meus nove anos eu jamais tinha sido desafiada para uma briga. Não com o meu corpinho frágil. Como Mamãe iria me matar, se soubesse! Eu nem poderia imaginar o castigo, se ela ficasse sabendo... E decidi que não contaria...
Bateu o sinal (vocês se lembram de quando o sinal era um pequeno sino que o inspetor de alunos tocava adoidado?) e saímos para fora. Levantei a cabeça , fechei a cara e marchei devagar e dignamente, pelo menos era a minha intenção. A Odete já me esperava, bufando feito um tourinho bravo. Jogara a mala no chão e me esperava de mãos nuas, punhos fechados.
Eu levava minha mala cheia de livros e cadernos e fiz um plano em minha cabeça: "Ela pode bater quanto quiser depois, que não vou mesmo ter chance, mas quem vai dar  a  primeira sou eu! 
Quando cheguei bem perto avancei e levantando a mala, acertei-a com toda a força , que aliás não era muita... Mas foi só o que consegui. Ela fez o resto. Jogou-me no chão e pulava em cima, gritando que eu era espírita e que minha família toda era espírita! Tive muita sorte que não me quebrasse nenhum osso. De repente parou e foi embora. 
Eu estava bem machucada e toda suja, mas inteira. Sobrevivera e nem tinha sido tão ruim... Eu tinha batido primeiro e estava até orgulhosa disso...
Sangue me escorria do braço ralado e de um joelho e fiquei apavorada de medo da mamãe. Minha saia! Toda suja! Minha blusa, de um branco impecável, agora, imunda e até rasgada! Agora sim, eu estava com medo, mas esse não era covardia! Mamãe era um doce dragão que me amava e cuidava de minhas roupas... E agora? Como enfrentá-la? Fui andando para casa, mancando e tremendo, lágrimas descendo pelo rosto sujo. 
Ela me esperava e ao me ver, correu, preocupada: 
- Nice!! Coitadinha! Onde você caiu? Toda machucada! Venha, vamos limpar isso!
-Que bom, eu pensava, não foi preciso dizer nada...

domingo, junho 06, 2010

As bicicletas

    

Engraçado, na minha memória ficaram gravadas tantas coisas... Mas nas memórias dos primos ficaram outras.
O Deto se lembra mais das bicicletas que alugávamos, pois uma única bicicleta (a minha velha BSA) para quatro convenhamos, era muito pouco.  
        
                                                                                  
Papai comprou essa bicicleta em 1948, quando fiz cinco anos e me lembro que chegou todo animado: Nice, olhe o que eu trouxe para você! Olhei para ele e senti, mais do que vi, o orgulho em seus olhos. É usada, continuou meu pai, mas está em ótimo estado! Vamos, vou ensinar você a andar nela...
Olhei para a bike e vi que ela era "ele", pois tinha a barra horizontal que a identificava como masculina... Era um pouquinho grande para mim, mas como tudo o que eu ganhava era grande para durar mais tempo, eu não me importei nem um pouco com isso. Coisas do pós-guerra em que o dinheiro era muito curto...
Andei nessa bicicleta até os treze anos, quando realmente já não me servia e eu  já estava mocinha.. e tornamo-nos uma espécie de centauro, a BSA e eu. 
Mas, quando os primos queridos vinham, uma vez por ano, tínhamos de alugar outras para eles e íamos até o bairro mais distante, conversando, eu sempre encantada com a presença deles, adorando cada minuto que passávamos juntos. 
A Maria Cecília fala muito nas histórias de fantasmas, contadas ao pé do fogão de lenha, sempre aceso e tornando quente e aconchegante a cozinha. 
Mas para a Maria Christina, as lembranças ficaram concentradas na grande briga que tivemos quando eu tinha sete anos e ela oito e meio. 
Lembro-me como se tivesse acabado de acontecer. O Flávio José estava deitado na rede e caçoando de mim, por qualquer palavra errada que pronunciei e a Maria Christina ria muito. Eu fiquei bem chateada com as caçoadas, principalmente com minha prima, que  ria com tanta vondade que parecia que eu havia feito uma palhaçada das maiores. O senso de ridículo tomou conta de mim. Primeiro pedi que parassem, mas ao constatar que ela continuava, fui ficando tomada por uma enorme humilhação que de repente começou a se transformar em raiva crescente... E as gargalhadas continuavam...  
Quem quer que tenha ouvido minha prima Maria Christina caçoar de alguém e rir da vítima às gargalhadas, talvez possa me entender. Não sei como aconteceu, mas de repente eu estava com as mãos no pescoço da Maria Christina, gritando para ela parar de rir de mim...
Tenho certeza de que não queria machucá-la, nem matá-la... e hoje nós duas rimos disso, mas durante muitos anos Maria Christina só falava disso para todo mundo a quem me apresentava... O que não era nem um pouco agradável: Esta é minha prima Nice, aquela que pulou no meu pescoço quando éramos pequenas... Ahahahahah! E ri de novo! 
O pior de tudo foi que a Esther começou a arrumar as malas dizendo que iriam embora porque a "Nice quis matar a Maria Christina!" 
Nunca me senti mais injustiçada... Pois se essa prima era a minha melhor amiga! A mais querida! Lembro-me também do aperto que senti na garganta, querendo me explicar e não conseguindo. Não podia acreditar que alguém pudesse pensar que justo eu, a menina magrinha e fraquinha tivesse enfrentado pra valer a menina mais velha e mais robusta, que poderia ter me atirado longe com um piparote! Pode ser que ela tenha rido tanto que perdera as forças...
No fim, mamãe e não sei mais quem entraram no meio, fazendo a Esther desistir das malas, mas  uma coisa  dessas não poderia ficar sem castigo, e assim, tivemos de passar a tarde sentadas uma de costas para a outra, fazendo um BORDADO! Horas bordando um tecido! "Isso é para se acalmarem!" disse mamãe. 
E como a afeição eterna que nos unia era mais forte, no fim da tarde rindo juntas e já  planejando peraltices para o dia seguinte... 

Quais serão as lembranças do Flávio José? Tenho de perguntar a ele para completar essa história.

                                                                     

quinta-feira, junho 03, 2010

Mini-Ping Mini-Pong

A mesa da copa era pequena, talvez 1,50m ou 1,60m, o que não impedia aqueles primos maravilhosos de querer jogar ping pong nela. 
Tínhamos nos mudado do casarão mal-assombrado ao lado da Cia. Telefônica, com pé direito de cinco metros, para uma casa menos antiga, na "rua de baixo", bem atrás da primeira. 
Era uma casa dos anos 30, isolada dos dois lados, com terraço, duas salas e um escritório, três quartos, copa, cozinha, banheiro e quarto de empregada. 
E lá fora um quintalão dividido ao meio pela tal edícula que descrevi. Com um lindo pé de camélias brancas que floria no inverno. E a mangueira onde eu era Jane (e eventualmente Tarzan), um abacateiro muito alto, uma parreira que subia pela pérgula, formando um delicioso caramanchão. Um verdadeiro luxo para os nossos padrões. E ainda havia o galinheiro.
No primeiro dia corremos pelo quintal, escalamos a mangueira o mais alto possível, percorremos o segundo quintal , sapeamos a rua de trás e com os dois mais velhos seguidos de perto por mim e pelo Deto, exploramos os quartinhos pormenorizadamente, eles com outros olhos, mais experientes, procurando tesouros. Depois brincamos de polícia e ladrão, mas logo o Flávio José, já adolescente, ficou entediado e a brincadeira perdeu a graça. 
"O que vamos fazer agora, o que podemos fazer... hummm... " e o Flávio olha pra mesa da copa, mede-a com um olhar crítico, torcendo a boca, coça a orelha... "Éééé... acho que dá! Vamos comprar umas raquetes e um jogo de ping pong! E é prá já! Vamos, molengas! Antes que feche a loja! Nice, onde fica?" 
Daí a não mais de 15 minutos o jogo comprado às carreiras já estava montado na mesinha da copa. Os primeiros participantes foram o Flávio José e a Maria Christina, que jogavam muito bem e logo se adaptaram ao tamanho reduzido da mesa. 


       Mabel e José Marcos
Eu nunca havia jogado, mas logo peguei o jeito, mas perdia todas para eles e até para o Deto, mais novo dois anos!                                 
No dia seguinte chegaram os priminhos Marcos e Mabel e o Mini Ping-Mini Pong pegou fogo. 
Era tomar o café da manhã e ping pong, almoçar e ping pong, jantar e ping pong.
Isso até chegarem os outros primos quase bebês, o José Reynaldo e a Regina Célia e a casa ficar tão cheia que dava gosto...  
E nosso jogo teve de parar para não perturbar os pequeninos. 
Fomos novamente para fora, os Tarzans e Janes da mangueira.
Não me lembro da Maria Cecília brincando com a gente, acho que com quatro anos era muito nova e não participava. Ou Esther não deixava... Ela era uma boneca, linda e princesinha.
Eram férias memoráveis que eu esperava todo ano com muita ansiedade.

       

Expectativa

Alguns dias antes mamãe recebeu a carta da Esther, avisando que o Vital os traria  no primeiro sábado, dia 5 de Julho. 
Fiz cara feia. "Ainda!" 
Que foi? — perguntou mamãe — que cara é essa de quem comeu e não gostou?
Olhei bem para ela e vi seu olhar carinhoso. 



— Venha cá  — riu ela — vamos pentear esse cabelo de maria louca. 
"Ah... não!..." — pensei, mas obedeci e fui me arrastando pra sessão de tortura. Minhas tranças chegavam abaixo da cintura e todos os dias mamãe desembaraçava meu cabelo e refazia as odiadas tranças, prendendo-as com laços de fitas na altura das orelhas. Não era pelo ridículo, porque até os meus onze anos eu não tinha vaidade alguma, mas detestava o desembaraçar com o pente, porque doía bastante. 

Vejam a foto ao lado, tirada por papai no dia em que fiz nove anos. E o tamanho das fitas!?  Parecia um veleiro com todas as velas mais a bujarrona, desfraldadas... Cada moda!... 

Mas tranças e fitas ou não, depois de ansiosa espera, chegou o grande dia! Parou na porta o carro e desceu a família: Esther e Vital, Flávio José com 13 anos, Maria Christina com 10, Antonio Gilberto com 7 e Maria Cecília com 4, uma fofurinha. 
Maria Christina nem bem dava um beijo e um abraço nos mais velhos e já se virava para mim, rápida, os olhos brilhantes: 
— Vamos brincar, Nice?! — era meio que uma ordem, mas eu concordava de pronto, felicíssima, olhos tão brilhantes quanto. 
E já saíamos correndo. 

Aguardando a Chegada dos Primos

1952
Todo mês de Junho, lá pelo final do semestre, eu já começava a ficar ansiosa. "Eles" iam chegar! 
Adrenalizada, as aulas terminando, eu não conseguia parar quieta. 
Levava "pitos" o dia todo: Para um pouco, menina! Para de correr pra cá e pra lá! Para de pular! O que você tem? Vê se acha alguma coisa pra ler! Arre! Dá sossego! 
Mas eu não conseguia. Corria para o quintal, cavocava o reboco do muro para ver se encontrava mais ovinhos de lagartixa, deitava na grama para acompanhar as formigas, procurava trevos de quatro folhas, nunca achei nenhum... e por último subia na mangueira, fingia de Tarzan, porque a Jane não subia em árvores. Pena que não tinha um cipó... Mas tinha uma corda... Descia correndo, ou melhor, pulava lá de cima. Procurar a corda não levava muito tempo, num dos dois quartos da edícula, onde ficavam a "oficina" de papai e o "laboratório fotográfico", vulgo "quarto das ferramentas" e "quarto escuro", como eram chamados na época. 

O quarto das ferramentas sempre me fascinou. Até hoje adoro olhar ferramentas de todo tipo nas lojas de departamentos, perco um tempão examinando tudo. Martelos, alicates, torqueses, formões, tenazes, o pé de ferro de sapateiro, chaves de fenda de todos os tamanhos, pregos e parafusos idem, todos me lembram meus nove, dez anos... Mas o que eu mais amava mesmo, era o ferro de soldar. 



Papai sempre me avisava quando ia soldar alguma coisa e lá ia eu, já antecipando as fases: primeiro seria aceso o fogareiro antigo, feito com tijolos no chão e alimentado com brasas da cozinha que papai sopraria com o fole até aparecer o fogo, e só então ele colocaria entre as brasas vivas a ponta de cobre e... a maravilha — ela iria mudando de cor para um vermelho-laranja incandescente e o mundo se resumiria nisso: a alquimia, a transmutação...               

Naquele tempo, é claro, nem me passava pela cabeça a estranheza dessa atração incontida pelo fogo e pelas brasas, mas hoje penso que é como se aquela imagem me transportasse a um outro tempo, talvez a uma outra vida, (perdoem-me os que não crêem, mas é exatamente o que eu sinto). 
E era num canto naquele quarto que ficavam as cordas, bem enroladas. Eu pegava um pedaço de bom tamanho e corria de novo para a mangueira, subia até um galho forte, amarrava-a bem e pronto: Tarzan podia dar seu grito rouco e se pendurar e balançar à vontade. 
E assim o tempo passava e a espera pelos primos era amenizada.