Ostenbarth
domingo, julho 22, 2007
terça-feira, julho 17, 2007
Jair Barth - Segundo uma parte da família
Sobre os discursos, D. Zélia contou a saga que era o problema dele de enfrentar o público e como facava doente, com enxaqueca, trancado no quarto escuro e só saindo para vomitar. Que ficava tão mal que ela pedia a ele que não fizesse mais aqueles discursos e ele ficava bravo, dizendo que ela não o estimulava, mas até o ofendia com essa atitude. Ela não entendia isso.
(Como foi o começo)
D. Zélia contou como conheceu o futuro marido numa festinha em casa de uma amiga, como dançaram e que ele ficou "arrastando a asa" e "se insinuando" para ela durante algum tempo antes de começarem o namoro. Que ele a tirava para dançar em todos os bailes e que dançava muito bem. Que a mãe dela, D. Eulália, era muito brava e não deixava as filhas saírem sozinhas, mas sempre com a irmã mais velha. Que o futuro sogro não a aprovava para o filho, por ser muito mais nova e de família menos rica. E que ela sabendo de tudo, também não gostava do sogro e o namoro não começava por causa disso. E mesmo depois que começou, ela terminou várias vezes pelo mesmo motivo. Disse também que ele era muito namorador e que gostava só das gordinhas... E, de repente, olhando para a Vera, com o dedo apontado para a filha, ela saiu-se com uma que achei uma graça:
— E agora vou contar toda a verdade: ele gostava de "dar umas avançadas" e eu não podia admitir isso! E era outro motivo para eu terminar o namoro — afirmou com a cabeça, alteando as sobrancelhas e os lábios meio apertados.
quinta-feira, julho 12, 2007
Jair Barth
Alguns dias depois da morte do Professor Jair em 1973, aos 68 anos de idade e ainda sob o impacto da perda pesando sobre minha sogra e seus filhos, procurei na estante de sua casa o livro Discursos de Jair Barth, no intuito de conhecê-lo melhor. Ele era o orador oficial da cidade.
Lembro-me de ter ficado surpresa com sua erudição, suas imagens de palavras e sua extrema delicadeza de expressão. Só então percebi o vazio que ele deixou em Itapetininga e só então entendi a longa fila de carros acompanhando o féretro, os amigos chorando abertamente e os discursos emocionados dos seus admiradores à beira do túmulo aberto. Parecia que não estavam se conformando e que retardavam propositalmente o enterro. A homenagem prestada ali foi inesquecível.
Era um homem retraído e tímido, que ficava facilmente corado e não encarava as pessoas de frente, meio à inglesa. Parecia que não se interessava pelas pessoas, mas isso não era verdade. Era tímido mesmo. Intelectual e introvertido.
Professor de Línguas Portuguesa e Espanhola, na primeira metade do século passado importava da França, da Argentina e de outros países os livros que não encontrava no Brasil.
Seu pai, João Barth, tinha uma farmácia e fez com que o filho Jair se formasse farmacêutico, talvez para tomar conta dela. Mas parece que não era a escolha certa para Jair. Não sei como foi, mas ele abriu uma loja de armarinhos, que D. Zélia dirigia. Ele não tinha o espírito do comerciante, daquele homem que gosta de vendas. Acho que se completavam.
Podia-se ver que o que ele gostava era de ler seus livros e de escrever seus discursos. Imaginem um orador oficial introvertido. Parece que não combina, não é verdade? E o pior é que não combinava mesmo. Ele sofria antes de cada discurso e D. Zélia dizia que ele tinha crises de fígado e enxaqueca e passava muito mal.
Ela pedia a ele que parasse com os discursos, mas ele era solicitado por pessoas eminentes da cidade e tinha aquele pudor antiquado de dizer não.
Parei aqui para mostrar ao Nelson. Sinto o peso da responsabilidade em escrever sobre o pai dele. Só tive com meu sogro um curto relacionamento de sete anos, nora-jovem-trabalhadora-professora-mãe-de-dois-filhos-dona-de-casa, com aquele homem famoso, culto, erudito, distante (impressão que dava), que lia na grande parte do tempo, escrevia e dava aulas em outra grande parte e ainda passava algumas horas por semana na loja. Nessas horas ele costumava fazer um rictus com os cantos da boca, como quem está contrafeito, senão contrariado. Não o conheci direito e sinto pena disso até hoje. Depois que ele ler, continuarei com outras lembranças, que não são minhas.
segunda-feira, julho 09, 2007
Vovó Zélia
A pedido do Timtim:
1) É a pessoa que diz e FAZ O QUE DIZ. Por exemplo:
- É bom ser bom. É bom para a gente e é bom para o outro.
3) - Recebo a comunhão em minha casa todas as semanas, às quintas.
domingo, julho 08, 2007
ESPINHOS
Preciso exorcizar minhas tristezas
Expondo minha vida no papel
Reconhecendo todas as fraquezas
Forjadas da palavra mais cruel
Enquanto eu me negar a ver o fundo
Das águas do meu rio interior,
De lágrimas vertidas no meu mundo,
Segredos de abandono e de dor,
Serei somente o galho da roseira,
Cheio de espinhos, mas nenhuma flor...
Nice Barth, 07 07 07
sábado, julho 07, 2007
terça-feira, julho 03, 2007
Sabedoria da roça
Nelson e eu casados e meus cunhados (Flávio, Maria Eugênia e Vera Lúcia) cursando faculdade em São Paulo, só restara na casa o filho mais novo, Rubens, na época com 12 anos. Passávamos as férias e feriados lá.
Dona Alzira era barulhenta na cozinha, vivia batendo as panelas, parecia de propósito. Era enfezada o tempo todo. Gostávamos de provocá-la só para ver a carantonha que fazia. Suas respostas eram bruscas. Falava o autêntico caipirês da nossa região agrícola-pastoril, os erres brandos bem puxados na língua enrolada e o plural sem o esses finais, além de um Ô!! duro e socado na frente de tudo:
— Ô!!... Dona Zélia! Já posso serví o armôço? Os bife já tá tudo frito! Vai isfriá! (ênfase)
— Pode, Dona Alzira. Chame todo mundo, por favor.
Mas Dona Alzira tinha três regras, jamais quebradas:
1ª) nunca subir as escadas, que era território da irmã;
2ª) nunca gritar pelo nome de ninguém “em vão”;
3ª) nunca gritar escada acima o nome de alguém da família.
Então usava um subterfúgio: gritava para sua irmã, a quem chamava de senhora; plantava-se ao pé da escada de mãos na cintura, olhando para cima e mandava ver:
— Ô!! Ô!! Ô!! — e quantos Ô!! fossem necessários até a outra atender. A resposta não tardava e logo aparecia lá em cima só a cabeça de Dona Isaltina que, também de mãos na cintura e olhos assustados perguntava:
— O quê que a senhora qué?!
— É pra senhora fazê o favor de chamá os minino tudo pra armoçá, que os bife já tá tudo frito... e vai esfriá! (ênfase)
— Sim, senhora!
E Dona Isaltina nos chamava de maneira igual, mas falava de soquinhos, respirando curto entre um pedaço e outro de frase:
— Ô!!... Minha ermã... mandô dizê... que o armôço já tá pronto... e os bife... já tá tudo frito. E vai esfriá!! (muita ênfase)
Um dia perguntei às duas porque se tratavam tão cerimoniosamente e responderam:
— Mas tem outro jeito? As ermandade tudo tem que se respeitá!
— Mas por que a senhora nunca chama a Dona Isaltina pelo nome?
— Ué! Nóis num pode usá o nome de ninguém em vão!
Estranhei muito sentindo uma grande admiração. Nunca tinha pensado nisso. E pensei que havia aí uma grande sabedoria. Mas quis entender melhor:
— Mas Dona Alzira, isso de não dizer o nome em vão, não é só para Deus?
— Isso num sei. Só sei ... que nosso pai e nossa mãe sempre ensinou nóis assim! Tratá as ermandade tudo de senhor e de senhora. Numa família é perciso tê muito respeito!! (ênfase).
Que lição, hein? A gente da roça sabe das coisas!
domingo, julho 01, 2007
A Rua do Silêncio
A rua ainda não tinha calçamento, nem poste em frente ao terreno que compramos.
O que se podia ver era uma rua pequena, de apenas duas quadras. Na quadra de cima havia uma única casa (como até hoje), de frente para a praça, onde podíamos visitar uma das belezas tombadas de São Paulo, a Casa do Sertanista, feita de "taipa de pilão" e datada de 1650. Não tinha cerca, nem muro proibitivo, mas bancos acolhedores sob lindas e velhas araucárias.
Na nossa quadra, somente duas casas na calçada em frente: a primeira, da família da Daisy, mais perto da esquina, térrea, com portas-janelas; a segunda, logo abaixo, da família da Anália, dona dos cachorros mais ferozes que já vi, treinados para atacar e que latiam e babavam, o que apavorava os passantes, mas eram tão bem treinados que nunca pularam a mureta baixa para morder ninguém. Pareciam Cérberos. Os carteiros que o digam...
Na calçada de cá, só havia uma casa lá mais abaixo. E um ar de interior. Os outros terrenos (inclusive o nosso quase na metade da quadra), eram todos terrenos vazios, mas não baldios. Tinham um mato bonito e alto, como capim-gordura, muito verde. O terreno ao lado do nosso, formado por 45 metros de frente, cheinho de árvores grandes, frutíferas, dava muita sombra, com cerquinhas como se vê nas fazendas. Esta rua não parecia pertencer a São Paulo, mas sim a um vilarejo ensolarado e silencioso. Foi nossa primeira impressão e mostrou ser verdadeira.
Naquele tempo morávamos num apartamento muito bom, de três dormitórios na Avenida Rebouças, logo abaixo da Rua Estados Unidos, onde nasceram Rodrigo e Christina e propriedade de meu sogro, seu Jair. Mas, infelizmente, a "aristocrática Avenida Rebouças" (como seu Jair gostava de dizer), “não era mais aquela” que ele conhecera antes do advento da indústria automobilística. Tornara-se um corredor de trânsito com ônibus e caminhões; e o barulho da rua subia pelo prédio e explodia no nosso quarto andar. Impossível ouvir música ou assistir TV no verão, com as janelas abertas. Apenas no inverno o conseguíamos, fechando as janelas. Estávamos ficando muito irritados com todo o barulho. Semáforo na esquina obrigava os veículos pesados a utilizar a primeira marcha em toda a sua potência.
Mas o pior de tudo foi o início da construção do prédio ao lado.
Começamos a procurar um outro lugar para morar. Coube a mim a procura e a triagem, mesmo dando trinta e quatro aulas por semana. Mais de seis meses e cinquenta terrenos depois, ao passar com um dos corretores de imóveis pela rua que era do jeitinho que descrevi, tranqüila e silenciosa, fiquei apaixonada pelo terreno que ele mostrou. Proposta feita, compramos o terreno, com a “cara e a coragem” do Nelson, pois não tínhamos o dinheiro. A maior das qualidades de meu marido é a força de vontade e a crença inabalável que ele tem em si mesmo e no Divino, quando quer realmente alguma coisa. O dinheiro foi sendo gerado e pudemos pagar o terreno em um ano, o que foi muito, muito difícil mesmo.
Nesse ano, de 1974 a 75, nosso passeio mais querido era vir visitar o terreno, à noite.
— Por quê...
— Shshshshsh!... Escute, Alessandra!... — sussurrava o Nelson.
E ela sussurrando também;
— Escutar o que, papai? Não estou ouvindo nada...
— Pois é isso mesmo, Alessandra! Estamos aqui para ouvir o silêncio...
— Aaaaahhhhhh... fazia ela baixinho.
E ali ficávamos, deliciados e emocionados.
Flávio Rubens, mais velho e mais calado, já tinha entrado na onda.
Depois de ouvir o silêncio até bastar ficávamos muito relaxados, menos a Alê, que não conseguia ficar quieta por muito tempo e já começava a suspirar, a morder os lábios, e a mexer pernas e braços...
Então saíamos do carro para olhar o céu negro pontilhado de estrelas. Nelson ensinava as crianças a encontrar o Cruzeiro do Sul, a perceber “A Intrometida”, deslocada do meio, Ensinava como encontrar as Três Marias e dizia os nomes de outras estrelas, aqueles nomes bonitos como Aldebaran, Ontário, Ursa Maior e Ursa Menor, os Anéis de Saturno etc., que ressoavam como música em nossa imaginação. Flávio Rubens, com sete anos, perguntava muito e eu também; e o pai respondia.
Foi quando a Alessandra muito contente decidiu:
— Papai, quando eu crescer, quero ser “estreleira”!
Ríamos e o pai ensinava:
— Astrônoma, Alessandra...
— Aaaahhhh...
Ele contava que alguns astros não podiam ser vistos do nosso hemisfério.
— Eu quero ver as outras estrelas do “mistério”, papai!
— He-mis-fério, Alê...
— O que é he-mis-fério, papai?
Nelson ria, satisfeito e a aula ia longe, as crianças interessadas, sentadas no capô do carro, pai e mãe encostados, todos de olhos no céu.
Curioso, Flávio apontava alguma coisa e brinquei com ele:
— Dizem que não se deve apontar estrelas, porque nasce verruga na ponta do dedo...
— Verdade, mamãe?
— Não — ria eu — os antigos é que diziam. Vamos esperar? Pra ver se nasce uma verruga na ponta do seu dedo?
Ele olhava o dedo, preocupado.
— Filho, não se preocupe, verruga não mata... É brincadeira minha. Não vai aparecer nada no seu dedo!...
E assim ficávamos desestressando ali por mais alguns minutos.
Então suspiros satisfeitos e a volta para o apartamento barulhento da Rebouças, imaginando que logo, logo, estaríamos morando em uma casa gostosa, construída lá,