Pausa para Meditação
Um grande, enorme abraço para você, Timtim...
Segunda-feira, 20 de Julho de 1.991 - 13:20h
Enquanto eu estava na consulta, quatro rapazes entre 12 e 17 anos pularam o muro de minha casa e entraram pela porta da frente.
Tínhamos estado em Itapê, como já disse antes, para, entre outras coisas, deixar com o Flávio Rubens (o mais velho, 24 anos), um computador para a loja dele. Ainda era uma novidade, daqueles de tela verde, em DOS e ele não sabia mexer.
Quando os assaltantes entraram o Rodrigo estava ao telefone com o Flávio Rubens (em interurbano), ensinando ao irmão como fazer. Minhas filhas estavam na sala de TV e a Cida, empregada, arrumava os quartos lá em cima. Quem viu primeiro a mão armada foi a Cida, do vão da escada, e chamou baixinho as meninas, “Depressa, tem ladrão em casa!!!”. Largaram a TV ligada, correram todas para o meu quarto e trancaram as duas portas. Ninguém se lembrou do Rodrigo, sozinho com o bando...
Lá em baixo, meu filho sofria o comando sussurrado dos ladrões:
─ Desliga aí, meu!
E a arma apontada. Rodrigo, apavorado, tentou desligar, mas o irmão mais velho ficou muito bravo, dizendo que precisava das explicações e que não ia desligar!
─ Desliga aí, meu, senão te apago já! ─ ciciava o ladrão, a arma apertada nas costas do Rodrigo.
─ Flávio, tenho de desligar, tem gente querendo usar o telefone!... Ele tentava passar uma mensagem, mas o Flávio Rubens não entendia...
Nesse ínterim, a Chris, no meu quarto, levantou a extensão e ouviu a discussão, “Flávio, desliga, não desligo” e entrou na conversa, tentando avisar, mas sem dizer muita coisa, com medo que um dos assaltantes pegasse o telefone e ouvisse e acontecesse uma desgraça com o Rodrigo:
─ Flávio, tem gente estranha aqui, vê se faz alguma coisa...
Desta vez, o irmão entendeu e desligou. Mas fez outro interurbano, desta vez para o escritório do pai, que não estava... Mas a secretária recebeu a ligação, em que o Flávio Rubens muito nervoso, dizia que “achava” que estava havendo um assalto na casa do pai e que ela deveria mandar a polícia.
─ Mas você tem certeza?
─ Certeza, não, mas... E contou tudo o que sabia.
A moça chamou a polícia, dizendo que recebera um telefonema do filho do patrão, que morava no interior, (Quem, o patrão? ─ Não, o filho dele...) em esse filho dizia que “achava” que a casa do pai estava sofrendo um assalto naquele momento. Demorou algum tempo até que ela conseguisse contar a história toda e que a polícia compreendesse e decidisse mandar uma viatura para verificar.
Segunda-feira, 20 de Julho de 1.991 - 13:30h
Desligado o telefone, começaram as perguntas dos assaltantes:
─ Onde está o dinheiro?
─ Não temos dinheiro...
─ Queremo dinheiro e as arma! E os dólar!
─ Não temos dólares... Nem arma nenhuma!
─ Ah, não? Então você vai morrê, meu!
E o de doze anos voltou: É isso, então ocê vai morrê, meu! E tem mais gente na casa! Ouvi um barulho lá em cima!
E subiu todo mundo, a arma sempre nas costas do Rodrigo...
Na porta do meu quarto, ao ver que estava fechada, chamaram e bateram.
A Cida e as meninas correram para debaixo da cama. A Cida, muito gorda, não coube...
Mas o Rodrigo pediu para que abrissem, senão iam matá-lo.
E é claro que elas, a Chris chorando, abriram e todos entraram.
E começou tudo de novo: queriam dinheiro, dólares, ou jóias.
─ Minha mãe não usa jóias... Ela só tem bijuterias...
(E é verdade!...)
─ Então ocês tudo tão morto, meu! Nóis vamo matá ocês tudo!
E o de doze anos dizia:
─ Mata mesmo! Mata esse aí, esse branquelo, ele é filhinho de papai!
Chris chorava o tempo todo, sentada na cama, a Alessandra ao lado, protegendo a irmã. E o mais velho deles dizia:
─ Não chore! Nós não vamo machucá voceis, é só entregá a arma...
E Alessandra respondeu:
─ Mas nós não temos nenhuma arma, meu pai nem sabe atirar!
E o ladrão:
─ Atirá é fácil! Qué vê? ─ E abriu o tambor do revólver despejando as balas na mão, dizendo que faltava uma porque apagara alguém na véspera. Colocou as balas restantes de novo no tambor, engatilhou e
apontou para a cabeça da Alessandra...
Domingo, 19 de Julho de 1991 - 22h
Naquela noite deixamos a casa de minha sogra, Nelson e eu, Alessandra (22 anos) Rodrigo (17) e Christina (16), sem termos sequer percebido o drama que se desenrolava no coração da filha mais velha.
A viagem para São Paulo foi diferente do habitual, pois Alê estava estranhamente quieta. Pensávamos que dormia, como os outros dois, mas chorava desolada e silenciosamente. Ficara sabendo nos últimos instantes que seu namorado estava em Itapê, sabia que ela também estava na cidade e não a procurara! Não era a primeira vez que ele aprontava alguma, mas desta vez ela começava a ter de encarar que o término se avizinhava. Sempre fora apaixonada por ele, desde os dezessete anos. Nessa noite, finalmente, havia caído a ficha. Primeiro chorara inconsolável, depois já no fim da viagem, uma revolta oriunda da grande mágoa que despedaçava seu coração começara a transformar a dor em fúria silenciosa, num crescendo. De repente, esse sentimento foi mais forte e, ao chegar à nossa casa, antes mesmo de sair do carro, ela anunciou intempestivamente que iria arrumar-se e sairia sozinha para uma balada, onde pretendia encontrar alguém, "qualquer um", "o primeiro que aparecesse"!
Você bem pode imaginar o susto que levamos!
Minha reação foi pronta e cortante:
─ Ah, não vai! Mas não mesmo! Minha nuca eriçava-se de horror.
Ela virou-se contra mim, enlouquecida de dor, enfrentando-me com todas as forças:
─ EU VOU SIM!! Mamãe! Tenho vinte e dois anos, se você ainda não percebeu! Sou maior de idade, formada e você não pode me impedir! PRECISO fazer isso, não vou aguentar se não fizer! Preciso me vingar dele!!! Vou MORRER se você não me deixar ir!
─ Não, filha! Não posso e não vou deixar você ir!
Descemos do carro, todos atônitos com a cena. Meu coração, disparado de aflição, invocava argumentos mais fortes e definitivos. Só podia pensar e sentir que, custasse o que custasse, ela não deveria entregar-se sozinha ao desespero. Urgia que eu conseguisse impedi-la. Ninguém falava nada, todos pareciam paralisados.
─ Só se a Chris e eu formos com você!
─ Mãe, nunca!!! Isso não é coisa para levar a mãe!!!
Foi então que uma cena desenhou-se ante meus olhos: uma mão escura empunhando um revólver na altura da cabeça dela. Essa cena até hoje está nítida em minha memória. E eu disse isso a ela e a todos:
─ Alessandra, você não vai! Estou VENDO você ser assaltada à mão armada, num semáforo! (A cena eu vi, mas esta interpretação sobre o semáforo foi daquelas coisas que o lado esquerdo do nosso cérebro tenta compreender...).
A Christina nesse instante recobrou-se e colocou as duas mãos nos ombros da irmã e, muito assustada,falou fortemente:
─ Alê, você NÃO VAI SAIR,de jeito nenhum! Você sabe que a mamãe vê essas coisas! Nós todos sabemos disso e se ela disse que viu uma arma na sua cabeça, é porque viu mesmo! Eu acredito e não vou deixar você sair! Nem comigo e com a mamãe, nem com papai, nem com ninguém!
Por falar nisso, o papai estava mudo e o Rodrigo também...
A Alessandra entrou em casa chorando e gritando que ninguém iria conseguir convencê-la. Chris, atrás, gritando feroz, "só passando por cima do meu cadáver!" Eu atrás, um pouco menos preocupada agora que contava com a ajuda da Chris. A discussão "Vou!", "Não vai!" e mil argumentos de todos os lados durou bem algumas horas, até que finalmente, às duas e meia da madrugada a Alê voltou a si e agradeceu à Chris e a mim por temos conseguido segurá-la. Abraços e beijos e algumas lágrimas mais e tudo voltou ao normal.
Exaustas fomos dormir. A cena vista em minha cabeça da mão negra segurando a arma esvaiu-se completamente e todos esquecemos dela...
Mas estávamos enganados... No dia seguinte...