O Giz
Lembro-me como se fosse hoje dos inúmeros "burro" escritos na lousa...
O caso do pinhão foi ficando para trás, lá num cantinho em preto e branco dos meus "crimes e castigos", pendurados um ao lado do outro, num recinto escuro e o mais possível escondido da minha vergonha.
O tempo foi passando e chegou a hora do Pré-primário.
Não me lembro de quase nada das aulas, mas sei que aprendíamos a ler e escrever nossos nomes e algumas palavras, além de colorir algumas figuras e desenhos.
E adorávamos quando, depois de ensinar palavras com dois erres, a professora perguntava: — Quem sabe escrever a palavra garra? (ou terra, ou serra, ou birra etc.)
Eu sempre estava entre os que levantavam a mão.
— Podem ir à lousa.
Era uma correria.
E gostávamos mais ainda quando ela fazia uma competição:
— Vão à lousa cinco alunos. Cada um pegue um giz. Quem é capaz de escrever mais rápido a palavra berro?
Nesse dia, lembro-me como se fosse hoje, depois de muitas com dois erres, a palavra pedida por último foi burro. Vendo que os pedacinhos minúsculos de giz estavam acabando, ela despejou outros de uma caixa e entre eles caiu um giz inteiro.
O tempo foi passando e chegou a hora do Pré-primário.
Não me lembro de quase nada das aulas, mas sei que aprendíamos a ler e escrever nossos nomes e algumas palavras, além de colorir algumas figuras e desenhos.
E adorávamos quando, depois de ensinar palavras com dois erres, a professora perguntava: — Quem sabe escrever a palavra garra? (ou terra, ou serra, ou birra etc.)
Eu sempre estava entre os que levantavam a mão.
— Podem ir à lousa.
Era uma correria.
E gostávamos mais ainda quando ela fazia uma competição:
— Vão à lousa cinco alunos. Cada um pegue um giz. Quem é capaz de escrever mais rápido a palavra berro?
Nesse dia, lembro-me como se fosse hoje, depois de muitas com dois erres, a palavra pedida por último foi burro. Vendo que os pedacinhos minúsculos de giz estavam acabando, ela despejou outros de uma caixa e entre eles caiu um giz inteiro.
Mas nesse instante soou o sinal do fim da aula e todos debandaram. Todos, menos eu, extasiada que fiquei perante a verdadeira maravilha que ficara no aparador da lousa: um GIZ INTEIRO! Branco, puro, brilhante, afunilado, que lindo!... Peguei-o e senti sua textura macia, aveludada, olhei cada extremidade, a mais larga ligeiramente côncava, revirei-o entre os dedos com cuidado, com muito carinho, enfeitiçada. O universo inteiro, naquele momento mágico, estava contido naquele giz...
Imediatamente, assim que comecei a emergir do encantamento, pensei em mostrá-lo a alguém, precisava compartilhar aquela beleza, precisava ver o assombro nos olhos de alguém, como acontecera comigo.
Então coloquei o frágil GIZ INTEIRO no bolso do aventalzinho de organdi branco que cobria o uniforme da escola, peguei a mala com o material e andei para fora da classe bem devagar para não quebrar o tesouro.
Devo ter demorado muito, pois não havia mais nenhum coleguinha no pátio, nem na frente da escola, ninguém para dividir a magia...
A caminho de casa, fui pensando que a Mamãe iria se admirar com o GIZ, por estar inteiro. Isso mesmo, eu podia dividir com ela! Quem melhor do que ela merecia se encantar com a preciosidade? Minha expectativa aumentou e o coraçãozinho já estava em júbilo!
Chegando à casa já fui chamando:
— Mamãe, mamãe, veja o que eu trouxe! E fui tirando devagar e com cuidado o incrível GIZ INTEIRO do bolsinho do avental. E o mostrei triunfante.
Mas ela não reagiu como o esperado. Apenas perguntou:
— Onde você arrumou isso?
— Isto? É um GIZ INTEIRO, Mamãe! A senhora já viu um giz inteiro? Não é lindo?
— Hummm... Foi a professora quem lhe deu?
Um alarme começou a soar no meu cérebro e alguma vaga lembrança de algo desagradável se insinuou. E de repente chegou-me à memória o caso do pinhão. Gelei.
— Não, estava na lousa para a gente escrever e aí deu o sinal e saíram todos, a professora também e eu nunca tinha visto um giz inteiro... e peguei... para mostrar para alguém, mas não tinha mais ninguém... Ao falar isso me dei conta de que fizera de novo... Baixei os olhos para não ver o rosto da mamãe com o fatal triângulo na testa, pois com certeza ele estava lá. Eu caíra de novo na mesma barbaridade.
O silêncio foi crescendo. Ela não dizia nada. Criei coragem e olhei para cima, para os seus olhos. Suas sobrancelhas estavam unidas (o terrível triângulo lá estava), mas ela demonstrava uma profunda tristeza.
— O que eu faço com você? Roubou de novo! Não consegui ensinar da outra vez? Não aprendeu? Não percebeu o quanto é desprezível “tirar” alguma coisa, “qualquer coisa” que não seja sua? Quem rouba, mente! E quem mente está roubando de outro a coisa mais importante que existe que é a confiança!
E mamãe chorou. Suas lágrimas caíam e ela soluçava baixinho. Sacudia a cabeça de um lado para o outro e apertava as mãos. Foi demais para mim. Eu estava horrorizada. Eu faria qualquer coisa, qualquer coisa para apagar de seu rosto tal tristeza, e de seus olhos, aquelas lágrimas.
De repente ela se recompôs e sentenciou firmemente:
— Você irá devolver amanhã esse giz à professora. Vai dizer: “Eu vim devolver este giz que eu ROUBEI. Por favor, professora, desculpe-me!”
Acenei várias vezes com a cabeça, concordando. Eu realmente faria qualquer coisa e isso era o mínimo.
— Nunca mais, mamãe, nunca mais tiro nada de ninguém, de nenhum lugar, mas não chore, por favor, mamãe, não chore...
Ela colocou o giz sobre minha maleta e lá ele ficaria até o dia seguinte, inteiro, mas agora reduzido à sua verdadeira aparência, branco, opaco, sem graça, sem beleza e sem magia...
Imediatamente, assim que comecei a emergir do encantamento, pensei em mostrá-lo a alguém, precisava compartilhar aquela beleza, precisava ver o assombro nos olhos de alguém, como acontecera comigo.
Então coloquei o frágil GIZ INTEIRO no bolso do aventalzinho de organdi branco que cobria o uniforme da escola, peguei a mala com o material e andei para fora da classe bem devagar para não quebrar o tesouro.
Devo ter demorado muito, pois não havia mais nenhum coleguinha no pátio, nem na frente da escola, ninguém para dividir a magia...
A caminho de casa, fui pensando que a Mamãe iria se admirar com o GIZ, por estar inteiro. Isso mesmo, eu podia dividir com ela! Quem melhor do que ela merecia se encantar com a preciosidade? Minha expectativa aumentou e o coraçãozinho já estava em júbilo!
Chegando à casa já fui chamando:
— Mamãe, mamãe, veja o que eu trouxe! E fui tirando devagar e com cuidado o incrível GIZ INTEIRO do bolsinho do avental. E o mostrei triunfante.
Mas ela não reagiu como o esperado. Apenas perguntou:
— Onde você arrumou isso?
— Isto? É um GIZ INTEIRO, Mamãe! A senhora já viu um giz inteiro? Não é lindo?
— Hummm... Foi a professora quem lhe deu?
Um alarme começou a soar no meu cérebro e alguma vaga lembrança de algo desagradável se insinuou. E de repente chegou-me à memória o caso do pinhão. Gelei.
— Não, estava na lousa para a gente escrever e aí deu o sinal e saíram todos, a professora também e eu nunca tinha visto um giz inteiro... e peguei... para mostrar para alguém, mas não tinha mais ninguém... Ao falar isso me dei conta de que fizera de novo... Baixei os olhos para não ver o rosto da mamãe com o fatal triângulo na testa, pois com certeza ele estava lá. Eu caíra de novo na mesma barbaridade.
O silêncio foi crescendo. Ela não dizia nada. Criei coragem e olhei para cima, para os seus olhos. Suas sobrancelhas estavam unidas (o terrível triângulo lá estava), mas ela demonstrava uma profunda tristeza.
— O que eu faço com você? Roubou de novo! Não consegui ensinar da outra vez? Não aprendeu? Não percebeu o quanto é desprezível “tirar” alguma coisa, “qualquer coisa” que não seja sua? Quem rouba, mente! E quem mente está roubando de outro a coisa mais importante que existe que é a confiança!
E mamãe chorou. Suas lágrimas caíam e ela soluçava baixinho. Sacudia a cabeça de um lado para o outro e apertava as mãos. Foi demais para mim. Eu estava horrorizada. Eu faria qualquer coisa, qualquer coisa para apagar de seu rosto tal tristeza, e de seus olhos, aquelas lágrimas.
De repente ela se recompôs e sentenciou firmemente:
— Você irá devolver amanhã esse giz à professora. Vai dizer: “Eu vim devolver este giz que eu ROUBEI. Por favor, professora, desculpe-me!”
Acenei várias vezes com a cabeça, concordando. Eu realmente faria qualquer coisa e isso era o mínimo.
— Nunca mais, mamãe, nunca mais tiro nada de ninguém, de nenhum lugar, mas não chore, por favor, mamãe, não chore...
Ela colocou o giz sobre minha maleta e lá ele ficaria até o dia seguinte, inteiro, mas agora reduzido à sua verdadeira aparência, branco, opaco, sem graça, sem beleza e sem magia...