quinta-feira, maio 31, 2007

Meus passarinhos























Os passarinhos são movidos a pilha e a gaiolinha, de apenas 15 cm, tem um sensor de ruído.
Cada vez que alguém bate palmas ou ri alto, principalmente mulheres, eles cantam... e encantam... e alegram o ambiente.

quarta-feira, maio 30, 2007

O vendedor de passarinhos

Ele vinha de longe, andando pela praia deserta, calças sem cor, muito usadas, furadas aqui e ali, camisa também sem cor, mangas compridas enroladas, chapéu de palha sem forma sombreando o rosto crestado pelo sol. Trazia ao ombro, atravessada, uma vara comprida de onde pendiam pequenas gaiolas de artesanato caseiro.

Não havia ninguém na praia como acontece fora de temporada.

Seu vulto traçava na areia uma sombra comprida e ondulante.

No quiosque só estávamos nós, o casal maduro, tomando um refresco e trocando idéias. Minha atenção foi atraída pela sombra que se aproximava.

De perto via-se que era mirrado, baixinho e muito maltratado pelo tempo. Parecia ter centenas de anos. Seu rosto magro era como um pergaminho, ou mesmo couro marrom enrugado. Os olhinhos vivos, alegres, poderiam ter sido castanhos, mas agora estavam enevoados. Os pés nus e encarquilhados como grossas cascas de árvore, não conheciam sapatos.

O velhinho com as mini gaiolas chegou até nossa mesa, sorrindo confiante, exibindo um único dente e acocorou-se:

- Ei, "pessoarrr"! Dia "bunito", né? Marrr verrrde! "Meuch" passarinho "gochta"! "Cêich"r qué vê?

E sem esperar resposta, pegando uma das gaiolinhas, pediu:

- Bate "parrrma", patroa!

Bati. E os dois passarinhos pipilaram. Senti uma coisa estranha, uma alegria despertada lá do fundo, com sabor de infância, que há muito tempo estivera ausente. Bati de novo e de novo cantaram. Não me contive:

- Ah!... Que bonitinhos!

- Num é "merrrmo", patroa? "Déi" real!

Seu sotaque era forte, puxando os erres numa mistura de Rio de Janeiro com Bahia e demorei um pouco para entender:

- Dez? perguntei.

- "Chô" caro, patroa? Faiz "otcho"!

- Oito?!

Pensando que eu ainda estivesse achando caro, baixou mais:

- "Setch", patroa!

Antes que ele nos desse de graça, pedi:

- Tudo bem, fico com dois!

Eu pagaria qualquer preço para sentir outra vez aquele calorzinho, aquele pedaço de lembrança, aquele sentimento sem nome que me surgira e que me despertara uma memória esquecida, um cheirinho de café com pipoca à luz do fogão na cozinha da minha infância.

Uma demora gostosa na escolha da cor e na beleza dos passarinhos e observando a expressão do velhinho, enlevado coma própria arte, o pagamento, e lá se foi ele todo feliz:

- Tchau procêis, pessoarrr! Êêê dia bunito!

Fiquei batendo palmas, deliciada, um tempão.

Já no carro, de volta para São Paulo, virava-me para trás para ver minha recente aquisição sonora que até hoje me diverte e me leva de volta às noites de inverno, com a família reunida ao pé do fogão da velha cozinha, tomando uma caneca de café quente e comendo pipocas, olhando as brasas que mamãe sopra de vez em quando, enquanto alguém conta histórias de fantasmas.

Pendurei uma das gaiolinhas perto da janela, na copa, de onde posso ver e curtir os passarinhos, que cantam quando rio alto.

sábado, maio 26, 2007

Super Chris

Recém nascida e sorrindo. 
Hoje é o aniversário da Christina.

A semana toda pensei nela com muita saudade.

Hoje, meus sentimentos de mãe atravessam o espaço e o tempo até Nova York, onde estou com ela agora. Tomando suas mãos e olhando em seus olhos, dou-lhe minha bênção e lhe transmito os meus votos:

Filha minha, muito, muito querida.

Desejo que sua permanência nessa cidade incrivelmente possibilitadora, mas também terrível, onde só os fortes vencem, seja o mais possível tranqüila. Que você consiga sempre resolver os problemas que se lhe apresentarem, da maneira mais satisfatória.

Desejo que você seja amada e respeitada sempre, pelas pessoas realmente importantes para o seu coração. E que seja profissionalmente reconhecida e admirada, como já está acontecendo.

Que o caminho que escolheu seja menos difícil, mas quando algum obstáculo parecer intransponível, que você consiga reunir toda a força emocional e toda a coragem para vencê-lo. Que descubra essa força em si mesma, em cada momento que o exigir.

Que reconheça em si mesma a autosuficiência libertadora e que, no seu âmago, encontre o tesouro de luz que ilumina o mundo, o seu mundo próprio, e que essa luz inunde tudo por onde você passar.

Saiba que me orgulho de você e das suas realizações e, principalmente, por você ser exatamente como é.
PARABÉNS!


quinta-feira, maio 24, 2007

Lição de Vida

Mas contou também que, depois dos primeiros meses de diagnósticos implacáveis, em que enfrentou a revolta, o medo, a tristeza e o desânimo, foi encaminhada a uma Instituição para Cegos, onde reaprendeu a viver sem esse dom. Ao mesmo tempo em que aprendia o Braile, desenvolvia a audição a um ponto que nós videntes nem temos noção. Começou a jogar vôlei, com guizos dentro da bola e um zumbido na rede; a mesma coisa acontecia no basquete com a bola e as cestas. Também corria quilômetros no Ibirapuera com uma camiseta com o dístico CORREDORA CEGA. Respeitável a mocinha!
Nisso chegaram duas crianças de tamanhos diferentes e uma adolescente. Ela "olhava" para cada uma nos olhos e falava com elas como se enxergasse. Novamente pensei que parecia que ela via alguma coisa e disse isso.
- Eu ouço - disse ela - e "sinto" as pessoas e animais chegando perto de mim. Sinto o calor e localizo a fonte da voz. Agora mesmo, estou ouvindo tudo o que se passa ali fora, cada pessoa falando ou rindo ou crianças chorando, estou sentindo o cheiro de cloro da piscina, ouço e filtro os ruídos, os cantos dos passarinhos, ao mesmo tempo em que falo com você. Ouço e sinto muito mais do que antes, quando apenas "via", mas não "enxergava". Você tem razão, de certa forma "enxergo" muito mais agora!
Meu assombro transformou-se em uma enorme compaixão... por mim, por ter sido levada por ignorância e excesso de sensibilidade a ousar sentir pena dela, que foi muito mais esperta, inclusive pedindo para voltar o lance e não me dando o mesmo direito, porque isso é um absurdo num campeonato. Inclusive, se o juiz tivesse visto, não sei o que poderia ter acontecido. Alguém sabe? Shiost?
Senti-me uma boboca por ter querido ajudá-la e hoje penso que teria feito melhor se tivesse jogado o meu jogo e dado mais trabalho a ela, pois era isso que ela esperava, para isso é que ela veio participar de um campeonato paulista e não para ser carregada ao colo por ninguém. Penso que sua vitória teria sido muito maior e mais importante.
Nos países desenvolvidos, se você tentar ajudar um deficiente de qualquer tipo, você leva um tremendo de um sabão! Pois eles fazem questão de ser aceitos e tratados como qualquer outra pessoa.
Errei redondamente. Mas isso não quer dizer que eu não admirei toda a sua conquista. Pelo contrário, tive nesse dia, não uma, mas duas lições de vida.

Lição de vida


Esta foto não é do jogo que estou relatando. 

Um dos pontos interessantes nos meus 20 anos de xadrez foi um campeonato paulista realizado no Clube Paineiras em que participei jogando com uma jovem cega, ela com as brancas.
Ao ser sorteada, senti o chão me faltar, pois não tinha nenhuma idéia de como isso poderia ser. O juiz me explicou que o tabuleiro era especial, com peças idem.
Apreensiva e curiosa ao mesmo tempo, fiquei olhando a moça de 21 anos se aproximando, com sua bengala retrátil de alumínio, seguida de perto por outra moça que pensei ser sua acompanhante. O juiz voltou para me explicar que minha adversária tinha direito a um assistente vidente para vigiar as jogadas e nos apresentou.
A jogadora, que vou chamar de Lúcia, pele muito branca contrastando com cabelos negros, curtos e ondulados, menos de 1,60m e peso ligeiramente acima, tomou seu lugar. Os olhos eram aparentemente perfeitos, de um castanho-claro esverdeado, de maneira alguma enevoados ou deformados. Olhos bonitos. Ninguém suspeitaria de sua deficiência, ao vê-la sentada. "Olhava" diretamente em minha direção, o que me intrigou. Lembro-me de haver duvidado de sua cegueira.
A assistente colocou o tabuleiro e arrumou as peças, enquanto o juiz me explicava que as casas brancas ficavam em nível diferente das pretas e que todas as peças brancas eram coroadas por uma tachinha arredondada; as pretas não. Que a regra "peça tocada, peça jogada" continuaria valendo para mim, mas não para ela, que "via" com os dedos.
Ás 9 horas o jogo começou. Cortou meu coração ver a tremedeira de seus dedos, que tocavam cada uma das peças, suas e minhas, para sentir a localização. E a coragem dela de participar de um campeonato com pessoas que enxergavam me maravilhava. Tudo ao meu redor se dessintonizou, como numa música de Béla Bartók. Eu estava assombrada por aqueles dedos pálidos e trêmulos tocando todo o tabuleiro. Senti por ela uma angústia torturante e dolorida: das limitações em seu dia a dia, da falta de liberdade, da ausência da beleza das coisas.
O campeonato estava se realizando na "Gaiola das Loucas", nome sarcástico para a antiga sala de aeróbica cujas paredes de vidro ficando de frente para as piscinas, proporcionavam um espetáculo e tanto para os ocupantes das espreguiçadeiras.
Ali fora o tempo estava ótimo e fresco e ouvia-se o splash das braçadas atléticas dos rapazes, o burburinho de vozes, risos e os gritinhos felizes das crianças. Mas de repente eu não ouvia mais nada, como se isso tudo tivesse sido sugado para dentro de um vácuo. Meu corpo estava tenso como uma corda de violão.
O jogo continuou nesse clima, evoluindo com os habituais ataques e defesas de lado a lado, até que ela errou um lance, expondo sua Dama ao ataque do meu cavalo. E ela "não viu". Moveu outra peça. Ia perder. Não pude suportar.
- Sua Dama! - sussurrei.
- Que tem minha Dama? sussurrou de volta.
- Está atacada pelo meu cavalo.
- Onde?! Onde?! Não "vi"...
Aquilo doeu mais que tudo. Mas eu não podia fazer mais do que já dissera... Procurou com aqueles dedos assustados e encontrou sua Dama, procurou depois o meu cavalo, tremeu mais e perguntou baixinho:
- Posso voltar o lance?...
- Claro! sussurrei, até aliviada...
Ela voltou o lance, tomou meu cavalo e nem 5 minutos depois levei o cheque-mate... Não me deu a menor chance. Não me ofereceu a escolha de voltar o lance e eu pensei - "Tudo bem, eu tenho tudo, tenho mais que ela, coitadinha. Que bom pra ela.” E no momento não me importei nem um pouco. Ela estava mais do que feliz. . Tinha vencido o jogo contra uma vidente. Isso poderia ser muito importante para ela.
Depois do jogo, ficamos um tempo conversando. Lúcia, agora animada, perfeitamente segura, respondeu minhas perguntas e contou sobre sua vida: como perdera a visão aos 15 anos, em plena aula, durante uma prova; que de repente tudo ficara branco como neblina; que isso foi ainda piorando até que não via mais nem vultos. Só o branco. Sua visão se fora e os médicos confirmaram que não voltaria.
Continua

LENITA



Só mais um pouco de Xadrez.


Lenita, minha parceira e companheira estudante desse jogo, pessoa entusiasta por tudo, super-sociável, cheia de vida e paixão pela Equipe 51.
Adorava tudo na Olimpíada e queria jogar tudo. E dava o sangue, mas sempre com bom humor e alegria. Adorava tudo e parece que tinha de provar a si mesma que era capaz. - Sou uma vencedora - dizia.
No futebol feminino, a baixinha corria e a bola era só dela, com os grandes olhos verdes eternamente delineados com lápis preto e rímel, inocentes e abertos para o mundo como os de uma criança. No basquete, contribuía com suas cestas e, rindo sempre, tornava o jogo competitivo numa brincadeira, como deveria ser. Comprou luvas especiais para jogar peteca, pois suas mãos ficavam muito machucadas. No biribol era a maior pândega, sorriso encantado e felicidade estampada no rosto. No vôlei seu maior prazer era ser chamada do banco de reserva. Se rosto, já iluminado normalmente, resplandecia. Na mini-maratona (míseros 5 km), mesmo que não chegasse entre os primeiros, na partida estava sempre na primeira fila.
Felicidade definia Lenita, apesar da bronquite asmática severa. Num jogo de futebol, ela foi disputar uma bola e estirou um ligamento na parte interior da coxa, tendo de engessar desde o quadril. Foi jogar xadrez assim mesmo, de perna dura e acabou caindo com cadeira e tudo, assustando a todos. Felizmente, não quebrou o gesso! Mas depois, quando perguntavam porque estava engessada, brincava que foi no xadrez: "Esse esporte é violento, quê cê tá pensando!" e ria deliciada...
Era solteira e sócia dos irmãos na fábrica, que fornece um certo produto para o Metrô e de que ela também muito se orgulhava. Morava sozinha no apartamento de seus pais, que ficara em herança para ela. Tinha um carro preto, um Escort e voava baixo nele. Não diminuía a marcha nas esquinas e costurava no trânsito. Uma vez nos deu carona para casa e o Nelson, brincando, comentou:
- Puxa! Lenita!... que emoção! No seu carro a gente entra passageiro e sai sobrevivente. Ela ria deliciada...
- Ah, Nelson, eu sou assim mesmo. Não tenho tempo a perder... O tempo é curto, tenho de aproveitar a vida! Eu corro o tempo todo! Mas pode confiar em mim como motorista, porque dirijo muito bem!
Nunca vi a Lenita menos animada, exceto no dia em que estávamos jogando por prazer, sozinhas na Sala de Xadrez, quando ela me contou que o médico a proibira de jogar futebol. Foi a primeira vez que a vi suspirar. Disse que o médico pedira uma radiografia pulmonar e que detectara um aumento considerável do coração.
- Ele está preocupado - dizia ela - com o tamanho do meu coração, mas eu estou muito triste de não poder jogar futebol. Ele disse que não posso correr, nem disputar uma bola. Que coisa mais boba! Mas ele me fez prometer parar com o futebol. Eu perguntei: até quando? e ele: - Não sei, mais um tempo. Eu libero você quando der. Confie em mim. - E contra a vontade, prometi, mas não vejo a hora de voltar. Vai ser duro ficar olhando todo mundo lá jogando e eu de fora, parada... Isso é que meu coração não agüenta!
Num sábado, abril de 1997, Lenita e eu tínhamos combinado jogar o nosso xadrezinho, mas ela não apareceu. No domingo, chegou tarde, um fato inédito, um pouco abatida, embora seus grandes olhos verdes estivessem normalmente pintados com os indefectíveis lápis preto e rímel. Justificou sua falta na véspera, contando que não estava passando muito bem e que um dos irmãos a levara direto da fábrica ao Pronto Socorro na sexta, quase sem poder respirar, em crise de asma.
- Fiquei assustada - disse ela, arquejando um pouco - Pensei que tinha chegado minha hora... Deus me livre! Meus dedos já estavam roxos! Mas agora estou melhor.
Olhando para ela, achei que estava um pouco corada e alterada e disse isso, ao que respondeu: - - Vim correndo! Estou bem. Não se preocupe! Comigo ninguém pode!
Jogamos normalmente o dia todo, os outros parceiros foram chegando e tudo ficou normal. Mas não gostei da respiração curta, nem do chiado. Porém na segunda ela estava um pouco melhor.
Na terça não apareceu.
Na quarta, ao meio dia, recebi um telefonema de um dos irmãos. Ela não fora trabalhar, coisa impossível nela. Ligaram para seu apartamento e não atendeu. Foram até lá e a encontraram morta. Disseram que seu coração literalmente explodiu. Ela estava na cozinha, onde ficava sua bombinha, presa na parede . Caíra a um metro, com o braço estendido.

Hoje, ao contar isto aqui no blog, não pude deixar de interromper algumas vezes para chorar um pouco. A morte para mim é a coisa mais normal que existe, mas a saudade e a falta das pessoas queridas às vezes pega a gente de jeito.

Perdi muito da vontade de jogar xadrez.

segunda-feira, maio 21, 2007

Almoço num domingo de maio

Vocês precisam fazer uma visita ao blog do Turini.
Ele escreveu um texto muito bom , dizendo em poucas palavras porque deixou de jogar xadrez. Eu não diria melhor.
Era o que eu ia dizer hoje, mas faço minhas as palavras dele.


Por outro lado, primacaçula, queira por favor me desculpar! E também todas as outras senhoras esposas dos meus queridos companheiros blogueiros que tão bem pilotam seu fogão, coisa que muito admiro e em que sou bem "barbeira".... Também adoro fazer tricô com os óculos no nariz, assim como adoro costurar e até eventualmente bordar... Só o fogão é que me intimida um pouco, pois demoro muito tempo para conseguir fazer "brotar" algum prato.

Como aconteceu naquele domingo muito quente, em maio de 1984.

O Nelson sempre ficava no Clube até mais ou menos três horas. Resolvi fazer o almoço. Mas, graças às minhas dificuldades culinárias e ao velho e arraigado perfeccionismo, as horas foram passando e só lá pelas cinco e meia o "almoço" ficou pronto. Eu estava verdadeiramente chateada com isso.

Então tive uma idéia luminosa: decidi fazer uma surpresa ao Nelson. Reuni os quatro filhos, pedindo a cada um que colocasse as melhores roupas. Todos toparam. Alessandra, (quinze anos) e eu pusemos vestidos longos e fizemos uma maquiagem bem acentuada, um pouco exagerada, como para atrizes de teatro, mas de bom gosto. Ela ficou muito bonita. Arrumamos nossos cabelos num coque e colocamos saltos bem altos. Chris tinha 9 anos e vestiu-se lindamente. Flávio Rubens, com 17 e Rodrigo, com 10, idem.

Depois, ajudaram a arrumar a mesa na sala de jantar, com toalha bordada, a melhor porcelana, os melhores talheres, velas e cristais. As velas foram acesas, pois já era quase noite nessa altura.

Colocamo-nos em pé por trás das cadeiras e chamamos o convidado de honra.

Ele desceu só com o short branco da 51, sem camisa e descalço.

Estacou na porta da sala de jantar por um rápido segundo, virou as costas e voltou para cima.

Não entendemos. O que teria acontecido? Por que foi embora? Será que não gostou? Por que não disse nada? Estávamos boquiabertos e confusos, ainda trocando idéias, quando ele reapareceu, desta vez vestindo o smoking e gravata borboleta... por cima da pele, sobre o mesmo calção branco e ainda sem sapatos. Entrou sério, sem olhar para ninguém e tomou seu lugar à cabeceira.

Caímos todos na risada e os surpreendidos fomos nós. Não podemos com ele...

Alguns minutos mais tarde, a campaínha tocou e eram dois amigos do Flávio que vieram convidá-lo para qualquer coisa. Meu filho disse que não podia ir, pois estávamos "almoçando"... Eles não acreditaram num "almoço" àquela hora e o Flávio levou-os até a sala de jantar e a cena que eles viram vocês podem imaginar. Os dois olharam, cumprimentaram olhando de um para o outro meio de lado e saíram quase imediatamente, pensando que devíamos estar loucos...

Foi um domingo memorável que ficou na história da família...

domingo, maio 20, 2007

Capítulo 3 - A Revanche




Ano após ano tive a sorte de não jogar contra ela, mas em 1990 eu já tinha algum conhecimento e a 51 feminina de xadrez havia se tornado uma das melhores, tendo recebido as medalhas de Bronze e de Prata. Estávamos bem no ranking e faltava o jogo final.

E aqui entra o Zeca com a lei da Atração: sonhei uma semana antes que tinha sido sorteada para jogar contra Elisa, eu de pretas! Fiquei num nervoso só!
Havia gravado em minha mente todo aquele terror do início, toda a vergonha, toda a inevitabilidade da derrota, um enorme tambor ecoava em meus ouvidos e aquilo tudo crescia como nuvem negra sobre minha cabeça. Consultei uns amigos que jogavam conosco na sala de xadrez e pedi a eles que jogassem comigo, por favor! O fim de semana foi curto para tanto estudo que eu precisava, até que chegou a Grande Quinta-feira do jogo final.
Eu ainda não conhecia O Segredo, viu, Zecão? e sofri como uma condenada até o sorteio. É claro que não deu outra: - Elisa de brancas contra Nice! gritou o coordenador lá da frente.
De repente eu estava tomada de uma fúria de Rambo. Mas aparentemente fria e calma. Havia uma sensação de perigo, de jaula aberta... Quem era o leão? Ela ou eu? Coração batendo em antecipação, escolhi uma mesa em que as peças eram mais bonitas. Esperei por ela, pensando que desta vez, era eu que tomava a iniciativa.
─ Oi, Elisa ─ cumprimentei enquanto ela se sentava.
─ Ah, como detesto jogar xadrez!
Não acreditando no que ouvia, perguntei, um pouco irônica:
─ E por que?
Divertida, adorei ouví-la dizer:
─ Porque trabalho com a cabeça.
─ Eu não acredito! ─ pensei ─ ela não se lembra ?!?
Esperou um longo momento e quando a pergunta seguinte não veio, continuou, muito séria:
─ Sou física nuclear.
─ Incrível!... ─ disse eu.
─ Faço parte do Departamento de Física Nuclear da USP .
─ ...
Não consegui dizer nada. Eu estava pasma. Mais tarde não pude deixar de pensar que essa introdução era para intimidar a adversária. Depois fiquei sabendo que ela dizia isso para as outras....
O jogo começou. Relógios matraqueando, quebrando o silêncio. Eu sorria, pois o jogo dela estava parado no tempo. E o meu desabrochara. Ela percebeu claramente e começou a ficar meio nervosa. Num certo lance calculou mal e segurou o Bispo, levantando-o num gesto rápido. Recolocou-o mais rapidamente ainda quando viu que se o tirasse dali, perderia sua Dama. E pegou outra peça, pensando por certo que eu não teria percebido. Mas eu não era mais aquela iniciantezinha de antigamente.
─ Não, Elisa. Sinto muito, mas você conhece as regras. "Peça tocada, peça jogada".
─ Mas se eu tirar o Bispo, perco a Dama. E não posso fazer isso.
─ Eu sei. Sinto muito.
Um dos amigos que jogaram comigo no fim de semana estava olhando a cena. Aproximou-se e disse baixinho:
─ É verdade. Você pegou o Bispo.
─ Mas vou perder o jogo!
Ele deu de ombros:
─ É um campeonato!
Tomei a Dama e venci o jogo. Festa na 51!

Enfrentando Elisa - Capítulo 2

Lenita e Zinah, da Equipe Raspa, treinando no Bar do Snooker

Nossa equipe chamava-se 51, não tendo nada a ver com a bebida, mas sim com o Pedrão, um dos integrantes do grupo que fazia 51 anos e seu aniversário estava sendo comemorado pelo seu grupo de amigos no clube. Alguém gritou: Viva o Pedrão! 51!!! Vamos chamar nossa equipe de 51! E assim foi.

Nesse primeiro ano, engatinhando no xadrez, no último jogo das finais, fui sorteada para jogar contra Elisa.

Ela, experiente, já sentada em seu lugar, me aguardava indiferente. Eu ainda não sabia do que já lhes contei sobre ela e nem a conhecia. Como os outros jogos tinham sido fáceis, eu estava toda entusiasmada, lutando pela 51. E ela parecia entediada, até mal-humorada, como se estivesse fazendo um grande sacrifício.

Antes do jogo, já diante do tabuleiro montado, relógio parado, disse a ela o quanto estava motivada:

─ Adoro jogar xadrez! E você?
─ Eu detesto!
─ Então porque você está aqui?
─ Porque minha equipe não tem mais ninguém.
─ Mas porque você não gosta? Não posso entender!
─ Porque eu trabalho com a cabeça e a esta hora da noite, já deveria estar em casa, descansando...
─ No que você trabalha? perguntei inocentemente.
─ Sou física nuclear.
(Assombro... meu queixo caiu...).
E ela completou, gèlidamente:
─ Faço parte da Equipe de Física Nuclear da USP.
Pronto! O jogo dela já estava ganho ali mesmo, antes de começar! Mas ainda tive tempo de perguntar:
─ E você...hã... joga... há muito tempo?
─ Desde criança. Jogava com meu pai e com meu avô, que era Mestre de Xadrez.

(Estou perdida, pensei. Pobre 51!...).

Respirei fundo, apoiei os cotovelos na mesa e juntei as mãos em frente ao rosto prá tentar disfarçar as batidas desenfreadas do coração e evitar a cratera que se abriu sob minha cadeira. Mas ainda tive alguns segundos para decidir que poderia perder, mas que iria dar algum trabalho a ela!

Puxando uma coragem lá do fundo da alma, pensando que nunca fora muito boa em matemática, que fizera Magistério em vez de Colegial e que na Faculdade de Belas Artes tivera algumas dificuldades em Geometria no Espaço, que nunca estudara Física, nem Química, concluí facilmente que aquele ia ser um jogo duro de Davi e Golias.

Mas ao mesmo tempo recordei as aulas de Yoga e a respiração foi serenando, o coração diminuindo o ritmo e de repente senti uma estranha calma e uma fria determinação. (Veremos! pensei. Vou aprender a jogar, Elisa. Pode me aguardar!... ).

O coordenador marcou o tempo, relógios foram acionados e o jogo começou. Ela tranqüila e natural. Fiz a maior força, mas a falta de conhecimento de uma iniciante com apenas dois meses de jogo foi fatal. Dei um certo trabalho para ela no sentido do tempo enorme que eu levava para pensar cada jogada, o que a fazia perder a paciência e se levantar para andar de um lado para o outro, olhando as outras mesas cujos relógios faziam uma verdadeira batucada.

Não houve jeito. Para minha vergonha, vi meus peões, cavalos e bispos fora de combate rapidinho e a loura mão de Elisa implacavelmente levando minha infeliz Dama. Sentia-me triturada sob um rolo compressor de asfalto.  Mas fui até o fim, até o amargo cheque mate! E quando tudo terminou, a equipe dela veio em peso cumprimentá-la. E a 51, me consolava: Você fez o possível, paciência, ela é forte! Das outras três só Isabel ganhou.

Próximo Capítulo - A Revanche

sábado, maio 19, 2007



Nice e Lenita no bar do snooker do Paineiras


Durante vinte anos o Paineiras deliciou seus sócios com a Olimpíada dos Coroas.
O Nelson atirou-se de cabeça em várias modalidades. Queria muito que eu participasse, mas não jogo nada e ele sabe, mas não aceita. Assim, procurou um esporte que eu pudesse jogar parada... E me convenceu a me inscrever no Xadrez e no Snooker... Só que eu não sabia jogar nenhum dos dois! Ele se propôs a me ensinar. Snooker nunca fez minha cabeça. Até tentei e joguei em todos os anos. E até ganhei muitos jogos...
Mas o xadrez! Ah... o xadrez!... Humm... Fiquei fascinada desde o princípio.
Meu mestre-marido me ensinou durante algum tempo e se comprazia em ganhar, todo feliz. Mas o que nenhum de nós sequer suspeitava era do espírito agressivo e competitivo que me animava! Esse jogo nunca fez parte das suas preferências. Ele gosta do movimento, da ação, transpiração e o que mais seja dos "esportes de bola grande" (como eu chamo), especialmente o basquete e o futebol. Ao contrário de mim que curto livros, computador, filmes, um bom papo e até tricô para relaxar... Coisas paradas...
Mas tive-o a meu lado, treinando meu raciocínio e sentindo-se estimulado por meu inusitado entusiasmo, até... o dia... em que o venci. Nunca mais concordou em me enfrentar! "Eu nem gosto de xadrez! E prá perder, não vou jogar!" dizia ele.
O difícil foi encontrar outras senhoras que jogassem xadrez. Decidiu-se então que elas jogariam entre si, pois não alcançavam o nível dos adversários masculinos. Cada equipe feminina era formada por quatro jogadoras. Era o terrível "osso" dos coordenadores. Todas queriam jogar tudo, até snooker! Menos xadrez!
Nossa equipe tinha três jogadoras nos primeiros anos, Lenita Teixeira, Isabel Schur e eu. A quarta era, todos os anos, "pegada a laço" no vôlei ou no basquete, cujos bancos estavam sempre cheios de reservas. Implorávamos para que uma delas comparecesse, apenas uma, só para não dar WO. Elas arregalavam olhos horrorizados, dizendo que nem distingüiam o Rei da Rainha...
Mas em alguns dias, de tanto argumentar, telefonar e suplicar, conseguíamos uma tímida candidata arredia e desconfiada, aquela mesma que era uma verdadeira leoa no basquete.... Levávamos um tabuleiro portátil para ensinar-lhe a "diferença entre o Rei e a Dama", uma abertura e um princípio de defesa... Ou mesmo... em último caso, apenas para deitar o Rei. Era o nosso "osso" e era duro de roer!... E o pior é que no ano seguinte não contaríamos com essa jogadora, pois a coitadinha teria se traumatizado horrivelmente com a tremedeira e a humilhação, ou não teria se interessado, achado o jogo muito difícil ou muito parado, ou qualquer outra desculpa...
Tornei-me catedrática em argumentação... Todos os anos, muitas horas gastei ao telefone tentando explicar a tremenda emoção que podia ser sentida no xadrez, que nosso coração alcançava píncaros de 180 batidas por minuto, que não era nada parado, que era emocionante ao extremo, que testávamos nossa capacidade e nossa felicidade era indescritível, etc. etc. etc... Até conseguir mais uma candidata que provavelmente não ficaria conosco muito tempo.
E jogávamos, Lenita e eu, em toda parte. No bar do snooker na maioria das vezes, porque os cavalheiros passavam, olhavam e já começavam a jogar com uma de nós. Nas espreguiçadeiras da piscina tomando um belo sol, ou na sala de xadrez quando fazia frio. Logo estávamos meio viciadas. Lenita fez cursos, eu comprei livros e fomos estudando. No correr dos anos, jogando nos fins de semana com os senhores das equipes masculinas que se dignavam a jogar conosco, nossa performance foi melhorando pouco a pouco.
As outras equipes, porém, se sofriam o problema de falta de interessadas, pelo menos tinham enxadristas mais dignas desse nome. Elisa e Ana, da Oba Oba, Lisbeth e Silvana, da Sanguessuga, Daiva e Cristina, da Tô que Tô, eram as adversárias mais fortes e combativas. O marido de Lisbeth era um dos primeiros tabuleiros do clube.
Lisbeth, matemática, era o terror, pois chegava de mansinho, sem nunca menosprezar a adversária, por mais iniciante que fosse. Ganhava sempre. Elisa era mais letal. Loura e distante, como um iceberg. Também sempre ganhava. Cristina era uma Valquíria, uma Amazona, uma mulher-armário, enorme e ameaçadora como um Tigre-de-Bengala, causava calafrios. Ganhava reiteradamente. Daiva era aquela que você respeita pela determinação, como El Toro na arena. Vinha atropelando em linha reta. Passaria por cima de você sem hesitar. Mas era possível vencê-la, se você estivesse em seu dia de sorte e não perdesse a concentração nem por um segundo...


No próximo capítulo: Enfrentando Elisa

quarta-feira, maio 16, 2007

Idiossincrasia



É a maneira de ser inerente a cada um, a "marca registrada" que vem com a gente e que quase todos temos. É aquilo que faz os outros dizerem: ninguém é perfeito. 
Cá para nós, adoro uma boa idiossincrasia!
Tenho algumas, mas a maior de todas é a mania de ter aos pares tudo que me é mais querido, ou que vai deixar de ser fabricado, ou que não existe mais e que tenho de comprar em lugares especiais.
Tenho dois filhos e duas filhas... Quatro netas... (Aliás, preciso contar das outras, que estão mocinhas).
Quando gosto de um sapato que calça bem e é confortável para o dia-a-dia, compro dois. Se for fenomenal, volto pra buscar mais dois (e deixo guardado...). Se amo de paixão um livro que me "divinizou" e se o leio muitas vezes ou o empresto para pessoas queridas, mas pouco cuidadosas e ele volta em triste estado, não tenho dúvidas: compro outro. Como o livro Xogum, de James Clavell, que precisei comprar duas vezes. A primeira pessoa nem leu e ainda o perdeu (!). Comprei outro, numa edição do Clube do Livro em dois volumes, encadernados em capa dura, lindos, e outra pessoa quis muito ler. Emprestei com todo carinho e ela também perdeu o segundo volume. Hoje fico olhando para a estante onde se encontra solitário o Volume I. É claro que isso não é suportável, pois é no segundo volume que tem a "Cerimonia do Chá", a coisa mais delicada e cheia de significados que existe. Então tive de comprar outro Xogum, mais dois volumes.
Quando me pedem para pintar um retrato, pinto dois e fico com um. Demoro para terminar, porque, na verdade, não quero ficar sem o quadro.
Tenho duas pinças, duas blusas e duas calças de cada cor, duas canetas na bolsa etc.. E por aí vai. Estranho...

sexta-feira, maio 11, 2007

Livros


















Um livro indica outro.

Em uma cena, Elizabeth Kostova, na pessoa da personagem principal, sem nome, cita Henry James como um dos escritores amados pelo seu erudito pai.
O livro se passa no presente e no passado.
Em outra cena, no capítulo 39, Paul, o pai da jovem, quando fazia um doutorado, diz literalmente:
  1. "Desde que a conheci - encontrei-a somente três vezes, sendo que a segunda e a terceira foram breves - pensei com freqüência na tia de Helen, Éva. Há pessoas que permanecem na nossa memória com muito mais clareza depois de um rápido relacionamento do que outras que vemos todos os dias durante um período prolongado. A tia Éva era certamente uma dessas pessoas vívidas, alguém que minha memória e imaginação conspiraram para preservar com cores fortes por vinte anos. Usei muito a imagem da tia Éva para imaginar a aparência de personagens de livros ou de figuras históricas; por exemplo, ela se encaixou automaticamente quando dei com a ardilosa e bem-apessoada Madame Merle, do Retrato de uma Dama de Henry James.
"Na realidade, tia Éva incorporou tantas mulheres admiráveis, superiores, sutis em meus devaneios que é um pouco difícil para mim voltar à sua figura verdadeira, a que conheci em uma noite em Budapeste no princípio do verão de 1954." 

















Foi o que me bastou para procurar esse segundo livro , O Retrato de uma Senhora.
O que penso de um livro bom é o que sinto, quando, ao encontrar uma imagem de palavras tão significativa, sou transportada a uma emoção imensa e a uma altura embriagadora.
E isso aconteceu neste livro, de Henry James.
Logo nas primeiras páginas, encontro uma frase mágica:

"Lilian desposara um advogado nava-iorquino, rapaz de voz contundente e entusiasmado pela profissão; não fora um grande casamento, assim como não o fora o de Edith, mas Lilian era considerada uma moça de sorte por ter conseguido casar - pois era bem menos bonita que as irmãs. Era, entretanto muito feliz, e agora, como mãe de dois garotos ditatoriais dona de uma casa de pedras pardas entalada à força na rua 53, ...

Achei deliciosa demais essa imagem, essa manipulação de palavras, pois, o que é a literatura senão uma sábia organização pessoal de palavras, assim como a música o é de sons, a pintura é de traços e cores e a escultura o é de volumes?
E isso foi só para começar. Henry James dá um verdadeiro show de como escrever um romance e, muitas vezes, fechei o livro marcando as páginas com um dedo, para voar... voar nas asas libertadoras de uma águia imensa e dourada que me transportava divinizada, ao infinito do infinito do infinito...

segunda-feira, maio 07, 2007

Sonhos
























Não "aqueles sonhos" que a gente teve um dia e que se realizariam ou não!

Não! Sonhos mesmo, daqueles em que a gente viaja quando está dormindo. Que engraçado, estávamos falando de portas para a imaginação.

Cada um de nós imaginou quereres e gostosuras que estariam ali para nós atrás daquelas portas. (Péra aí, Shiost, de onde você tirou que eu gosto do Xitãozinho e Xororó???)

O Turini deixou um comentário dizendo que adora janelas, que o convidam para sair e passear. Janelas também são ótimas, vide a "janela do meu blog", de onde vejo só o que quero...

Faz tempo que estou esperando um comentário do Turini, então, dei uma chegadinha até o blog dele (que está nos links, ggturini) e vi que ele escreveu sobre sonhos e que os teme (?). Comentei e fiquei pensando: sonhos que a gente sonha.

Então me lembrei dos pesadelos que tive em toda a minha infância e que me aterrorizavam. Sempre havia algo ou alguém ou um animal me perseguindo e eu precisava fugir. Só que as minhas pernas pareciam tão horrivelmente pesadas que eu só podia correr em slow motion . E o que quer que estivesse atrás de mim, ia se aproximando inexoravelmente...

Num desses pesadelos, eu tinha apenas 3 ou 4 anos e estava andando por uma esteira branca cercada de coisa alguma, isto é, em volta era tudo escuro, como uma ponte sobre o nada e eu não podia deixar essa esteira. Fui andando quando ouvi logo ali atrás o miado fino de um gatinho. Olhei para trás e lá estava ele, branquinho e muito, muito magro e, não sei por que me deu medo. A esteira era tão estreita que não permitia que eu voltasse . Então continuei e o gatinho atrás, miando cada vez mais alto. eu olhava para trás e via que ele estava crescendo rapidamente. Estava já adulto e continuava crescendo sempre, ficando muito maior do que eu e continuando a crescer. Miava forte, alto e ameaçadoramente. Já estava tão grande que poderia me devorar. Aí comecei a correr até que as pernas ficaram cada vez mais pesadas. Na frente, não muito longe, havia uma porta que eu precisava alcançar. Continuei correndo em câmera lenta, com o monstruoso gato cada vez mais perto. Cheguei finalmente à porta e ela estava fechada! Batia com os punhos fechados BOOOOOOMMMM! BOOOOOMMMMM! BOOOOOMMMMM! e o som era ressoante. E o gato chegou... Senti seu bafo... e acordei gritando. Ufa!
Esse pesadelo foi tão medonho para a pouca idade que eu tinha que ficou na memória nítido para sempre.

É engraçado que, ao contar isso aqui, senti tudo de novo. Contei esse sonho para cada um de meus filhos e sempre senti o mesmo desconforto.

Na ordem dos pesadelos de infância, este é o primeiro.

Que tal contarmos nossos sonhos ou pesadelos? É uma tremenda terapia! E quem sabe a gente consiga descobrir alguma coisa das nossas profundezas...

quarta-feira, maio 02, 2007

TEMPLO DE JÚPITER EM TERRACINA





















A vida é um corredor com portas. Vamos passando por elas sem notar. Se pudéssemos viver novamente a mesma vida, escolheríamos algumas portas e entraríamos em salas com móveis e objetos interessantes para cada um de nós.

Uma das portas daria para uma praia de areia branca e água azul, deserta, só minha, onde eu poderia ficar o tempo que desejasse...
Outra porta daria para uma sala cujas paredes seriam forradas de estantes cheinhas de livros de todos os assuntos que prefiro, sofás e poltronas confortáveis e, ao canto, um computador de última geração. Janelas altas iluminariam o ambiente, onde nunca seria noite. Teria também uma enorme travessa cheia de mangas, uvas, bananas, peras, maçãs e todo tipo de frutas secas, que seriam magicamente trocadas e a fruteira nunca ficaria vazia. No outro canto um aparelho de som tocaria em surdina minhas músicas prediletas. Pensando bem, talvez eu nunca mais saísse dali. Provavelmente eu me esqueceria de sair...
Porém, tomaria o cuidado de avisar as pessoas queridas que poderiam entrar e participar do "meu canto" quando quisessem...
Estas portas do Templo de Júpiter nos fazem pensar que cada porta sai para o ar livre e para uma escolha diferente.
Que tal vocês pensarem em que portas vocês entrariam e o que estaria por trás das portas que vocês mais gostariam?