quinta-feira, novembro 18, 2010

O Assalto - O Pior

Às vezes, quando se pensa que tudo já se resolveu e que tudo já passou, ainda precisamos ter de enfrentar algo ainda pior.
Os policiais só subiram ao "sótão", como a Cida costumava referir-se ao espaço entre a última laje e o telhado, para atender aos rogos dela, que dizia que ninguém da família poderia entrar na casa enquanto os ladrões estivessem escondidos lá. A certeza tomou conta dela um pouco tardiamente, mas valia a pena conferir.
Os policiais, bons moços, haviam tomado para si a causa da família como paladinos e, de boa vontade, fariam "a última tentativa". Realmente não acreditavam mais que encontrariam alguém, mas subiram por aquela escada conversando relaxadamente.
E o Timtim está certo: o tiroteio começou no exíguo espaço entre caixas com restos de todo tipo de material de construção, fiação, encanamento e as quatro caixas dágua. 
Vocês bem podem imaginar, tanto quanto eu, dois homens fardados, armados, defendendo uma família cuja casa havia sido invadida na ausência dos pais, seus filhos, todos menores, subjugados e ameaçados de morte, tendo uma arma apontada para sua cabeça, ou encravada em suas costas.
Ao sentirem-se alvos, os policiais reinvestiram-se de sua formação militar e repentinamente depararam-se com uma guerra, uma luta pela sobrevivência, a auto-defesa exigindo e nessa batalha venceram os mais fortes e mais preparados. Eram três os assaltantes há duas horas escondidos "no sótão", nervosos, frustrados, apavorados e exaustos; e fizeram a escolha errada. Ao invés de se entregarem, atiraram para matar. Entre estilhaços de madeiramento, cacos de telhas e jatos de água, dois ladrões foram atingidos mortalmente e o outro ficou ferido, mas sobreviveu.
De toda essa tragédia muito se falou nos dias que se seguiram. Os jornais publicaram numa página dupla as fotos dos meninos mortos entre outras de vários assaltantes menores de idade que perderam a vida naqueles dias. Muito foi dito sobre os Direitos Humanos. Defendeu-se exaustivamente os Direitos Humanos dos meliantes... E os nossos? Só eles têm direitos? O direito de entrar numa casa pulando um muro, aterrorizando e torturando os habitantes, atirando e matando pessoas indefesas, sem piedade?
No caso em questão não se "deram bem", nem levaram nada, e pior do que tudo, deixaram suas vidas, suas curtas vidas de adolescentes, bruscamente interrompidas num turbilhão de loucura e terror.
Falou-se muito também que os policiais mataram os meninos sem razão (sem razão?!). Tivemos de defendê-los! Se ele quisessem matar, teriam feito isso com os quatro e não só com dois. Não, absolutamente, não queriam matar, foi uma fatalidade. Quantas vezes na vida vemos acontecimentos descambarem para o infortúnio... Aconteceu assim, mas poderia ter sido ao contrário, não se pode deixar de pensar, as vidas tiradas poderiam ter sido as dos nossos filhos, por causa de uma bagatela qualquer.
Hoje em dia deparamo-nos a cada instante com violência desse tipo, vemos tanto disso que até já nos acostumamos a essa guerra urbana, quase não nos choca mais.
Mas naqueles dias ainda havia uma espécie de horror ao simples pensamento do sangue derramado violentamente. E derramado no recinto sagrado da nossa casa!
Pois digo-lhes o que senti ao chegar à presença da multidão de curiosos em frente à minha casa e ao ter conhecimento de que dois meninos haviam morrido, minha reação foi de profunda desolação. "Ah! Coitadinhos!"  
Coitadinhos, senhora? disse o motorista do camburão, escandalizado — Eles invadiram a sua casa ameaçaram e quase mataram os seus filhos! E a senhora ainda tem pena deles?!
Só então comecei a compreender parte do que acontecera e meu coração se apertou e se inundou de horror. 

terça-feira, novembro 16, 2010

O Assalto – O Drama continua

14:20h

Lá em cima, no meu quarto, as meninas e a Cida ouvindo o tiro, não tinham coragem de sair do quarto...
Os quatro policiais vasculharam a parte de baixo da casa, não encontraram ladrão nenhum e foram subindo a escada e examinando a parte de cima. Também nada encontraram.
Junto à porta do meu quarto, fechada, ouviram o choro das três e bateram, dizendo que abrissem para a polícia.
Elas não acreditaram, tiveram medo e não abriram.

— “Não, não é a polícia! Não acreditamos ! Vocês mataram nosso irmão!”
“Não, podem ficar sossegadas, seu irmão está bem, uma vizinha está tomando conta dele. E somos sim, a Polícia!”
— “Mas ouvimos um tiro!... Vocês mataram alguém?...”
“Não, ninguém morreu, foi tiro para cima! Podem abrir agora, vocês estão seguras!”
Depois de muita insistência de lá e resistência de cá, finalmente a Alessandra pediu que mostrassem as credenciais por baixo da porta, o que foi feito. Só então elas abriram, perguntando do irmão.
“Vamos acompanhar vocês até a casa da vizinha e poderão ver seu irmão.”
Saíram ainda transtornadas, mas já com um início de alívio e gratidão.
A Cida, como sempre muito esperta, ao passar pelo banheiro do Rodrigo, notou qualquer coisa caída em frente à porta, mas não ligou na hora, pois o importante era sair dali com as meninas o mais depressa possível. Mal sabia ela que aquele objeto seria a peça fundamental para a solução do caso...
Ao sair de casa, acompanhadas pelos policiais, as três abraçadinhas, foi que se deram conta da multidão que se formara enquanto estavam trancadas no quarto. A vizinha, que ao ver os policiais pularem o muro chamara o capitão da Polícia, conhecido do marido, pedindo “reforços”, fora mais do que atendida: oitenta e cinco policiais, quinze viaturas e um helicóptero! O barulho do aparelho atraíra a multidão de curiosos, que surgia de todo lado para assistir ao “espetáculo”...
Na casa da Sonia, todos salvos, puseram-se a esperar que os ladrões fossem encontrados e presos.
Mas... eles haviam desaparecido. Apenas um fora visto pelo helicóptero correndo para fora, pulando muros das casas, tendo sido preso enquanto fugia pelas ruas. Era o menorzinho, o mais feroz, de apenas doze anos, o que ficava instigando os outros a matar.
Procuraram pela casa toda, durante mais de uma hora. O helicóptero sobrevoando a casa e os arredores afirmava que ninguém escapara, ninguém saíra da casa.
Então, onde estavam? Os policiais, desanimados, começaram a ir embora. A Cida e meus filhos, a Sonia e a família instando para que não fossem embora, não os abandonasse, porque tinham certeza de que eles estavam escondidos na casa em algum lugar e que quando entrassem, haveria represálias. Mas os policiais foram saindo, as viaturas, todos. Só ficaram os primeiros, da delegacia próxima, que também não se conformavam com o sumiço inexplicável.
De repente, a Cida se lembrou do objeto caído na porta daquele banheiro: o talão de cheques que um deles pegara na gaveta no meu quarto.
E ela rapidamente reuniu os fatos e chamou os policiais restantes, contando isso a eles e deduzindo que esse banheiro tinha o pé direito duplo, com uma abertura que dava para as caixas dágua, por onde devem ter entrado os assaltantes, certamente lá ainda, na laje abaixo do telhado.
Os policiais resolveram verificar, sem acreditar muito. Trouxeram a escada grande da Sonia, o primeiro deles subiu... e foi recebido a bala...


sexta-feira, novembro 12, 2010

O Assalto - O Drama

Segunda-Feira: 13:45h


Quando o assaltante engatilhou a arma e apontou para a cabeça da Alessandra, ela esperou o tiro. Mil eventos passaram naquela fração de segundo por sua mente aterrorizada. Jamais, disse ela mais tarde, jamais seria a mesma pessoa. Encolheu-se e fechou os olhos cheios de lágrimas. E esperou, o tempo paralisado. Pensou no namorado ingrato, pensou nos irmãos presentes, no ausente, nos pais, na avó velhinha e querida, nos primos de Presidente Prudente, cenas e cenas da infância, boas ou más lembranças atropelavam-se em direção à morte iminente. Chris agora gritando de horror e implorando ao rapazinho que não, não matasse sua irmã, pelo amor de Deus! Rodrigo, absolutamente em choque, mais branco do que um lençol, tentava decidir se argumentava para dissuadi-lo, ou se jogava-se contra ele em defesa da irmã. Cida abraçava a Chris, chorando com ela, "Não, moço, por favor, por favor, moço!... Enquanto isso, o outro ladrão remexia nas gavetas, encontrando um talão de cheques, que colocou no bolso de trás da calça. O ladrãozinho de doze anos saiu do quarto para ver o que arranjava pelo resto da casa.
Ninguém conseguia acreditar no que estava acontecendo, nem que pudesse haver uma salvação para a Alessandra. Só mesmo um milagre... Mas nesse breve instante em que o tempo parou, ouviu-se a campainha do portão...
O ladrão recolheu a arma assustado, mas logo perguntou feroz:
— Quem é!? Quem é!? Quem está aí fora? Vocês estão esperando alguém?
Alessandra recobrou-se, lembrando-se que “o ingrato” prometera a ela que chegaria por volta das 13:30h para se acertarem. Tinha tanta certeza de que era o namorado que se voltou para o assaltante afirmando:
— É o meu namorado! É ele sim! Tenho certeza! Deixe-o entrar, por favor, senão ele não sairá da porta e ainda acaba chamando a polícia!
A campainha soou pela segunda vez. O ladrão não sabia o que fazer, os olhos arregalados, selvagens. Por fim, apontou o revólver para o Rodrigo, ordenando que ele fosse abrir a porta para o “namorado” da menina.
— "Mas tou indo com você, bem atrás e se você fizer qualquer movimento suspeito, tá morto, meu! Fique sabendo, moleque!"
A campainha soou pela terceira vez, o revólver foi fincado fortemente nas costas do Rodrigo que abriu a porta e saiu para o saguão da escada com as mãos para cima...

Mas não era o namorado ingrato. Eram quatro policiais que, chamados (pela secretária avisada pelo Flávio) para averiguar se estava mesmo acontecendo um assalto, tocaram a campainha por três vezes e não obtendo resposta, resolveram pular o portão e entrar. Pularam, abriram o portão da garagem de par em par e foram entrando devagar, armas em punho...
Rodrigo, revólver cravado nas costas, mãos para o ar, apareceu na porta de entrada e deu de frente com os quatro policiais que engatilharam suas armas, avaliando rapidamente a situação. Rodrigo pensou: Chegou a minha hora! Estou perdido! Um vai atirar no outro e eu no meio...
Mas o ladrão, assustadíssimo, guardou a arma na cintura e voltou sobre os próprios pés, entrando em casa. Os policiais gritaram:
— Ei! Parado aí! E deram um tiro para o ar.
O outro assaltante, que ficara tomando conta das meninas e da Cida, saiu para fora do quarto para olhar pela escada o que acontecia lá em baixo. Alessandra, mais que depressa, correu e fechou a porta do quarto por trás dele.
Minha amiga e vizinha da casa da frente, que vira pela janela a polícia chegando e pulando o portão, apreendeu de imediato a situação e telefonou para o Capitão da Polícia, amigo do marido, descrevendo o que vira e pedindo reforços. Correu para fora e abriu uma fresta no portão de sua casa, chamando: “Rodrigo, venha para minha casa! Corra! Entre aqui, rápido!”, o que meu filho obedeceu prontamente, refugiando-se na casa dela, cujo portão foi fechado. Mas ao ouvir o tiro, pensou que o ladrão tinha voltado lá para cima e atirado finalmente na Alessandra e quis voltar, mas a Sonia o agarrou pelos braços e lutou com ele, impedindo que ele voltasse. Ele chorava e gritava em desespero que tinham matado sua irmã e que tinha de voltar! Mas a Sônia foi firme e falava com ele que a polícia já estava lá e ele não podia se expor mais.
Lá em cima, no meu quarto, outro drama se desenrolava. As meninas e a Cida ouvindo o tiro, começaram o maior sofrimento, pensando que o ladrão tinha matado o Rodrigo, mas não tinham coragem de sair do quarto...