O Assalto - O Pior
Às vezes, quando se pensa que tudo já se resolveu e que tudo já passou, ainda precisamos ter de enfrentar algo ainda pior.
Os policiais só subiram ao "sótão", como a Cida costumava referir-se ao espaço entre a última laje e o telhado, para atender aos rogos dela, que dizia que ninguém da família poderia entrar na casa enquanto os ladrões estivessem escondidos lá. A certeza tomou conta dela um pouco tardiamente, mas valia a pena conferir.
Os policiais, bons moços, haviam tomado para si a causa da família como paladinos e, de boa vontade, fariam "a última tentativa". Realmente não acreditavam mais que encontrariam alguém, mas subiram por aquela escada conversando relaxadamente.
E o Timtim está certo: o tiroteio começou no exíguo espaço entre caixas com restos de todo tipo de material de construção, fiação, encanamento e as quatro caixas dágua.
Vocês bem podem imaginar, tanto quanto eu, dois homens fardados, armados, defendendo uma família cuja casa havia sido invadida na ausência dos pais, seus filhos, todos menores, subjugados e ameaçados de morte, tendo uma arma apontada para sua cabeça, ou encravada em suas costas.
Ao sentirem-se alvos, os policiais reinvestiram-se de sua formação militar e repentinamente depararam-se com uma guerra, uma luta pela sobrevivência, a auto-defesa exigindo e nessa batalha venceram os mais fortes e mais preparados. Eram três os assaltantes há duas horas escondidos "no sótão", nervosos, frustrados, apavorados e exaustos; e fizeram a escolha errada. Ao invés de se entregarem, atiraram para matar. Entre estilhaços de madeiramento, cacos de telhas e jatos de água, dois ladrões foram atingidos mortalmente e o outro ficou ferido, mas sobreviveu.
De toda essa tragédia muito se falou nos dias que se seguiram. Os jornais publicaram numa página dupla as fotos dos meninos mortos entre outras de vários assaltantes menores de idade que perderam a vida naqueles dias. Muito foi dito sobre os Direitos Humanos. Defendeu-se exaustivamente os Direitos Humanos dos meliantes... E os nossos? Só eles têm direitos? O direito de entrar numa casa pulando um muro, aterrorizando e torturando os habitantes, atirando e matando pessoas indefesas, sem piedade?
No caso em questão não se "deram bem", nem levaram nada, e pior do que tudo, deixaram suas vidas, suas curtas vidas de adolescentes, bruscamente interrompidas num turbilhão de loucura e terror.
Falou-se muito também que os policiais mataram os meninos sem razão (sem razão?!). Tivemos de defendê-los! Se ele quisessem matar, teriam feito isso com os quatro e não só com dois. Não, absolutamente, não queriam matar, foi uma fatalidade. Quantas vezes na vida vemos acontecimentos descambarem para o infortúnio... Aconteceu assim, mas poderia ter sido ao contrário, não se pode deixar de pensar, as vidas tiradas poderiam ter sido as dos nossos filhos, por causa de uma bagatela qualquer.
Hoje em dia deparamo-nos a cada instante com violência desse tipo, vemos tanto disso que até já nos acostumamos a essa guerra urbana, quase não nos choca mais. Mas naqueles dias ainda havia uma espécie de horror ao simples pensamento do sangue derramado violentamente. E derramado no recinto sagrado da nossa casa!
Pois digo-lhes o que senti ao chegar à presença da multidão de curiosos em frente à minha casa e ao ter conhecimento de que dois meninos haviam morrido, minha reação foi de profunda desolação. "Ah! Coitadinhos!"
— Coitadinhos, senhora? — disse o motorista do camburão, escandalizado — Eles invadiram a sua casa ameaçaram e quase mataram os seus filhos! E a senhora ainda tem pena deles?!
Só então comecei a compreender parte do que acontecera e meu coração se apertou e se inundou de horror.