Vou contar o fato que me afastou, não do âmago da filosofia, mas da pessoa que dirigia o grupo.
Essa dirigente proporcionava encontros em sua própria casa, para o grupo ainda pequeno. Antes de aceitar alguém, ela fazia uma entrevista em lugar neutro, ao ar livre e rodeado de natureza, geralmente numa praça ou jardim. Ali, ela sentia se as vibrações do aspirante a neófito estariam de acordo com o desejável, se a motivação dele era favorável e merecedora. Nesse caso ela o encaminhava ao grupo.
Lá, numa linda sala escolhida e reservada apenas para isso, o neófito unia-se aos outros participantes e juntos “vibravam” por todos os seres do planeta, em orações (tudo em inglês) em prol da paz universal, em cânticos (em inglês) e em mantras sonoros. Esse conjunto de vibrações em uníssono durava mais ou menos hora e meia e era chamada Ritual. O ambiente não era muito diferente de uma pequena capela. Tudo branco, quadros com as imagens de Jesus e outros Mestres hindus, uma vela acesa num pequeno castiçal de cristal lapidado, simbolizando a Energia da Divina Presença.
Em seguida, na sala de jantar, eram ministradas aulas sobre os Sete Corpos, os Sete Chakras, sobre a Divina Presença, os Elohim, e inúmeros outros conhecimentos maravilhosos e elevados.
Nenhuma contribuição financeira era pedida. Cada um levava apenas o próprio material necessário para as lições.
Livros eram lidos (em inglês) e comentados. Minha amiga Telma falava correntemente várias línguas e me ajudava a entender certas lições mais difíceis. Comecei a gostar muito do que aprendia. A mente abriu-se como um lótus. Tudo caía em terreno fértil, como chuva depois de longa estiagem.
“Deus é Energia pura, vibração que move e cria tudo, tudo o que há contém Deus, Ele está em tudo, ELE É TUDO. E - (maravilha das maravilhas) - I AM GOD IN ACTION” - Eu sou Deus em ação.
Quer coisa mais fantástica?
A princípio fiquei um pouco chocada com a pretensão (Eu?... sou... Deus?!? Em ação?... Jesus Cristo!), mas pouco tempo depois comecei a pensar que tinha muito sentido; finalmente passei a aceitar como verdade.
“Assim como em cima, em baixo”; “Fomos feitos à imagem e semelhança de Deus” (Deus é Energia e é Tudo, nós somos energia, logo, fazemos parte da Energia de Deus... e se fazemos parte ... somos uma partezinha de ... Deus!); “No princípio era o Verbo e o Verbo era Deus...” (os Sete Elohim e a Criação com sons, os Sete Raios...)
Lentamente comecei a compreender algumas frases desse tipo, que antes, sem explicação, não me convenciam. E minha necessidade de racionalizar aumentava, ao invés de diminuir. Nada me satisfazia quando percebia que havia algo que ainda permanecia inexplorado, queria mais e mais e mais.
Mas nesse meio tempo, durante uma aula, com meus dois filhos, a dirigente citou uma restrição: meus filhos “não deveriam ficar muito perto de pessoas da raça negra, que produzia vibração muito baixa na escala de cores”. E não era só isso: "os negros teriam adquirido essa cor por castigo, por terem desejado e feito demais, por terem alcançado uma altíssima tecnologia que os acabou destruindo - os Atlantes"...
Não acreditei no que estava ouvindo, naquele lugar, daquela pessoa! Meu sangue subiu, batendo nas têmporas com violência, devo ter ficado vermelha de indignação. Tínhamos há muito tempo uma empregada negra, que era nossa quase governanta, a babá das crianças, nossa amiga, excelente pessoa, nossa comadre. Nossos filhos tinham amigos negros, gostavam deles sem problemas de cor, o que é isso?! - pensei.
Nesse dia despedi-me da dirigente do grupo para nunca mais voltar.
Como sempre, o elemento humano estragando as melhores coisas... Conversei com a Telma, que tentou me explicar que o conhecimento a que eu tivera acesso estava acima de dirigentes etc., mas... não. Não quero, não aceito isso, disse a ela. Um absurdo expor minhas crianças, de coração aberto, a esse tipo de idéia racista.
O pior foi ter de explicar a eles o porquê de não poderem mais voltar lá, estavam tão entusiasmados! Flávio Rubens, por exemplo, que não suportava perdas, disse que não queria mais saber de nenhum tipo de igreja, templo ou religião, se fosse para ter de parar assim e ter de inverter o rumo, esquecer tudo, perder tudo. “Você não precisa esquecer-se de nada das coisas lindas que aprendemos lá. É só essa parte, que não tem nada a ver com o que é certo que você não deve aceitar.” – tentei explicar, mas ele ficou irredutível.
Meu Deus – pensei - sentindo-me terrivelmente culpada, não devia ter levado as crianças antes de ter toda certeza de que era irrepreensível em todos os pontos de vista. Mas nunca imaginei que o dirigente de um Centro de Estudos Religiosos de tão alto nível pudesse escorregar num assunto desses...
Porém, tudo passa e essa fase ficou para trás. Mas não minha busca... Eu iria continuar.