quarta-feira, março 23, 2011

Atração Irresistível VIII


Vou contar o fato que me afastou, não do âmago da filosofia, mas da pessoa que dirigia o grupo.
Essa dirigente proporcionava encontros em sua própria casa, para o grupo ainda pequeno. Antes de aceitar alguém, ela fazia uma entrevista em lugar neutro, ao ar livre e rodeado de natureza, geralmente numa praça ou jardim. Ali, ela sentia se as vibrações do aspirante a neófito estariam de acordo com o desejável, se a motivação dele era favorável e merecedora. Nesse caso ela o encaminhava ao grupo.
Lá, numa linda sala escolhida e reservada apenas para isso, o neófito unia-se aos outros participantes e juntos “vibravam” por todos os seres do planeta, em orações (tudo em inglês) em prol da paz universal, em cânticos (em inglês) e em mantras sonoros. Esse conjunto de vibrações em uníssono durava mais ou menos hora e meia e era chamada Ritual. O ambiente não era muito diferente de uma pequena capela. Tudo branco, quadros com as imagens de Jesus e outros Mestres hindus, uma vela acesa num pequeno castiçal de cristal lapidado, simbolizando a Energia da Divina Presença.
Em seguida, na sala de jantar, eram ministradas aulas sobre os Sete Corpos, os Sete Chakras, sobre a Divina Presença, os Elohim, e inúmeros outros conhecimentos maravilhosos e elevados.
Nenhuma contribuição financeira era pedida. Cada um levava apenas o próprio material necessário para as lições.
Livros eram lidos (em inglês) e comentados. Minha amiga Telma falava correntemente várias línguas e me ajudava a entender certas lições mais difíceis. Comecei a gostar muito do que aprendia. A mente abriu-se como um lótus. Tudo caía em terreno fértil, como chuva depois de longa estiagem.
“Deus é Energia pura, vibração que move e cria tudo, tudo o que há contém Deus, Ele está em tudo, ELE É TUDO. E - (maravilha das maravilhas) - I AM GOD IN ACTION” - Eu sou Deus em ação.
Quer coisa mais fantástica?
A princípio fiquei um pouco chocada com a pretensão (Eu?... sou... Deus?!? Em ação?...  Jesus Cristo!), mas pouco tempo depois comecei a pensar que tinha muito sentido; finalmente passei a aceitar como verdade.
“Assim como em cima, em baixo”; “Fomos feitos à imagem e semelhança de Deus” (Deus é Energia e é Tudo, nós somos energia, logo, fazemos parte da Energia de Deus... e se fazemos parte ... somos uma partezinha de ... Deus!); “No princípio era o Verbo e o Verbo era Deus...” (os Sete Elohim e a Criação com sons, os Sete Raios...)
Lentamente comecei a compreender algumas frases desse tipo, que antes, sem explicação, não me convenciam. E minha necessidade de racionalizar aumentava, ao invés de diminuir. Nada me satisfazia quando percebia que havia algo que ainda permanecia inexplorado, queria mais e mais e mais.
Mas nesse meio tempo, durante uma aula, com meus dois filhos, a dirigente citou uma restrição: meus filhos “não deveriam ficar muito perto de pessoas da raça negra, que produzia vibração muito baixa na escala de cores”. E não era só isso: "os negros teriam adquirido essa cor por castigo, por terem desejado e feito demais, por terem alcançado uma altíssima tecnologia que os acabou destruindo - os Atlantes"...
Não acreditei no que estava ouvindo, naquele lugar, daquela pessoa! Meu sangue subiu, batendo nas têmporas com violência, devo ter ficado vermelha de indignação. Tínhamos há muito tempo uma empregada negra, que era nossa quase governanta, a babá das crianças, nossa amiga, excelente pessoa, nossa comadre. Nossos filhos tinham amigos negros, gostavam deles sem problemas de cor, o que é isso?! - pensei.
Nesse dia despedi-me da dirigente do grupo para nunca mais voltar.
Como sempre, o elemento humano estragando as melhores coisas... Conversei com a Telma, que tentou me explicar que o conhecimento a que eu tivera acesso estava acima de dirigentes etc., mas... não. Não quero, não aceito isso, disse a ela. Um absurdo expor minhas crianças, de coração aberto, a esse tipo de idéia racista.
O pior foi ter de explicar a eles o porquê de não poderem mais voltar lá, estavam tão entusiasmados! Flávio Rubens, por exemplo, que não suportava perdas, disse que não queria mais saber de nenhum tipo de igreja, templo ou religião, se fosse para ter de parar assim e ter de inverter o rumo, esquecer tudo, perder tudo. “Você não precisa esquecer-se de nada das coisas lindas que aprendemos lá. É só essa parte, que não tem nada a ver com o que é certo que você não deve aceitar.” – tentei explicar, mas ele ficou irredutível.
Meu Deus – pensei - sentindo-me terrivelmente culpada, não devia ter levado as crianças antes de ter toda certeza de que era irrepreensível em todos os pontos de vista. Mas nunca imaginei que o dirigente de um Centro de Estudos Religiosos de tão alto nível pudesse escorregar num assunto desses...
Porém, tudo passa e essa fase ficou para trás. Mas não minha busca... Eu iria continuar.

segunda-feira, março 21, 2011

Atração Irresistível VII

Vou deixar as histórias do Pensionato e outras para outra hora. Acabei misturando estações e me perdendo no labirinto de memórias todas entrelaçadas daquele tempo e enveredei por um caminho que não era o que traçara a princípio. Desculpem, e tenham paciência comigo, amigos.
Pelo jeito tenho muitas atrações irresistíveis...
Comecei com este título para chegar ao ponto, que é a atração irresistível que sempre senti por religiões que pudessem me alçar à Verdade de Deus.
Queria com toda a alma chegar à compreensão da Divindade. Não acreditava que isso era impossível, como me diziam. Não conseguia acreditar que a mente humana “não pode compreender as coisas divinas”. Rebelde, eu desprezava esse tipo de argumento. E continuava.
Muitas vezes me decepcionei, algumas me perdi, outras senti que estava chegando mais perto, em muitas sentia que estava fora da rota. Procurei, procurei e procurei. Lia tudo o que me vinha às mãos, cada vez mais frustrada, mas jamais desanimada.
Mas tudo isso aconteceria alguns anos mais tarde, já casada e bem depois de minha estada no Pensionato, onde fui católica; e o que posso deduzir hoje, sob um ponto de vista mais maduro, é que de alguma forma precisava passar por aquela fase de descoberta do amor por Jesus.
O que não conseguia aceitar eram os dogmas e sumarismos das histórias da Bíblia. Já em Caim e Abel minha revolta se erguia. Não podia compreender como o Deus que eu buscava pudesse preferir um filho a outro.
Deduzi, com minha jovem racionalidade arrogante, que aquele não era o Deus Verdadeiro, não podia mesmo ser Aquele que eu procurava. Continuando na Bíblia, também não compreendia aqueles salmos eróticos, que me chocavam (hoje não chocam mais, nada como a maturidade). Nem o pedido do Deus para que Abraão sacrificasse seu filho Isaac, não podia admitir que “O Deus” tivesse de fazer um teste com o pobre velho, enviando o Anjo no último segundo, quando a faca do sacrifício já estava levantada. Tampouco podia compreender que um pai aceitasse sacrificar o filho por devoção a um Deus tão cruel.
Mais ainda, minha mente repudiava aquele Deus que incitava às guerras, que feria os primogênitos inocentes, inclusive dos pobres animais, que mandava pintar as portas das casas dos israelitas com sangue de cordeiro, para distingui-las das casas dos egípcios, a quem o Senhor iria ferir. Que Deus é esse?
Povo escolhido? Escolhido para quê? Para sofrer perseguições por todos os séculos? E porque escolher um povo entre os outros? Se todos os povos são filhos Dele... Realmente eu não compreendia e não conseguia aceitar a fé cega num Ser desses.
Tudo isso me parecia uma história mal contada. E se era mal contada, eu não podia aceitá-la. Desisti de tentar entender a primeira parte da Bíblia, por algum tempo. Mas ficava com o Novo Testamento. Jesus, sim, era o Puro Amor.
Busquei outros caminhos, outros atalhos, que não me levaram a nenhum lugar. Outras religiões, outras igrejas, outros credos, seitas e filosofias, outras idéias e conhecimentos. Hinduísmo, Budismo, e outros ismos, mas tudo superficialmente, pois nada me satisfazia completamente.
Em seguida foi publicado, nos anos 70, o livro "Eram os Deuses Astronautas?". Adorei a idéia de que aquele Deus da Bíblia, do Velho Testamento, bem que poderia ter sido um astronauta... Estariam explicadas as guerras, as pragas, as pestes, as matanças de primogênitos etc...
Tenho uma amiga chamada Telma, possuidora de um QI elevadíssimo, que me apresentou a uma filosofia interessante, semelhante à Rosa-Cruz, que por sua vez é semelhante á Maçonaria. Frequentei com ela, por algum tempo esse grupo. Não devia comer carne, nem ingerir bebidas alcoólicas, o que para mim fazia muito sentido ("Não matarás"). Pensei que talvez tivesse encontrado o que buscava. É uma filosofia baseada em alto espiritualismo, vibrações de sons, de cores e de pensamentos, baseada em movimento e velocidade de elétrons. Enfim, Ciência.
Fiquei fascinada e novamente atraída irresistivelmente. Era também uma mistura de Altos Mestres da Índia com Jesus. Um conhecimento interessante, em que temos Sete Chakras, todos ligados, unidos, o último tendo ligação direta com a Divina Presença, o Deus Verdadeiro em TODOS nós, contanto que façamos essa ligação espiritual, o que não ocorre com todo mundo, infelizmente. Às vezes cortamos essa ligação, ou por ignorância ou por falta de fé ou por qualquer outro motivo.
Gostei tanto que levei meus dois filhos mais velhos, que na época estavam com oito anos e seis anos.
Se essa filosofia era a que mais se aproximava das minhas mais caras aspirações, infelizmente houve um fato que me afastou bruscamente e me levou a retirar meus filhos...

Acessem a página no You Tube: Vídeos: Chakras -
Melhor Explicação Animada que ja vi sobre Chakras! Parte 1

sábado, março 19, 2011

Atração Irresistível VI


Aquele mês de Janeiro passou, o vestibular foi fácil, entrei para a Faculdade e me mudei para o Pensionato Santo André.

Escolhi partilhar um quarto de duas com uma recente amiga, Celina Maria Pupo César,  de Botucatu, que estava nas Belas Artes, como eu.

E Jesus veio em seguida. Por algum tempo, a menina empolgada que não sabia fazer nada pela metade, chegou a considerar a idéia de se tornar freira! Seriamente! Isso aconteceu durante o Retiro Espiritual que o Pensionato proporcionou nos dias de Carnaval e do qual algumas das pensionistas participaram, eu inclusive.
Quando fui convidada, não estava tão entusiasmada pela Igreja Católica a ponto de participar de um Retiro, mas a Maria e a Paola, a Regina, a Lourdes e mais algumas foram tão persuasivas que me resolvi. E gostei muito.
Mas depois do Retiro a nova vida exigente de universitária foi me arrastando inexoravelmente para longe dessa idéia.

Maria Dias Lopez e Paola Lobozzo eram as moças da PUC que cursavam respectivamente História e Geografia. Rezavam o terço duas noites por semana “religiosamente”, logo após o jantar. Nada as afastava disso. Maria, mais de 1,70m de altura, bonita, pele muito clara, pincelada suavemente por umas leves sardas, olhos castanho-esverdeados, cabelo escuro e postura altiva de espanhola; a segunda, uma alegre e esfuziante italiana baixinha de cintura fina e grandes seios, cabelos e olhos negros, lábios cheios sempre sorridentes, exceto quando rezava o terço. As duas levavam muito a sério a hora dessa oração.
Maria era circunspecta e séria, descendente de espanhóis. Gostava de dizer: “Olé!” elevando o queixo. Paola era divertida, com todo o charme e sotaque napolitano, irresistível. Moravam no mesmo quarto, para onde subiam nas noites do terço. Maria fazia a melhor gemada de um ovo e pouco açúcar que já tive o prazer (imenso) de tomar... Nas noites de véspera de provas ela fazia sua célebre gemada para quem estava já há duas noites sem dormir. Batia aquela gema com uma colher de sobremesa de açúcar durante meia hora, até formar bolhas que cresciam e estouravam como um creme, uma depois da outra: Pffóff... Pffóff... A melhor gemada do mundo!

Para não dormir íamos até a padaria da esquina, a Paramount, e comprávamos cada uma um Baurú e enchíamos uma garrafa térmica daquele café de máquina, forte e horrível. Voltando ao pensionato, colocávamos os sanduíches sobre a lâmpada do abajur e tomávamos xícaras e mais xícaras daquele veneno negro durante a noite toda e, lá pelas quatro comíamos o sanduíche ainda quentinho, o queijo ainda derretendo. Maria nos acompanhava e até nos ajudava com trabalhos, entre os intervalos de gemada-café-sanduíche. Ela mesma nunca precisou ficar noites em claro para estudar para suas próprias provas... Fazia-o por nós, por puro companheirismo, incitando-nos a terminar os trabalhos até de manhãzinha.
Nós outras, as mais flanantes, que não dávamos conta do dia-a-dia, é que precisávamos dessas horas extra de sacrifício do sono...
Paola não, chegando a hora, dormia como um anjo.

Lembro-me de uma vez que a Paola iria a um baile a rigor. Arranjou na última hora um lindo vestido branco de renda, rodado e tomara-que-caia, mas que não era exatamente seu número no busto. Ficou perfeito em sua cintura, mas não fechava em cima de jeito nenhum. Ah, mas tinha que fechar, ora, só havia aquele! Então duas meninas aproximaram as duas partes da abertura atrás e uma terceira costurava. Finalmente, o vestido ficou fechado, mas Paola tinha medo de respirar... Vou explodir! Dizia ela. Não, não vai, diziam as outras, é só não respirar. E lá se foi a pobre Paola respirando aos tequinhos... Quando voltou do tal baile, deu uma única respirada funda e... com um ruído terrível, o vestido abriu de cima a baixo... Ufffffa!

quinta-feira, março 17, 2011

Atração Irresistível V

Como eu dizia, éramos obedientes, estudiosas, confiáveis, alegres como passarinhos, entusiasmadas, enfim, umas verdadeiras perfeições. Bem... Essa não é exatamente a verdade, claro.
Mas não estávamos muito longe disso, posso afirmar. Algumas eram mais maduras, outras mais velhas, outras mais novas, mas eu era a mais novinha e criançona, sem a menor malícia, bobinha total.

Alguns meses antes...

Quando cheguei a São Paulo em Janeiro de 1960, e apenas durante o mês de cursinho, fiquei em outro pensionato, pertencente ao colégio Santa Marcelina e que funcionava numa mansão no topo da Rua Cardoso de Almeida.
As meninas de lá, pensionistas habituais estavam em férias e seus quartos eram alugados para candidatas à Faculdade de Artes.

Meus dezessete anos só seriam completados em março e, criada à rédea curta e super-protegida, numa pequena cidade do interior paulista, onde ainda se dançava ao som de orquestra (que saudade), onde se namorava só “de longe”, onde o decoro era o principal, tanto entre as moças quanto aos rapazes, onde o máximo permitido era pegar na mão; onde dançar de rosto colado era uma façanha deliciosa, mas não aprovada pelas mães e tias lá de cima do balcão vigiando as próprias filhas e principalmente as dos outros.

Era tão rigorosa a sociedade itapetiningana, tão separados os rapazes das meninas, que não se podia passar pela sala de snooker, reduto masculino. Seria um escândalo se alguma mocinha ousasse passar por lá. Morria-se de medo de "ficar falada". E podia-se ficar falada por pouco ou por nada. Olhos maliciosos e ávidos por toda parte, "as paredes tinham ouvidos que também podiam falar"...

Você pode imaginar como eu era tímida e caipira. Bem magrinha, parecia mais alta do que era. Não usava maquiagem, eu mesma cortava meu cabelo, que, aliás, era ajeitado, mas fora de moda (moda?!...), sem nenhuma sofisticação, saia franzida e rodada, quase nos tornozelos, sapatinhos rasos... Muitas anáguas engomadas, arrematadas com rendas ou bordado inglês, que faziam a gente parecer um abajur.

No momento em que entrei nesse primeiro pensionato carregando a mala e a frasqueira, novas em folha, naquele salão cheio de mocinhas, senti que eu estava “toda errada”. Minha saia comprida atraía a atenção delas, que pareciam tão chiques e bonitas, tão leves, seguras e à vontade, que imediatamente comecei a me sentir deslocada... O patinho feio...

Mas logo no dia seguinte, um domingo, durante o café, conversa vai, conversa vem, qual sua cidade, o que fazia lá, o que você vai estudar aqui, você gosta disto, daquilo, músicas, cinema, livros? Já assistiu tal ou tal filme, já leu tal ou tal livro? - essas coisas. De repente elas se entreolharam e decidiram que era chegada a hora. Atacaram o assunto sem apelação: “Marianice, estamos achando você bonitinha, certinha, inteligente e tudo o mais, mas... muito jacu! Vamos dar um jeito nisso? Vamos lá pro meu quarto!” Pegaram-me pela mão e arrastaram-me escada acima.

Não havia como negar e eu nem pensaria nisso, já estava ansiosa para entrar na onda. Num instante apareceram pentes, escovas e objetos de maquiagem. Cortaram meu cabelo curtinho, desfiaram, afofaram, fixaram com laquê, tiraram o excesso de sobrancelhas, pintaram meus olhos e lábios. Uma me vestiu uma saia branca pregueada, curta, na altura da metade dos joelhos, outra me enfiou uma blusa preta de helanca, com mangas curtas e decote redondo, outra me emprestou seu “colar de pérolas”, e pronto! Todas aprovaram. Mostraram-me ao espelho: lá estava eu, oh! (era mesmo eu?) mudada e “dentro da moda”. Gostei da estampa, fiquei toda feliz... entrara para o grupo.
No mesmo dia levaram-me a uma sorveteria, para que eu sentisse a nova aparência. Adorei, como qualquer menina adoraria...
Nos dias seguintes levaram-me à Rua José Paulino para comprar minha própria saia branca pregueada e minha própria blusa de helanca preta. E, claro, meu próprio colar de pérolas.


Isso feito e acertado, pude começar a estudar com afinco para passar no Vestibular.

quarta-feira, março 16, 2011

Atração Irresistível IV


É claro que essa Maçonaria do Alexandre Dumas, em sua coleção “Memórias de um Médico” foi uma sugestão, uma bandeira acenando ao longe, desfocada e esfumada , uma idéia apenas de tudo o que a verdadeira Maçonaria representa. Mas fez borbulhar em mim aquela atração irresistível, uma espécie de lembrança ancestral em direção a um objetivo, um caminho filosófico que trilho até hoje.
Mas os ventos iriam mudar novamente...
Em 1960 vim para São Paulo, inscrita no cursinho para a Faculdade de Belas Artes Santa Marcelina, nas Perdizes, e ficaria hospedada no Pensionato Santo André, na Av. Pompéia. É claro que minha super-protetora família só poderia ficar sossegada se eu estivesse dentro de um quase claustro, entre madres Andrelinas e irmãs Marcelinas, que nos guardavam como dragões... As meninas saíam e entravam de um ambiente para o outro, respirando catolicismo o tempo todo. Mas confesso que eu, pelo menos, não tinha muita consciência disso. Nem me importava, eu estava encantada com a grande cidade e com a Faculdade e achava tudo natural e empolgante.

Porém, o pensionato foi uma surpresa, justamente nesse sentido religioso. Havia uma capela pequena, austera e simples como deveriam ser todos os templos de Deus. Nada do dourado fausto e da enormidade das igrejas católicas em ouro e mármore que tenho visto. Principalmente, nada daquele distanciamento físico entre o padre e os fiéis.

Naquele tempo, era o latim a linguagem dos padres nas missas. Um latim de poucas palavras, os finais sempre repetidos e que uma estudante do meu tempo conhecia e que, perdoem-me, não me diziam muita coisa. Para mim, até ali, sempre fora um tanto fria e longínqua essa comunicação.

Mas ali, naquela capela onde o silêncio era quase absoluto, era imperativo que a voz do padre precisasse ser sussurrada, pois a distância entre ele e os bancos de madeira encerada e brilhante ocupados pelas madres e pelas pensionistas era mínima, e podia-se ouvir cada palavra que ele dizia, cada palavra circunspecta e respeitosa, e compreender melhor o significado. Aqueles padres eram sérios! A missa ganhou em grandeza, passou a ser muito mais... qual a palavra? – emocionante? envolvente? sagrada? - Qualquer coisa assim... difícil explicar.
O que aconteceu na verdade foi que aquela capela fez por mim o que nenhuma outra grande igreja conseguiu. Não me lembro de ter-me confessado, nem comungado, mas devo tê-lo feito. Devo ter mesmo desejado. Lembro-me de que foi ali, naquela capelinha, que me apaixonei por Cristo. Para sempre.

Enquanto esse amor sublime acontecia e despertava meu coração, a vida suave e ingênua que partilhávamos no pensionato viria a ocupar até hoje um lugar especial e único entre minhas melhores lembranças.

Éramos umas vinte ou vinte e uma universitárias, três nas Belas Artes, algumas na PUC, outras na USP, outras fazendo cursinho. Tínhamos um lindo salão de chá com mesas redondas e cadeiras confortáveis onde podíamos estudar, fazer trabalhos ou ler. Era onde passávamos a maior parte do tempo depois do jantar. Havia também uma rádio-vitrola. Tínhamos nossos próprios discos de música suave ou clássica. Também havia uma rede e o ambiente era muito familiar.

Porém, o chá chegava às 8:40h e logo depois a Madre Geralda vinha interromper nossos afazeres. Às 9 devíamos subir para os quartos. Éramos muito obedientes – coisas de antigamente...

quinta-feira, março 10, 2011

Atração Irresistível III

Mamãe fazia de tudo para que eu me portasse como uma mocinha e que conservasse minhas tranças bem apertadas e sem muitos fios fora do lugar. Eu odiava tudo isso. Subir em árvores era muito mais divertido.
Nessa altura eu já estava aprendendo piano com D. Sônia Santiago há alguns anos. Eu também odiava isso. Era apenas uma hora por dia, mas como demorava a passar... Exercícios infindáveis, escalas, Czerny, Bach, Lizt, Beethoven, Mozart...
Estudava com afinco, embora não gostasse. Mas não havia outro jeito. Eu não tinha piano, tinha de ir à casa da professora todos os dias. Todos os dias!  Mas se não gostava dos exercícios, adorava as músicas. E a professora não saía de perto. Quando eu pensava que ela estava longe, aí me soltava e tocava com o coração, cheia de sentimento. E ela entrava na sala: "Muito bem! Agora gostei. Vamos ter uma apresentação..." E então eu começava a morrer um pouco, de vergonha antecipada. Não conseguia tocar em público, com toda aquela timidez. Sabia que meus dedos iriam tremer tanto que não conseguiria acertar as teclas. Eu odiava aquilo! Pânico de palco... Por quê eu tinha de me curvar aos desejos dela? Por quê não me deixava em paz? Infelizmente não me atrevia a enfrentar, nem D. Sônia, nem mamãe.
E também tinha consciência de que no dia da apresentação eu iria, como um cordeirinho, para o abate. Ano após ano, mamãe na platéia, os olhos cheios de lágrimas de orgulho, o que me comovia e me levava a cumprir minha parte o melhor possível.
Comecei a perceber que se tocasse com uma certa raiva, os dedos não tremiam tanto. E lá ia eu, ano após ano.
O curso Ginasial foi passando, nada muito diferente acontecendo, exceto que ganhei altura, fiquei maior do que todos em casa e criei coragem para cortar as tranças. Continuava muito retraída e mais tímida do que nunca. Lia muito e fui adquirindo bastante vocabulário. Aprendi um pouco de Latim e um pouco de Francês, mas o Inglês foi minha língua predileta. Parecia que estava relembrando cada palavra que deveria estar aprendendo. A Matemática era uma tragédia, aulas particulares adiantavam pouco. Em Português eu era bastante boa, graças às leituras. Não gostava de Geografia, nem de História, podem imaginar? Hoje adoro as duas coisas, tão interligadas. Penso que o problema estava nos professores, que queriam a matéria decorada e que não contavam a História direito, nem faziam palpitar a Geografia... Essas matérias são uma mina de ouro para um professor entusiasta e talentoso.

Aos doze anos as aulas de piano já eram mais suportáveis. D. Sônia abriu um Conservatório e eu já desenvolvera uma capa de invisibibilidade durante as apresentações. Fingia que não estava lá e pronto... "Não estou aqui. Não há ninguém lá. A platéia está vazia. Estou tocando só para mim..."

Aos treze terminei a oitava série e passei para o Instituto de Educação Peixoto Gomide. Fiquei deslumbrada. Amigas novas, cabeça aberta a novidades.
As aulas com D. Anna Zilpah, professora de Música, foram decisivas. Ela era uma pessoa fabulosa, diferente das outras e dos outros professores. Além disso, era excelente ensinando. Tinha um defeito no rosto ocasionado por uma osteomielite e perdera uma parte do queixo. Sua face era um pouco torta e isso à primeira vista era chocante e só por isso ela já apreendia nossa total atenção. Até que ela começasse a falar... Era o carisma em pessoa.
De repente o mundo mudava de cor, mostrado a nós por ela. Esquecíamos do defeito em sua face. Voávamos em suas palavras, flutuávamos sobre nuvens de pensamentos interessantes, de idéias nunca imaginadas. Música era, por causa dela, a matéria que eu mais gostava. Mas além da Música, D. Anna Zilpah dava shows de ensinamentos éticos e morais, de um alcance tão grande que ficávamos todas enlevadas com suas palavras.

Foi a primeira vez que percebi que existia em algum lugar uma religião ou filosofia diferente e irresistivelmente atraente para mim. Aos poucos fui me ligando a essa linha de pensamento. E iniciei minha busca. Definitivamente, a religião católica não me satisfazia, com seus dogmas e seus padres prepotentes.
Desde os catorze anos passei a utilizar a biblioteca da prefeitura, que ficava na praça principal da cidade, o Largo dos Amores. Passava horas ali, procurando e lendo incansavelmente livros e mais livros interessantes. Até que descobri as "Memórias de um Médico", de Alexandre Dumas Pai, em dezoito volumes, que devorei noite após noite. Só saía quando fechava a biblioteca.
E foi nessa coleção que conheci a Maçonaria, a Hipnose, a Mesmerização... e que fiquei sabendo que Shakespeare tinha razão..., além de aprender muito sobre a França de Luiz XV, Luiz XVI, Maria Antonieta e depois a Revolução Francesa.

quarta-feira, março 09, 2011

Atração Irresistível - II

Selo da Maçonaria
Continuei obedecendo à mamãe e indo à missa aos domingos, acompanhando as procissões em datas específicas, na Semana Santa e no Mês de Maria, mas ao mesmo tempo sentia-me atraída pelo lindo templo protestante, de onde ouvia músicas maravilhosas cantadas pelo coro a cada vez que passava por lá.

Com meus nove anos, era uma moleca, magrela e espoleta, hiper-ativa e curiosa.


Nice - 9 anos

Houve uma ocasião em que uma turminha, umas quatro ou cinco crianças lideradas por um menino mais velho - essa lembrança está um tanto nebulosa - que segui numa excursão por Itapetininga para praticar malvadezas do tipo apertar campainhas e sair correndo. Suponho que eram os primos que chegaram, cheios de energia, para as férias escolares. Poderiam ser o Flávio José, a Maria Christina, o José Marcos e a Mabel (13, 11, 8 e 6 anos).

Saímos ao cair da noite a andar pelo centro sem destino, novidade absoluta para mim. Depois de muitas campainhas, fomos chegando ao Largo do Rosário, com a igreja antiga.

Na esquina alguém da turma (teria sido o Flávio José?) parou em frente à imensa porta do casarão, dizendo que era a Casa da Maçonaria, que ali eram praticados estranhos e terríveis rituais, que havia muitos mistérios, muitos segredos, e quem contasse era morto sem perdão, ninguém escapava, eles perseguiam até o fim do mundo e matavam de forma horrível! E só podiam entrar homens, mulher nenhuma jamais fora aceita - e por aí além, tudo isso foi deixando os menores arrepiados de medo. Em seguida olhou pelo enorme buraco da fechadura, daquelas de chave grande, de ferro, soltando um grito. Seus olhos arregalavam-se de terror. “Olhem! Olhem!" "Oquê?" "O quê?" "Tem um homem assustador lá dentro!” "Mentira, você só quer nos assustar!" "Não! É verdade!"

Nós queríamos correr dali, mas ele nos instava a olhar. O medo lutava com a curiosidade, a primitiva atração do perigo. Depois disse que estava brincando, que não tinha nada, que éramos uns poltrões, uns covardes, e tanto falou que resolvemos olhar um por um. Rapidinho, passamos um olho pela fechadura e saímos todos gritando. Realmente havia um homem lá dentro, um velho terrível, com uma barba grisalha muito comprida, sobrancelhas cerradas e hirsutas, olhar indescritível, roupa escura, segurando uma foice enorme e dirigindo-se para a porta. Ia nos pegar e nos matar com aquela horrível foice! Saímos berrando de medo pelas ruas até chegarmos à nossa casa, sem fôlego, coração na boca. Mas antes de entrar o menino maior (Flávio José?) nos fez prometer que não falaríamos nada para os adultos. E depois não agüentou mais e começou a rolar de rir. “Seus tontos! Não era um homem de verdade! Era uma pintura na parede... Bocós!... Ahahahahaha!”

De qualquer maneira, aquela figura, pintura ou não, assombrou minhas noites por muito tempo. Mas também me aguçou a curiosidade. O que seria a Maçonaria? Porque a pintura do velho monstruoso na parede bem em frente à porta? E que mistérios escondia? E que segredos? Ai, segredos... Como me deixavam eriçada! E porque não aceitavam mulheres? O que se passava exatamente lá dentro? Ai, meu Deus, que vontade de saber!

Aquela pequena aventura valeu muitos dias de caçoada do menino maior. Começava a rir de repente, apontando para nós, ao mesmo tempo que levava o indicador aos lábios obrigando ao silêncio. E eu o adorava. Como era inteligente! E como sabia coisas que ninguém imaginava!

No fim das férias os primos foram embora e eu agora sabia que na cidade havia um casarão muito alto com uma porção de segredos. E eu não podia dizer a ninguém. Passava sempre por aquela esquina e um arrepio gelado me percorria, e morria de vontade de olhar pelo buraco da fechadura. Envergonho-me de contar que nunca mais tive coragem.

Atração Irresistível




Nice aos três anos
 
É curioso como a leitura de alguns livros nos reportam a outras épocas de nossa vida em que ainda engatinhávamos cegamente em direção ao nosso crescimento pessoal.
Terminei de ler o último livro do Dan Brown, "O Símbolo Perdido", que focaliza basicamente a Maçonaria, mas acaba unindo num só feixe muitas das outras filosofias religiosas, esotéricas ou não.
A que confusão chegou o ser humano estudioso e desejoso de aplicar rótulos...
Rótulos ou não, o que interessa é a atração irresistível que esse assunto me provoca.

Mais um pouco da minha história (como o querido Deto, recuso-me a escrever "estória"...):

Já contei aqui como fui parar na casa dos tios de minha mãe biológica, quando meus pais se separaram. E que os chamava de papai e mamãe, e aos filhos deles, de irmãos.
Desde muito criança, uns três anos de idade, obediente, mas curiosa, era levada à "Reza" (assim era chamada a missa da noite) da igreja de N. Sra. do Rosário. Mamãe pedia às amigas que me levassem. Demorei um pouco para perceber que ela não ia nunca. Por quê? Não me competia descobrir no início.
Mamãe era extremamente religiosa. Havia sobre sua cômoda antiga e alta algumas estampas que eu achava lindas: uma de Santa Therezinha do Menino Jesus, uma de Santo Antônio rodeando uma de Nossa Senhora e, muitas vezes, uma vela acesa em frente a elas. Eu respeitava e me surpreendia espiando da porta, um pouco inquieta, quando mamãe unia as mãos e "conversava" sussurrando com eles. Em algumas ocasiões especiais, apoiava a testa nas mãos e meneava a cabeça. Em outras chorava silenciosamente. Não me atrevia a perturbar tal "conversa". Não me lembro se ela fazia ou não o sinal da cruz. De qualquer maneira aquela atitude parecia a meus olhos infantis algo mágico e misterioso.
Mais tarde, aos cinco anos, ela me fez frequentar o catecismo para me preparar para a Primeira Comunhão. Eu ia sozinha. Comecei a perceber então que ela não ia à igreja, a não ser para batizar algum neto ou afilhado. Papai também.
Fiquei sabendo, não me lembro como, lá pelos sete anos, que papai era kardecista. Edna, a irmã mais velha, também. Acho que foi ela quem me contou. Mas não se falava sobre isso. Os outros irmãos eram católicos, exceto a Belinha, também kardecista. E ainda um pouco mais tarde descobri que mamãe não era católica, mas “ecumênica”. O significado da palavra me foi explicado e entendi perfeitamente que mamãe poderia ir a qualquer igreja que desejasse. Ou não ir a nenhuma... Seu altar estava sobre sua cômoda e era lá que ela entrava em comunhão com Deus, seus santos e seus anjos.
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(Ecumenismo (ou eucumenismo) é o processo de busca da unidade. O termo provém da palavra grega "oikos" (casa), designando "toda a terra habitada". Num sentido mais restrito, emprega-se o termo para os esforços em favor da unidade entre igrejas cristãs; num sentido lato, pode designar a busca da unidade entre as religiões ou, mesmo, da humanidade. Neste último sentido, emprega-se também o termo "macro-ecumenismo").
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Mas qual não foi o meu espanto quando, durante uma confissão, o padre me disse que “só quem era católico entrava no céu”. Fiquei horrorizada e muito preocupada. Não tive coragem de contar a ele que minha família não passaria no teste. E também não podia dizer isso em casa
Foi aí que me revoltei. Se mamãe e papai não podiam, eu também não queria “entrar no céu”... Em seguida refleti muito dentro da minha pequenez, conversei com várias pessoas de outras religiões, procurei obter um visto para o céu para meus pais e irmãs fora da linha. Se mamãe era a pessoa melhor e mais caridosa que eu conhecia, se minhas irmãs kardecistas só pensavam em ajudar os necessitados, se nossa casa vivia cheia de pobrezinhos que chegavam de longe para almoçar ou para serem medicados, como podia ser verdade que Deus quisesse barrá-los?
Alguma coisa estava muito errada.  E eu passei a não acreditar no que os padres diziam...
Além disso, havia certas perguntas muito estranhas de certo velho padre no confessionário... “Você tem maus pensamentos?” Vasculhei minha cabeça à procura de algo que pudesse ser rotulado assim e respondi que, às vezes, eu ficava com um pouco de raiva quando mamãe não me deixava fazer alguma coisa que eu queria muito, ou me obrigava a escrever páginas e mais páginas do antigo Compêndio de Civilidade, todo escrito em "ortographia" antiga... E o padre disse que não era a isso que estava se referindo, para eu pensar melhor... Eu não gostava dessas perguntas, não entendia, procurava mais e encontrava "outro pecado" e contava que “noutro dia respondi mal à mamãe”... Mas também não era isso que ele queria ouvir. No fim ele desistia.
Mas eu... que já não acreditava em tudo o que os padres diziam, passei a desconfiar deles...

Nice e o rádio




(Vou dividir a história em capítulos para vocês lerem com mais paciência, viu, Zeca?)

terça-feira, março 01, 2011

Novo Blog

Convido meus amigos a me visitarem em meu novo blog, esse só de artes plásticas...
Comecei postando o último retrato pintado.
"Nice S. T. Barth - Portraits e outras Pinturas" :


http://www.nicestbarthportraitseoutraspinturas.blogspot.com/


É só clicar e ir para lá!
Espero vocês!
Beijos!

Rodrigo fez Aniversário

1975
Rodrigo, nesta foto, estava com um ano e três meses. Ainda usava fraldas e sapatinhos de sola-crepe e a irmãzinha Christina acabara de nascer... Alessandra estava com quase seis anos, Flávio Rubens com quase oito.

Um ano antes, em 25 de Fevereiro de 1974,

Rodriguinho nasceu às 15:40h de uma tarde ensolarada e quente, uma Segunda-feira de Carnaval!
"Apresentação de mão..." - anunciou a médica, divertida e surpresa.
Só faltava o estandarte para ele sambar na avenida, porque já nasceu gritando...
Era o bebê mais lindo da maternidade (segundo a enfermagem!) e seu cabelinho formava um redemoinho no alto da cabeça, e era espetadinho, não adiantando as escovadas das enfermeiras. Tinha um tom louro-quente, que depois caiu, nascendo o cabelo dourado.
Seus dedinhos eram finos e longos e ele era uma criancinha adorável, com aqueles olhos inteligentes e perscrutadores.

Quando os bebês vinham para o quarto (porque naquele tempo não ficavam com as mães) para as mamadas e as mimadas, só um vinha berrando de acordar os anjos no céu. Adivinhe quem era? Eu ficava desesperada ao ouvir aquele choro lancinante e ia até o carrinho com uns dez bebês plácidos e pacientes, onde só um se retorcia e protestava pela demora das enfermeiras em entregar os outros, sem paciência de esperar sua vez...

Era ele! Claro! O meu bebezinho mais lindo, vermelho de chorar a plenos pulmões. Eu tentava pegá-lo, mas levava a maior bronca da enfermeira. "Senhora, precisa esperar em seu quarto, não pode pegar o bebê!" - como se ele não fosse meu!

Hoje entendo melhor. Imagine que confusão se todas as recém-mamães viessem pegar os bebês no carrinho fora do quarto! E se pegassem outro, que não o delas?
Mas com isso, meu Rodriguinho chegava aos berros, vermelhinho e bravo, o pequeno rosto lavado em lágrimas . Eu o tomava no colo e o colocava sobre meu coração e cantava no ouvidinho dele bem baixinho e o chamava de "meu amorzinho", "meu docinho", "calma que você já está aqui"... E ele ouvia o coração e se acalmava instantaneamente.

Cada vez mais ávido por aprender e apreender tudo o que podia, cresceu, estudou, tocou e cantou em uma banda, fez o vestibular com facilidade e formou-se advogado. É sócio do pai no escritório.

No dia 25 de Fevereiro ele fez 37 anos! Quanto tempo!

Parabéns, Rodrigo! Parabéns, meu querido! Que você seja sempre muito feliz!