Meditação Final: "O Ensaio Sobre a Cegueira"
No fim das contas, não digo que "adorei" o Ensaio sobre a Cegueira, pelo menos no princípio, mas só porque me pegou de surpresa, não imaginei que fosse tão realista e não estava preparada para isso.
Mas foi o livro mais diferente de tudo o que já li e quando passar mais um tempo, será um dos prediletos. Penso que seja leitura obrigatória.
Se ao chegar pouco além da metade senti-me num turbilhão de horror, a partir do ponto em que eles saem de um inferno para entrar em outro maior, mas pelo menos em liberdade, a esperança retorna para eles e para mim, em direção ao final, quando a questão proposta vai se resolvendo de maneira bastante interessante. Acabei gostando e admirando o autor, que consegue passo a passo, sem atropelar, de uma maneira quase infantil e pura, descrever tudo, tudo, o que lhe passa pela cabeça. Tenho certeza que se esse livro fosse escrito por qualquer de nós, menos pacientes, teria a metade das páginas.
E concordo inteiramente com Saramago que, para os brasileiros, TINHA de ser editado no português original, para que pudéssemos saborear aquela linguagem única. Ninguém antes escreveu assim, exceto as crianças.
Não penso que as personagens precisassem de nome, pois a intenção de Saramago era que cada um se identificasse com um pouco de cada qualidade ou defeito delas. E que, no contexto, deveria haver a perda total de identidade. E quanto a não produzir emoções, discordo ampla e irrestritamente, pois me abalou até as bases, principalmente nas páginas 174, 175 e seguintes com o sacrifício aviltante das mulheres pela comida dos homens.
É verdade que ele escreve como um cronista frio aparentemente, pois não julga, só expõe. Mas consegue sim, despertar intensas emoções e mostra-nos de uma forma contundente uma verdade dolorosa e esquecida a respeito da humanidade acomodada no conforto, se nos dispusermos a prestar atenção e formos corajosos o bastante para nos identificarmos com uma ou outra das personagens e com a situação em que se encontraram.
Foi o que fiz, parada no umbral do possível, olhando para dentro daquele palco de horrores e meditando sobre a possibilidade de um dia ficarmos todos cegos por produtos químicos que já são lançados diariamente na atmosfera e na água do planeta. Identifiquei-me com aquelas poucas pessoas de idades e profissões diversas, amostra da sociedade em que vivemos, e que conseguiram formar uma pequena comunidade na incontável multidão de brutalizados, arrogantes, ignorantes e miseráveis coitados, reduzidos à animalidade pela falta de um único sentido, o da visão. Cogitei também numa cegueira psicológica e, como disse a “mulher do médico”, já estamos todos cegos.
Descobrimos que no mais horrível dos infernos em que foram atirados, ainda foi possível, no fim das contas, serem resgatados pelo espírito de justiça e compaixão com que os seres humanos foram dotados e que, mesmo sendo apenas pessoas carentes de tudo, somos confeccionados de maravilhosa matéria frágil e magnificamente formada e que podemos e devemos nos comportar como a Criação Divina que somos.